Atualizado em 16/10/2024 por Sylvia Leite
A Capela de São Benedito, também conhecida como Igrejinha dos Carneiros1, tornou-se um dos lugares mais buscados para casamentos e batizadas à beira-mar depois que os turistas descobriram a paradisíaca praia de mesmo nome, no município de Tamandaré, litoral Sul de Pernambuco.
Até a segunda metade do século 20, essa pequena construção do século 18 ou 19 – não se sabe ao certo – era apenas o lugar de oração de uma fazenda. Nela, a família Rocha – atual proprietária de vários terrenos e empreendimentos da praia dos Carneiros – realizava missas, novenas, procissões e outras cerimônias religiosas em louvor a São Benedito, com participação de parentes e amigos.
Na verdade, a virada começou com a própria igrejinha que foi reformada de 1999 a 2001, depois de um período de relativo abandono. Com a reforma, preservou-se não apenas o local de oração, mas também os restos mortais de três gerações da família Rocha, que encontram-se sepultados nas colunas e sob o piso da capela.
A ideia de abrir a igreja ao público surgiu da necessidade de levantar recursos para custear a reforma. Mas a beleza do lugar, no ponto onde o Rio Formoso deságua no Atlântico, fez com que, na esteira das cerimônias, chegassem os turistas. Por causa deles, vieram as pousadas e os restaurantes, que começaram de forma improvisada, por iniciativa da própria família, mas pouco a pouco foram crescendo e se consolidando.
A Igrejinha dos Carneiros é o que restou de um conjunto arquitetônico que incluía um cruzeiro e um cemitério em torno do que parecia ser uma praça. Havia, ainda, um atracadouro por onde se dava o acesso fluvial. Tudo isso ficava no interior da fazenda, a certa distância da praia e, ainda assim, acabou debaixo d’água por causa do avanço do mar.
Agora, sinal dos tempos, a capela está cercada por um restaurante a céu aberto batizado com o nome de Canoeiro Catí em homenagem a um antigo condutor de canoas que, na época de Rosalvo Rocha, fazia o transporte e os passeios da família.
A Igrejinha dos Carneiros e sua origem indefinida
Quem pesquisar nos meios de comunicação, especialmente na internet, vai encontrar a informação de que a Igrejinha dos Carneiros foi construída por Francisco de Caldas Lins – o Visconde de Rio Formoso -, no século 18. Ocorre que o visconde nasceu em 1828, o que nos leva à seguinte conclusão: ou a igrejinha é do século 19 – e não do 18, como tem sido divulgado -, ou não foi construída por ele.
O atual proprietário da capela, o músico, poeta e linguista Zaldo Rocha, esclarece que houve um erro na pesquisa histórica inicial e depois ficou difícil de corrigir porque a informação já havia se espalhado.
Zaldo acredita que tenha sido de fato o visconde quem mandou erguer a capela, baseado em um livro sobre a Praia dos Carneiros, escrito pelo desembargador Carlos Paes Barreto, do município de Rio Formoso. Caso a informação esteja correta, a igrejinha só pode ter sido construída no século 19.
Outra questão diz respeito à devoção da Igrejinha dos Carneiros a São Benedito – um santo negro, filho de escravizados etíopes. É certo que se trata de um santo filósofo e cozinheiro, famoso por não deixar faltar alimentos. Mas não se pode esquecer que na época do Brasil colônia, e mesmo nos períodos seguintes, esse santo tornou-se patrono de muitas igrejas construídas especialmente para os negros escravizados ou libertos, que eram obrigados a se converter à religião católica, mas não podiam frequentar as mesmas igrejas que os seus ‘senhores’.
Até onde se sabe, na fazenda de coco que deu origem à atual Praia dos Carneiros havia apenas essa capela, que hoje conhecemos como Igrejinha dos Carneiros. E não há sinais de que o Visconde de Rio Formoso, supostamente responsável por sua construção, tivesse qualquer simpatia pelos negros ou pelos escravizados a ponto da única capela de sua propriedade ser devotada a São Benedito. Ao contrário: na condição de deputado geral, teria sido autor de um dos nove votos contrários à Lei Áurea, que libertou os escravizados no Brasil.
Não há dúvidas, porém, de que Francisco de Caldas Lins – o visconde – tenha sido um dos primeiros, senão o primeiro proprietário da fazenda de coco que ocupava as terras hoje conhecidas como Praia dos Carneiros.
A origem do nome, ao contrário do que somos levados a imaginar, não faz menção uma criação de caprinos e sim ao o sobrenome da família que adquiriu a fazenda depois da morte do visconde. Tanto que, como lembra Zaldo, o lugar foi conhecido inicialmente como Praia dos Carneiro, assim mesmo no singular, numa referência aos integrantes da família.
O último proprietário da totalidade da Praia dos Carneiros, incluindo, claro, a Igrejinha dos Carneiros, foi o avô de Zaldo, Rosalvo Rocha. Ele adquiriu as terras em 1938, quando o lugar já tinha esse nome, embora não pertencesse mais aos Carneiro. Com a morte de Rosalvo, a fazenda foi partilhada entre filhos e netos, que hoje mantêm pousadas e restaurantes na região além de terem sido responsáveis por um loteamento que ocupa grande parte das terras.
A Praia dos Carneiros
A memória dos primeiros tempos não é conhecida dos atuais proprietários, mas o que ocorreu a partir do momento que Rosalvo Rocha adquiriu a Praia dos Carneiros está gravado nas lembranças tanto dos mais velhos, como dos que vieram depois.
No documentário Contando Carneiros, que resgata a história da praia, os filhos Zilda (dona de casa) e Zildo (escritor) lembram que para ir à Praia dos Carneiros quando crianças, tinham que enfrentar uma longa viagem. Saíam de Garanhuns, onde moravam, às 5h da manhã para conseguir chegar às 10 da noite. No trajeto, era preciso trocar de condução: carro, kombi, canoa. Segundo outro filho, Zeferino (psicanalista e escritor), a família usava duas canoas: uma para as pessoas e outra para a bagagem, que era enorme, porque na praia não tinha nada, nem luz elétrica.
Durante muito tempo, o coco era levado de canoa para ser vendido nas cidades e, segundo relatos de Ziza e Zeni Rocha, no mesmo documentário, foi com essa renda que seus pais conseguiram formar os nove filhos. O pai passava até dois meses sozinho trabalhando na fazenda, enquanto a mãe, dona Maria das Dores Ramos Rocha, ficava em Recife, para onde haviam mudado algum tempo depois da compra da fazenda, tocando a casa e a família. 2
O neto Zaldo conta que somente na década de 1950 é que o trajeto passou a ser feito totalmente de carro, mas grande parte do caminho era de terra, entre os coqueiros. Somente na década de 1960 é que surgiu uma estrada até Carneiros. Mesmo assim, a viagem de Recife até lá durava de quatro a cinco horas.
Da antiga fazenda de coco, resta muito pouco. Embora ainda existam coqueirais, a propriedade está dividida e apenas um dos herdeiros quis manter a cultura de coco. a economia local passou a ser dominada pelo turismo. O mar, que antes era privilégio dos proprietários e de alguns nativos da região, passou a ser usufruído por viajantes do mundo inteiro. E a singela Igrejinha dos Carneiros acabou se transformando em ícone desse paraíso tropical.45
Notas
- 1 A maioria das publicações turísticas adota o nome Igrejinha de Carneiros, mas segundo seu proprietário a capela é conhecida pelos nativos da região como Igrejinha dos Carneiros
- 2 Dos nove filhos de Rosalvo Rocha, apenas Zildo e Ziza permaneciam vivos na data de publicação desta matéria. Os depoimentos foram extraídos do filme Contando Carneiros
- 3 O único filho de Rosalvo Rocha que quis manter a cultura do coco acabou inovando com a criação de coqueiros híbridos
- 4 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares ou tradições especiais de Pernambuco: Tamandaré / Oficina Brennand / Carnaval de Olinda / Queijo do Reino
- 5 Leia, também, sobre praias especiais do Nordeste: Mucuripe / Mangue Seco / Praia do Francês
Igrejinha dos Carneiros ou Capela de São Benedito – Praia dos Carneiros – Tamandaré – Pernambuco – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1,3,4,5,6) Sylvia Leite
- (2) Zaldo Rocha
- (7) AlineBittencourt (cedida por Zaldo Rcha)
Referências
- Contando Carneiros - um filme de Lula Terra, Davi Oliveira e Danilo Oliveira
- Livro: Tamandaré, A história de um município, de Maria do Carmo Ferrão Santos
Meu deus! Que trabalho maravilhoso desse site! Deveria ganhar vários prêmios! Parabéns à equipe!
Obrigada, Luciana. Bom saber que gostou. Volte sempre. Toda semana tem matéria nova por aqui. Fora as mais de 200 que já foram publicadas.
A Praia dos Carneiros, onde fica a Igrejinha, é um verdadeiro paraíso!!
Com certeza está na “bucket list” de muitos…
Excelente artigo!
Obrigada, Solange! Temos também uma matéria sobre Tamandaré, o município onde está localizada à Praia dos Carneiros. Acho que vale dar uma olhadinha.
Que cenário paradisíaco!
Parabéns pela matéria, Sylvinha! Como sempre, um texto recheado de história e cultura.
Bjs
Valeu, Val, bom te ver por aqui novamente.
Realmente, uma igrejinha linda, um ícone daquele pedaço de paraíso!
É linda mesmo essa igrejinha dos Carneiros.