Parque Nacional Grande Sertão Veredas: um aceno à Literatura de Rosa

Tempo de Leitura: 14 minutos

Atualizado em 18/01/2025 por Sylvia Leite

Portão_Parque_Nacional_Grande_Sertão_Sertao_Veredas-Foto-Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAAntes de qualquer coisa é preciso dizer: o Parque Nacional Grande Sertão Veredas é a única unidade de conservação do Brasil que homenageia um livro e protege seu cenário. Me refiro ao romance Grande Sertão: Veredas, do escritor João Guimarães Rosa. Embora tenha viajado pelo sertão do Cerrado, não há registro de que Rosa tenha estado no Noroeste de Minas e no Sudoeste da Bahia – áreas que abrigam o parque – mas essa região, conhecida como Gerais, serve de palco a boa parte da obra. Ali estaria, inclusive, o mítico Liso do Sussuarão – uma paisagem árida, provavelmente fictícia, onde se desenrolam importantes episódios de sua narrativa literária.

No romance “Grande Sertão:Veredas”, o Liso é descrito como um lugar que “não concedia passagem a gente viva, era o raso pior havente, era um escampo dos infernos”.1. Por duas vezes, o personagem Riobaldo, o ex-jagunço narrador do romance, tenta fazer essa travessia. Na primeira, ele e seus companheiros de bando ficam sem água e sem comida, chegam a comer carne humana e são obrigados a desistir, Grupo_ParnaGSV-Foto_Sylvia_leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAconfirmando a crença de que “quando a gente entesta com aquilo (o Liso do Sussuarão) o mundo se acaba: carece de se dar volta, sempre”. Já na segunda vez, após tornar-se chefe dos jagunços, Riobaldo consegue vencer o Liso com certa facilidade e, já na Bahia, ele e seu bando alcançam a fazenda principal de Hermógenes – um dos dois inimigos traidores do bando – aprisionando sua esposa.

Embora Guimarães Rosa tenha dado algumas pistas, até hoje ninguém conseguiu identificar geograficamente o Liso do Sussuarão. Parece unânime a compreensão de que o tal lugar encontra-se entre o Vão-dos-Buracos, uma região de canions localizada no atual distrito de Serra das Araras, e a fictícia fazenda de Hermógenes, na Bahia – um extenso terreno, quase todo localizado na área do parque.

O escritor mineiro Alan Viggiano, afirmou, no livro “Itinerário de Riobaldo Tatarana”, que o Liso do Sussuarão é o Capas_livro_Alan_Viggiano-Foto_Divulgação-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIALiso da Campina – uma pequena área localizada no município mineiro de Formoso. Já o pesquisador e Engenheiro Florestal Guilherme Braga Neves, em trabalho de conclusão de curso apresentado na Universidade de Brasília, afirma que o deserto citado por Rosa encontra-se no município de Cocos, também na Bahia e fica no sopé da Serra do Sussuarão, perto da lagoa de mesmo nome e do Córrego dos Bois.

Há também quem diga, segundo o ativista sociambiental, Almir Paraca, que o Liso do Sussuarão seria “a chapada em si porque não existe água em seu topo. As nascentes estão todas nas bordas”. Mas o próprio Paraca lembra que o professor e crítico literário Willi Bolle, tradutor do romance para o alemão, e autor do estudo ‘grandesertao.br”, defende a tese de que o Liso do Sussuarão é uma construção fictícia de Guimarães Rosa, com base na geografia real, mas suprimindo os cursos Livro_grandesertao-Foto_divulgaçao-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAd’água naturais, como o Itaguari, entre outros.

A constatação frustra os que desejam localizar cada cidade, povoado ou acidente geográfico citado na obra, até porque, segundo o estudo de Braga, Rosa citou “pelo menos 424 localidades reais, incluindo cidades, arraiais, fazendas, cachoeiras e no mínimo 66 cursos d’água, entre rios, riachos, ribeirões, lagos, lagoas e veredas”. Justo o Liso do Sussuarão, uma das paisagens mais impressionantes da obra, seria um espaço ficcional?

Isso, no entanto, não tira o encanto da visita, mesmo porque, sendo real ou fictício, o Liso do Sussuarão – assim como boa parte do livro – está ambientado ali, dentro dos limites reais do parque. E essa não é a única referência literária da unidade de conservação. Segundo o historiador Xico Mendes, na Vereda da Onça, localizada no limite baiano do parque, havia um porto com o mesmo nome que é citado por Rosa: “Passado o Porto das Onças, tem Pegada1_ParnaGSV-Foto_Sylvia_Leite_BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAum ‘fazendol’. Ficamos lá umas semanas, se descansou. Carecia”. Rosa cita ainda, o Rio Carinhanha, que atravessa o parque, marcando a divisa entre Minas Gerais e Bahia.

Além das referências literárias, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas está repleto de belezas naturais, algumas delas evidentes – como as veredas, os buritis e as flores –  e outras bastante escondidas, como é o caso dos veados, dos lobos-guarás e das onças, que dificilmente aparecem aos visitantes, a menos que eles transitem pelo parque depois que o sol se põe ou antes do amanhecer. Fora desses horários, só temos sinais de sua existência pelas pegadas que encontramos nas estradas de terra, ou por meio de imagens captadas pelas câmeras dos pesquisadores da ONG Onçafari que atuam em parceria com o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade –  administrador do parque – e com a Pousada Trijunção.

Lobo-guará: símbolo do cerrado

Lobo_guara-Foto_de_Aguara_em_Wikimedia-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAEntre os animais monitorados pelos pesquisadores que atuam no Parque Nacional Grande Sertão Veredas estão os integrantes de uma espécie típica do Cerrado e endêmica da América do Latina: os lobos-guará. Apesar de não serem oficialmente considerados em extinção, acredita-se que restam apenas cerca 17 mil em todo o mundo, distribuídos entre Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia.

A palavra guará vem do Tupi-Guarani e significa vermelho. Já o nome científico desse animal – Chrysocyon brachyurus – pode ser traduzida como cachorro vermelho de cauda curta. O lobo-guará foi um dos três escolhidos em votação popular para estampar notas do Real e hoje ilustra a nota de 200. Os outros dois foram a tartaruga marinha que está na nota de dois reais, e o mico-leão dourado que está na nota de 20. A espécie é tida como símbolo do Cerrado, embora seja encontrada também em áreas de transição com outros biomas como Caatinga, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa.

Lobeira-Foto_Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIANo Cerrado, ele estabelece uma espécie de parceria com a espécie vegetal Solanum lycocarpum, conhecida popularmente como lobeira. Os frutos desse arbusto são o principal alimento do lobo-guará, variando entre 40 e 90% do total, a depender da região. Além de alimentar, protegem o organismo do animal contra o verme-gigante-dos-rins (Dioctophyme renale), que pode ser fatal nessa espécie. Em troca, o lobo-guará espalha suas fezes por toda a região, ajudando na dispersão as sementes.

O arbusto da lobeira é considerado daninho para plantações e pastagens, mas seus frutos também alimentam o gado e, segundo moradores da região, seriam também benéficos aos serem humanos, por possuírem propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, mas sobre isso não há confirmação.

O mistério das onças melânicas

Onça_Guirigo-Foto_Eduardo_Fragoso_Onçafari-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIASe o lobo-guará ganhou notoriedade como símbolo do cerrado e como estampa da nota de 200, representantes de outra espécie ficaram famosos ao ocupar as páginas de grandes jornais e os programas de televisão. São as onças Riobaldo e Guirigó – batizadas assim em alusão ao personagem narrador do “Grande Sertão:Veredas” e ao garoto que o acompanha na travessia do Liso do Sussuarão. A referência ao menino Guirigó diz respeito à pele negra, que no personagem é definida pela raça, mas na onça é decorrente de uma mutação genética que aumenta a concentração do pigmento de melanina.

Riobaldo e Guirigó foram peças chaves de uma pesquisa viabilizada pela parceria do ICMBio – entidade gestora do Parque Nacional Grande Sertão Veredas-  com a Onçafari. Segundo o biólogo Carlos Eduardo Nóbrega, coordenador de campo da ONG, o trabalho se deu em duas frentes. Armadilha_fotografica_parna_GSV-Foto_Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAUma delas é o monitoramento dos animais por meio de rádios-colares com GPS, a fim de acompanhar seu deslocamento e demarcar os locais por onde transita. A outra é a captação de imagens a partir das chamadas armadilhas fotográficas, que são câmeras instaladas em meio à vegetação nativa e acionadas por sensores de movimento. A partir desses registros, é feita a identificação das manchas características de cada indivíduo, o que permite o levantamento populacional da fauna.

Entre os primeiros resultados da pesquisa, há um dado curioso e ainda sem explicação: entre 40% e 48% da população de onças pintadas na região – ou seja, quase metade delas – apresentam a mesma mutação genética que atinge Guirigó, enquanto nas Américas a ocorrência média é de 10% e em lugares como as planícies do Pantanal e da Venezuela, é inexistente.

Mapa_deslocamento_onças_ParnaGSV-Imagem_Onçafari_ParnaGSV-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAOutro dado interessante é a área ocupada por Riobaldo e Guirigó no seu deslocamento em busca de água, alimentação e abrigo. Durante o período da pesquisa, ambos circularam por áreas superiores a 400 km² (mapa), quase o dobro do que ocorre em média com as onças-pintadas da Amazônia (211,6 km) e quase quatro vezes mais que a média do Pantanal (144,3 km)2.

Segundo Carlos Eduardo, essa constatação, aliada à estimativa de que existem entre 37 e 40 onças dentro do PNGSV, e ao fato da espécie estar ameaçada de extinção, indica a necessidade de uma área maior de preservação, seja com a expansão do parque, seja com a criação de corredores ecológicos mais eficientes, especialmente em Reservas Particulares do Patrimônio Natural – RPPNs.

Uma fauna selvagem e variada

cervo_do_pantanal-Foto_PhillipC_Flickr_Wikimedia-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAAlém das onças-pintadas e dos lobos-guarás, existem no Parque Nacional Grande Sertão Veredas mais 54 espécies de mamíferos e dessas, pelo menos outras sete também encontram-se ameaçadas de extinção, entre elas o cervo-do-pantanal, conhecido em Minas como Suaçuapara.

São ao todo 437 espécies entre mamíferos, répteis, anfíbios, peixes e aves. Esse último grupo é predominante no parque, com mais de metade do total e pelo menos uma espécie em extinção: o gavião-de-penacho. Mas o espetáculo das aves fica por conta da arara-vermelha, que além de enfeitar o céu do parque com sua beleza, ainda nos proporciona uma trilha sonora.

Avistar um ou outro animal depende da sorte e do horário da visita, mas como bem disse Guimarães Rosa, por Aranha_caranguejeira_ParnaGSV-Foto_Sylvia_leite_BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAmeio do seu personagem Riobaldo, o importante é a travessia e ao atravessar o parque, é possível fazer muitas descobertas, especialmente se a pessoa estiver atenta e acompanhada de um bom condutor. Aprende-se, por exemplo, a identificar pegadas e a enxergar pequenos animais – como a aranha caranguejeira – em meio à vegetação, ou até mesmo no leito da estrada.

Segundo o chefe do parque, Peterson de Almeida, contribui muito para esse perfil mais selvagem, o fato do do Parque Nacional Grande Sertão Veredas estar distante de grandes centros e ter somente pequenas cidades – como Chapada Gaúcha e Serra das Araras – no seu entorno.

Os oases do Cerrado

Vereda-Foto_Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAApesar da destruição ambiental do cerrado, que vem sendo sistematicamente denunciada pela imprensa, há ainda muitas veredas na região, não apenas dentro do parque, mas também em seus arredores. Aliás, essa é uma peculiaridade do sertão das Gerais. Quem conhece a secura do bioma da Caatinga – que se estende por quase todo o sertão nordestino-, surpreende-se ao descobrir que no Cerrado o sertão tem água, pelo menos enquanto conseguirmos proteger o que resta de nascentes e leitos. Esse sertão molhado permeia todo o romance de Rosa” e como o próprio nome sugere, as veredas e suas águas são a marca da paisagem que serve de cenário ao romance.

Um estudo da pesquisadora Maria de Fátima Brandão Carneiro, publicado na revista Cerrados, da Universidade Estadual de Monte Claros, Unimontes – mostra que as veredas são citadas 70 vezes ao longo da narrativa e em 19 delas são identificadas por nomes próprios. Embora nenhum desses 19 nomes conste do mapa do parque, há quem afirme que pelos menos as veredas Grande, do Vitorino e Enxu encontram-se dentro dos limites do Grande Sertão Veredas.Mulher_registra_encontro_Carinhanha_RioPreto-Foto_Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIA

Os rios, ribeirões, córregos e riachos “somam aproximadamente, 245 citações”, todas com nomes próprios geograficamente identificáveis. Caso do rio Carinhanha – quinto maior afluente do São Francisco – , que corta uma grande extensão do parque, marcando a divisa entre Minas Gerais e Bahia. Foi no Alto Carinhanha que se deu a primeira tentativa de atravessar o Liso do Sussuarão.

Tão ou mais presente na paisagem do Grande Sertão Veredas é o Rio Preto, pois toda sua extensão encontra-se dentro do parque. E é o Rio Preto que proporciona ao visitante uma das mais belas imagens da região ao desaguar no Carinhanha criando um contraste de cores e densidades pois suas águas não se misturam. Também faz parte desse sertão molhado a Cachoeira de Mato Grande que por seu grande volume de água, e pela facilidade de acesso, tornou-se uma das principais atrações do Parque Nacional Grande Sertão Veredas.

Cachoeira_ParnaGSV-Foto_Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIANa ficção, o aspecto aquoso do cerrado é lembrado não apenas por meio da citação de cursos d’água, veredas  e cachoeiras, mas também na caracterização simbólica do personagem principal. O professor da USP e tradutor para o alemão do romance Grande Sertão: Veredas, Willi Bolle, relembra um trecho do romance em que Riobaldo declara: “Eu penso como o rio anda”.

Bolle destaca ainda o fato desse personagem narrador trazer em seu nome a palavra ‘rio’. Quanto à terminação ‘baldo’, o professor vai busca-la no Alemão a expressão ausbaldowern – que tem origem no Hebraico e significa ‘pesquisar, descobrir com arte’. Considerando que, em sua opinião, o São Francisco é ‘o rio da história brasileira’, Riobaldo seria, então, o ‘pesquisador do curso (ou do rio) da história’. Bolle atribui também a Riobaldo, a característica de pesquisador dos discursos, mas isso é tema para outra matéria.

As cores do Cerrado

A umidade proporcionada pelas veredas, faz com que o sertão do Cerrado seja um bioma repleto de flores e no Parque Nacional Grande Sertão Veredas a variedade é tão grande que algumas delas nem mesmo os guias sabem Flores_do_Cerrado-Vários_autores-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAidentificar.  A estrela do lugar é a Calliandra – popularmente conhecida por vários nomes como Rosa do Sertão, Rosa do Cerrado, Ciganinha… –  que floresce o ano inteiro com suas finíssimas pétalas vermelhas, mas há, ainda, a amarela flor de pequi, as roxas Sucupira, Jacarandá e Flor da Lobeira (foto), a branca Pimenta de Macaco e os ipês de todas as cores, especialmente o amarelo.

Mas o verde das folhagens e os variados tons das flores são apenas uma parte do espetáculo porque no Parque Nacional Grande Sertão Veredas a terra também varia de cor.

A mudança de aparência ocorre repentinamente e ninguém sabe explicar a razão exata, mas certamente o fenômeno está relacionado com a composição química do solo em cada local. Para os nativos, só interessa uma coisa: quanto mais escura é a terra, melhor é a sua qualidade. A mais clara é apenas areia.

Quando o assunto é variedade de cores, não se pode esquecer, também, o espetáculo proporcionado pelo encontro do Rio Preto com o Carinhanha, que já vimos anteriormente.

A história do parque

Toda essa riqueza permaneceu desprotegida até 1989, quando foi inaugurado o Parque Nacional Grande Sertão Veredas – a primeira área de conservação ambiental na margem esquerda do São Francisco, conhecida como Gerais. Em seguida vieram o Parque Estadual Serra das Araras (1998), o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu Placa_do_ParnaGSV-Foto_Sylvia_Leite-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIA(1999) e a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Veredas do Acari (203).

De início, o Parque Nacional Grande Sertão Veredas tinha uma área pouco superior a 83 mil hectares que se estendia apenas pelo estado de Minas Gerais. A partir de 2004, o parque avançou para o estado da Bahia, passando a ocupar aproximadamente 230 mil hectares.

Uma das grandes dificuldades enfrentadas pelos primeiros gestores do parque foi em relação às cerca de 70 famílias de posseiros que ocupavam a área. Sessenta delas concordaram em receber terras equivalentes em uma fazenda vizinha, hoje conhecida como Assentamento São Francisco e menos de dez famílias continuam vivendo dentro do parque, mas em regiões fronteiriças.

Entre os que mudaram para a fazenda São Francisco, encontra-se Pedro Barbosa Neves, o Pedrão, Por ter nascido e crescido dentro do parque, Pedro tornou-se um grande conhecedor daquela área e hoje, além de plantarEx-morador_ParnaGSV-Foto_Sylbia_leite_BLOG_LUGARES_DE_MEMORIA mandioca, fazer farinha e criar algumas cabeças de gado, é também condutor credenciado no parque.

Seu vizinho de terra, Dionísio José Barbosa, mais conhecido como Nizão, também nasceu dentro do parque – mais precisamente na Fazenda Muriçoca – mas preferiu ser indenizado e, em vez de mudar para o assentamento, comprou 6 hectares numa área próxima: a fazenda São Joaquim. Hoje, Nizão é dono de um estabelecimento multifunções, que ele define como ‘Loja de Conveniência” e reúne serviços de bar, sinuca, borracharia, oficina mecânica, abastecimento de gás e até serviços de informação turística.

Como antigo morador, Nizão sabe tudo sobre o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, e conhece também muita coisa sobre as cidades de Formoso, Chapada Gaúcha e Buriti, em Minas, Sítio D’Abadia, em Goiás, e até mesmo sobre o Liso do Sussuarão, que ele afirma existir e diz estar localizado a 4 km de seu estabelecimento, na cabeceira do Rio Carinhanha.

As ameaças constantes

Embora a maioria das famílias já tenham deixado o Parque Nacional Grande Sertão Veredas, a atividade  econômica dos que permanecem – e mesmo dos que saíram e se instalaram nos arredores – ainda cria alguns problemas, e segundo relato do chefe Peterson de Almeida a maior parte decorre da criação de gado.

pivô_de_irrigação_Bahia-Foto_divulgação-BLOG_LUGARES_DE_MEMORIAA primeira delas é a simples presença dos bois e cavalos, que além de pisotearem as veredas – com risco de entupir e secar nascentes – podem levar doenças para a fauna local. Não há permissão para que criadores não residentes coloquem o gado dentro do parque. Isso ocorre porque a área dos assentamentos é mais seca e em época de estiagem os criadores acabam rebentando as cercas do parque para que seus animais possam entrar e usar a água das veredas.

Outro problema são os incêndios, muitos deles provocados por esses criadores a fim de renovar seus pastos, que acabam se alastrando para dentro do parque. Há, ainda, os incêndios criminosos – difíceis de evitar e de punir os responsáveis – e o problema da caça, especialmente do lado da Bahia.

Mas, segundo Peterson de Almeida, a maior ameaça ao parque vem das plantações irrigadas – soja, milho, algodão, café, tabaco, capim, trigo – em áreas vizinhas ao extremo Norte do parque, pois os pivôs de irrigação puxam água das veredas, diminuindo seu volume de água, com risco de secá-las ao longo do tempo, como vem ocorrendo em áreas próximas.

Notas

  • 1 Grande Sertão:Veredas, Guimaraes Rosa, pg 35 Edição Companhia das Letras
  • 2 Mapa de deslocamento das onças monitoradas pela Onçafari: a rota em roxo descreve o deslocamento da onça pintada Riobaldo e a rota em azul indica os caminhos percorridos pela onça melânica Guirigó

Parque Nacional Grande Sertão Veredas – Bioma do Cerrado – Minas e Bahia – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • (1,2,5,7,9,12,13,14,15,17,18) Sylvia Leite
  • (3) Divulgação
  • (4) Divulgação
  • (6) Aguará em Wikimedia - CC BY-SA 3.0
  • (8) Eduardo Fragoso - Onçafari
  • (10) Mapa de deslocamento das onças monitoradas - Parna GSV e Onçafari
  • (11) Phillip Capper from Wellington, New Zealand em Wikimedia - CC BY 2.0

Referências

  • Site Oficial do Parque Nacional Grande Sertão Veredas
  • Site oficial Onçafari
  • Livro Grande Sertão:Veredas
  • Livro Itinerário de Riobaldo Tatarana, de Alan Viggiano
  • Livro grandesertão.br, de Willi Bolle
  • Artigo A Hidrografia na trajetória de Riobaldo em Grande Sertão:Veredas - Revista Cerrados - Unimontes
  • Trabalho de Conclusão de Curso Grande Sertão: Veredas - Resgate e Conservação de uma Paisagem Cultural, de Guilherme Braga Neves, UNB

Consultoria

  • Peterson de Almeida - chefe do Parque Nacional Grande Sertão Veredas
  • Almir Paraca - ativista socioambiental, idealizador e criador do Caminho do Sertão
  • Xico Mendes - historiador e professor da UNB
  • Dionísio José Barbosa (Nizão) - ex-morador do Parque Nacional Grande Sertão Veredas
  • Rosamelia Silva - Professora UNB
  • Henrique Leroy -professor UFMG

Colaboradores

  • Rosa Haruco
  • Neli Defensor Sant'Anna Martins
  • Edilberto Assumpção de Araújo
  • Marcos Viana
  • Ivan Carlos Maglio
  • Jane Alves
  • Nadia Silva
  • Pedro Cândido
  • Maria Marismene Gonzaga
  • Regina Tinoco
  • Marta Helena Andrade
  • Daiana Campos
  • Diana Campos
  • Silvina Rodrigues Teixeira
  • Antonio Lopes Marques (Tico)
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18 Comentários
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Regina Lucia Tinoco Lopes
Regina Lucia Tinoco Lopes
11 dias atrás

Querida Sylvia, parabéns pela excelente matéria. O PNGSV ficou muito bem documentado e, como participante da “expedição”, posso dizer que os dias que passamos no Parque/Chapada Gaúcha foram perfeitamente revividos durante a leitura.
Um grande abraço.

Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
11 dias atrás

Sylvinha, sua matéria tão linda sobre o Parque acendeu o desejo de conhecê-lo e de reler o grande Rosa.
Parabéns pelo seu trabalho!
Grande abraço

Maria Marismene Gonzaga
Maria Marismene Gonzaga
10 dias atrás

Excelente, matéria! Sílvia.

Ivan Carlos Maglio
10 dias atrás

Sylvia. Ficou muito boa a matéria. Muito bem inspirada, rosé Ana, ilustrada e com ótimas informações. Deu saudade do parque, do ambiente e de toda aquela gente maravilhosa.

Ronaldo Mendes
Ronaldo Mendes
10 dias atrás

Parabéns pelo trabalho
O parque nacional grande sertão veredas, precisa ser liberado para o turismo, principalmente a área que liga a cidade de formoso MG

Everton Vargas
Everton Vargas
10 dias atrás

Parabéns Sylvia! Excelente trabalho, rico em informações e pormenores. Mereceria mesmo traduzir para inglês e espanhol para divulgação no exterior. Everton Vargas

Nádia Maria da Silva
Nádia Maria da Silva
10 dias atrás

Oi, Sylvia!
Muito bom revisitar o Parque através do seu texto! Um lugar incrível que merece ser visitado e acima de tudo preservado.
Parabéns pelo seu trabalho de divulgação e memórias!!!

Neli Martins
Neli Martins
9 dias atrás

Mediante a leitura do texto, revisitei mentalmente os belíssimos lugares. Grata;
Parabéns!!!

Sonia Pedrosa
1 hora atrás

Como sempre, Sylvinha, um registro primoroso desse parque que precisa ser do conhecimento de todos. Deve ser muito interessante conhecê-lo e apreciar as paisagens tão fora do comum.