Palacio de la Inquisición: a face obscura de Cartagena

Tempo de Leitura: 4 minutos

Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite

Palacio de la Inquisición de Cartagena de IndiasQuando se fala em Inquisição – o conjunto de tribunais religiosos da Igreja Católica que durante séculos perseguiu, julgou e puniu aqueles que se desviavam de suas regras – sempre pensamos na Europa, onde o movimento nasceu e teve maior atuação. Mas o Santo Ofício, como era conhecido entre os fiéis, estendeu-se também às colônias e assentamentos europeus da Ásia, África e América. A cidade de Cartagena de las Indias, na Colômbia, foi o terceiro território do império espanhol a ter seu próprio tribunal e o prédio onde ocorriam os julgamentos torturas e execuções é conhecido hoje como Palacio de la Inquisición.

A escolha de Cartagena para instalação do tribunal deve-se à sua condição de entreposto comercial entre o Caribe e as ocupações espanholas localizadas no Oeste da América do Sul. Além dos casos locais, o Palacio de la Inquisición recebia também os réus de outras localidades. Um exemplo famoso é o de Paula de Eguiluz – uma Retrato pintado de Paula de Eguiluz - Pintura de Santiago Florez - BLOG LUGARES DE MEMORIAnegra escravizada nascida em Santo Domingo e vendida em Havana a João de Eguiluz -, que foi transportada de Cuba a Cartagena para ser julgada por bruxaria.

O crime de Paula era preparar poções, banhos e unguentos que supostamente teriam o poder de ligar uma mulher a seu marido ou amante se fossem usados em combinação com palavras mágicas e orações. Ela foi acusada de heresia e idolatria o que, na visão dos juízes, configurava uma prática de adoração do diabo. Levada a confessar coisas que não fez e condenada com base nessas e em outras confissões, Paula Eguiluz recebeu 200 chibatadas e foi obrigada a trabalhar dois anos em um hospital, vestindo um ‘sambenito’ – espécie de hábito em forma de saco que era usado pelos condenados que iam ser queimados nas fogueiras da inquisição. A escravizada teve ainda mais dois julgamentos e acabou condenada à prisão perpétua.

O acervo do Palácio de la Inquisición

Replicas de instrumentos de tortura da Inquisição - Foto de Paulo Atzingen - BLOG LUGARES DE MEMORIAPor incrível que pareça, a bárbara história de Paula, pelo menos como é contada hoje, parece leve quando entramos no Palacio de la Inquisición e vemos réplicas dos instrumentos de ferro destinados a punir, arrancar confissões dos acusados ou para executá-los. Caso da forquilha de herege, usada como castigo, ou do colar de pregos que servia tanto para torturar como para matar.

A cada passo que damos nessa parte do museu, encontramos um aparato diferente e tomamos conhecimento de uma nova crueldade. No quintal da casa, encontra-se a forca onde eram feitas execuções públicas e uma guilhotina, que embora não tenha sido usada em Cartagena, faz parte do acervo.

Além de todo esse ‘arsenal’, que denuncia o aspecto físico da violência cometida contra os réus, encontramos Painel sobre livro proibidos no Palácio de la Inquisición - Foto de Dinorah Regis - BLOG LUGARES DE MEMORIAtambém a memória dos julgamentos e o registro de como eram feitas as delações de heresia por meio de bilhetes anônimos atirados no palácio através de uma janela.

O museu nos informa, ainda, sobre a proibição de leituras. A lista é longa e foi publicada em um livro denominado Índex Librorum Prohibitorum, editado pela primeira vez em 1551 e atualizado algumas vezes até sua abolição pelo papa Paulo VI, em 1996. Ao longo desses quatro séculos, vários títulos e autores foram demonizados e suas obras  queimadas pela Igreja. Entre eles estão estão “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin; “Meditações sobre Filosofia primeira”, de Descartes; “Cartas Persas”, de Montesquieu; Madame Bovary, de Gustave Flaubert.

A história do palácio

Portada do Palacio de la Inquisición - Foto do site do Museu de História da Cartagena - BLOG LUGARES DE MEMORIAEmbora abrigue hoje o Museu Histórico de Cartagena, cujo acervo contempla outros aspectos da cidade, o Palacio de la Inquisición está irremediavelmente ligado a esse passado obscuro, seja por guardar as as provas das barbaridades cometidas pelo tribunal, seja por ter servido de sede para julgamentos, torturas e execuções.

O prédio do Tribunal da Inquisição de Cartagena foi inaugurado em 1.770, com projeto em estilo colonial e uma portada barroca que se tornou um dos ícones da cidade. Além do museu, funciona hoje em seu interior o Arquivo Histórico da cidade. Antes desse prédio, havia no local duas casas alugadas pelo Santo Ofício, que mais tarde foram adquiridas para dar lugar à  essa sede definitiva.

A Inquisição, para quem não sabe, foi uma instituição criada pelo papa Gregório IX, no século 12, na França, com o propósito de combater movimentos religiosos nascidos dentro da própria igreja, considerados heréticos.

Ao longo dos séculos, perseguiu diferentes grupos, como católicos dissidentes, judeus, luteranos, muçulmanos e adeptos das religiões de matriz africana. Seus réus eram, em geral, acusados de heresia, bruxaria ou de culto ao diabo. Mas havia também acusações de adultério e usura.1

Palacio de la Inquisición – Cartagena – Colômbia – América do Sul

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    Glicia Salmeron
    Glicia Salmeron
    11 meses atrás

    Muito bom esse texto, Sylvia! E assim a história é contada e deve ser lembrada para que possamos refletir sobre as mazelas da religião e as crenças com sua estupidez. Parabéns!

    Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
    Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
    11 meses atrás

    Excelente matéria, Sylvinha!
    A Inquisição foi um dos momentos mais obscuros e cruéis da Igreja Católica.
    Atualmente, algumas vertentes do protestantismo e do catolicismo tradicionalista, que estão muito distantes do Evangelho de Cristo, buscam reeditar esse período tenebroso numa cruzada contra os valores democráticos, o meio ambiente e a diversidade cultural.
    Os atos golpistas de 8 de janeiro mostraram a face hedionda desses grupos com suas crenças medievais, terraplanismo, preconceitos, ódio e disseminação de fake news.
    Bjs

    Sonia Pedrosa
    11 meses atrás

    Que dolorido e necessário é visitar um lugar como este! Eu nunca deixo de visitar um museu assim e sempre me surpreendo com a crueldade humana. A igreja católica tem um passado nefasto.