Merv Antiga: a memória de um oásis da lendária Rota da Seda

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 15/03/2022 por Sylvia Leite

Ruínas de Merv Antiga - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIADe longe, as ruínas de Merv Antiga parecem miragens no meio do deserto. Algumas, com paredes ainda inteiras, mas sem revestimento, nos dão a impressão de terem emergido da terra árida. Outras, mais desgastadas e sem forma definida, poderiam passar por concentrados de areia formados pelo vento. Esses monumentos incompletos nos fazem imaginar que restou pouco das civilizações que ali floresceram, mas, segundo a Unesco, eles compõem a mais antiga e mais bem preservada cidade-oásis ao longo da  – os caminhos entrelaçados por onde passavam as caravanas que faziam o comércio entre a Europa e o Oriente.

Hoje, a área tem o nome de Parque Histórico e Cultural do Estado “Antiga Merv”, pertence ao território de Mary Vilayat, no Turcomenistão e está tombada como Patrimônio Mundial da Humanidade . Ao longo da história, foi conhecida por diversos nomes como Antioquia de Margiana ou mesmo Alexandria, por supostamente ter um diaRuínas de Merv Antiga - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA recebido a visita de Alexandre, o Grande.

Há quem considere a Antiga Merv não como uma cidade que pertenceu sucessivamente a vários povos, mas como um conjunto de centros urbanos construídos em locais próximos e em diferentes épocas. Isso porque, ao longo da historia, a cidade mudou várias vezes de lugar a fim de acompanhar a evolução natural do rio Murgab – a única fonte de água da região – que teve seu leito desviado gradualmente de leste para oeste. Isso teria ajudado na preservação dos edifícios, que em função dos deslocamentos nunca precisavam ser derrubados para dar lugar a novas construções .

Ruínas de Merv Antiga - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

A primeira povoação da Antiga Merv teria sido fundada por Dario, o Grande, no século V antes de Cristo e pertencido ao Império Aquemênida. Tudo indica que a partir dessa época, o local permaneceu habitado e foi um importante centro de aprendizado budista, mas seu auge teria ocorrido no período muçulmano, iniciado no século 7 de nossa era.

Nos séculos 11 e 12, foi considerada uma das maiores cidades do mundo, se não a maior, com 200 mil habitantes, e ficou conhecida como a ‘Pérola do oriente’. Segundo a Unesco, as sucessivas cidades criadas em Merv teriam exercido uma importante influência, durante quatro milênios, na arquitetura, decoração, desenvolvimento científico e cultual do Irã e toda a Ásia Central.

Foto Sylvia Leite - Matéria sobre Merv - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAKyz Kala: as fortalezas das meninas em Merv Antiga

Entre os monumentos mais representativos desse período estão duas mansões fortificadas conhecidas na época como köshks. Eram edifícios de dois andares com paredes onduladas que escondiam janelas em suas reentrâncias. Acredita-se que que a Kyz Kala maior tinha dez quartos, cinco em cada andar, em volta do pátio interno.

Há inúmeras versões sobre o uso dessas construções. Para alguns, foram residências rurais de elite, construídas entre os séculos 8 e 9, destinadas a mulheres e o nome Kyz Kala significava Fortaleza das virgens ou Fortaleza das meninas. Mas há quem diga que sua construção ocorreu entre os séculos 11 e 12 e que Fachada de Dar al-akhyre - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAserviram como casas semi-fortificadas de um oficial ou governador.

Além das informações contraditórias, existe também uma lenda. Dizem que perto dali, havia uma mansão destinada aos homens e a eles era feito um desafio: aquele que conseguisse jogar uma maçã dentro do pátio de uma das Kyz Kala, teria direito a escolher qualquer uma de suas mulheres. Nunca se soube de alguém que tenha conseguido a façanha pois seria preciso que a maçã voasse mais de cem metros.

Há lenda também sobre o Mausoléu do Sultão Sanjar – uma importante edificação da era dos Seljúcidas – dinastia islâmica de origem turco-persa, que reinou sobre uma extensa área da Ásia durante a Idade Média.

Dar al-akhyre: o outo mundo

Conta-se que o sultão Sanjar apaixonou-se por uma mulher celestial, uma espécie de fada, que aceitou ser sua esposa com a condição de que ele atendesse a três pedidos: o primeiro era nunca abraçá-la pela cintura, o segundo era nunca olhar para seus pés enquanto ela corresse e o terceiro era nunca espiar quando ela estivesse Detalhe do Dar al-akhyre - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIApenteando o cabelo.

Embora tenha aceito as condições, Sanjar foi descumprindo uma a uma. Quando abraçou a cintura  da fada, sentiu que ela não tinha ossos. Ao olhar para seus pés enquanto corria, percebeu que ela flutuava sobre a terra e ao vê-la escovando os cabelos, descobriu que, para fazer isso, ela precisava remover a própria cabeça.

Ao perceber que o marido tinha quebrado as três promessas, a fada transformou-se em um pássaro branco e subiu bem alto no céu. Mas o sultão implorou por sua volta, alegando que não conseguiria viver longe dela. Então a fada respondeu: “se quiser me ver, construa o edifício mais bonito e mais alto da cidade e não esqueça de deixar um buraco na cúpula. Todas as sextas eu olharei para dentro e você me verá”.

Cúpula de Dar al-akhyre - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAE foi assim, segundo a lenda, que Sanjar mandou erguer o primeiro arranha-céu da história, com 38 metros de altura, o equivalente a um prédio atual de 10 andares, e o batizou como Dar al-akhyre, que significa O outro mundo. Na cúpula de 17 metros de diâmetro, deixou um buraco por onde podia olhar sua amada.

O Sultão Sanjar foi um homem muito poderoso e, segundo se conta, era uma espécie de protetor dos intelectuais e dos artistas. Teria criado um grande centro de aprendizado islâmico, por onde teriam passado vários estudiosos e escritores, entre os quais o poeta e matemático Omar Kayyan.

Depois da morte do sultão Sanjar, o prédio passou a ser usado como seu próprio mausoléu e recebeu uma inscrição em árabe onde se lê que ali está enterrado “…o patrono dos cientistas e dos poetas. Um homem que pode ser considerado como o Alexandre, o Grande, de sua época”.

Camelos na estrada - Foto Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMÓRIADar al-akhyre, e toda a cidade de Merv, foram atacados e parcialmente destruídos, no século 13, pelo exército do imperador mongol Gengis Khan, mas o mausoléu passou por uma restauração concluída em 2004 (as fotos são de 2001) e hoje atrai milhares de peregrinos.

A travessia do deserto

Visitar o que sobrou desse passado, recordando suas histórias e lendas, não é o único atrativo de Merv. O caminho de ida e de volta pelo deserto de Karakum pode reservar algumas surpresas agradáveis como, por exemplo, perceber que seu ônibus diminuiu a velocidade para não atropelar alguns camelos.1

Notas

Merv Antiga – Deserto de Karakum – Mary Vilayat – Turcomenistão

Texto

Fotos

  • Sylvia Leite

Referências

  • Site da Unesco
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Regina Célia de Oliveira
4 anos atrás

muito bom… somos poeira de estrelas …

Mauro Bastos
4 anos atrás

Silvia, muito bacana a garimpagem e o texto. Beijo

Elizete Cordeiro de Miranda
4 anos atrás

Maravilhoso o lugar e o texto que o descreveu

R Leandro
4 anos atrás

Adorei, um dos melhores lugares que já visitei.

BETANIA
4 anos atrás

Divino…texto maravilhoso

Malca
4 anos atrás

Muito interessante a reportagem

sonia pedrosa cury
4 anos atrás

Que história linda, Sylvinha! Adorei!

Unknown
4 anos atrás

Nunca tinha ouvido contar.

cleonicein
3 anos atrás

que loucura passear pela Merz antiga. Voce fez esta viagem? tenho insteressa nesses paises que eu chamo de "aõs" mas de tao remotos da preguiça mas achei muito legal mesmo este post! 🙂

Lilian Azevedo
Lilian Azevedo
3 anos atrás

Só tinha ouvido falar da Rota da Seda mas não conhecia essa cidade nem suas histórias, por sinal fascinantes. Tenho muita vontade de visitar o Irã. Você fez essa viagem em excursão ou por conta própria ? Muito legal !

Marcella
Marcella
1 ano atrás

Incrível a história de Merv Antiga! Um dos meus sonhos mais esquisitos é conhecer o Turcomenistão kkk até já tentei tirar o visto mas meu marido foi rejeitado. Um dia a gente tenta de novo 🙂