Frevo: o ritmo inebriante dos pernambucanos

Tempo de Leitura: 7 minutos

Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite

Frevo em Olinda - Foto de Prefeitura de Olinda - Prefeitura de Olinda - Flickr em Wikimedia - CC BY 2 BLOG LUGARES DE MEMORIAA pequena sombrinha colorida é hoje seu símbolo maior, mas ao examinarmos a história vemos que o Frevo é muito anterior a essa iconografia. Nasceu como ritmo musical resultante da rivalidade entre bandas militares e ex-escravizados negros nos carnavais de Recife e Olinda. No início não tinha nem letra. Muito menos dança e menos ainda indumentária.

O tipo mais comum de Frevo, o de rua, continua sem letra. Esse é o Frevo original, acelerado e tocado com instrumentos de sopro e percussão. Foi ao seu som que os foliões conceberam sua dança, executada até hoje pelos passistas  nas ruas do Recife e nas ladeiras de Olinda. Mas depois veio o Frevo de Bloco, que é tocado por orquestras de pau e corda – composta por violões, bandolins, flautas e cavaquinhos – e com letras poéticas e nostalgicas. Por último surgiu o Frevo Canção, que é tão acelerado como o Frevo de Rua, e tocado pelo mesmo Orquestra de Frevo - Prefeitura de Olinda - Flickr em Wikimedia - CC BY 2 - BLOG LUGARES DE MEMORIAtipo de orquestra, mas tem letras voltadas para temas da atualidade.

A música do Frevo formou-se a partir das Marchas, Polcas, Maxixes e Dobrados e seus passos, estimados atualmente em mais de 120, surgiram a partir dos movimentos da Capoeira, do Ballet e de uma dança folclórica ucraniana conhecida como Cossacos.

Já a sombrinha colorida, que hoje além de funcionar como adereço, tem importante papel no equilíbrio dos passistas, deriva de guarda-chuvas que, segundo alguns historiadores, os pernambucanos usavam, no início do século 20, para se proteger do sol. Há também quem afirme que a sombrinha do frevo é influência das ublelas dos Maracatus, usadas para abrigar os reis nos cortejos. A versão mais aceita, no entanto, é a de que osPassista de frevo com outros passistas ao fundo - Foto de Prefeitura de Olinda em Flickr e Wikimedia - CC BY 2 - BLOG LUGARES DE MEMORIA guarda-chuvas, peças comuns nos figurinos da época, foram adotados como armas pelos capoeiristas em substituição a porretes usados na luta que, assim como a própria capoeira, estavam proibidos.

Seja qual for a verdade, se é que há uma só, o fato é que a dança do Frevo tem uma reconhecida influência da capoeira, da qual herdou os movimentos acrobáticos. Mas como foi que os guarda-chuvas, provavelmente pretos, do início do século 20, viraram pequenas sombrinhas coloridas?

Conta-se que o dançarino e coreógrafo Francisco do Nascimento Filho, mais conhecido como Nascimento do Passo, começou a dar aulas de dança para crianças na década de 60 e, a fim de facilitar a manipulação dos guarda-chuvas pelos meninos, decidiu cortar seus cabos. Anos mais tarde, o governo decorou as sombrinhas com as cores da bandeira pernambucana em uma campanha para atrair turistas ao Estado.

Tão negro quanto o samba?

A palavra frevo vem de frever – uma corruptela do verbo ferver – em referência à animação dos foliões de rua que se divertiam ao som de marchas no carnaval pernambucano. E segundo alguns historiadores, quem ‘fervia’ durante o carnaval  entre o fim do século 19 e o começo do século 20 eram as classes trabalhadoras, compostas, Capoeiristas em Olinda - Pernambuco - Foto de Prefeitura de Olinda em Flickr e Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAprincipalmente, por negros libertos. Segundo a coordenadora de Conteúdo do Paço do Frevo, Vanessa Marinho, em artigo publicado no site Paço, esses grupos haviam sido “varridos” para as periferias e aproveitavam o carnaval para ocupar as áreas centrais da cidade com mais liberdade.

No mesmo texto, Vanessa demonstra a influência negra no Frevo ao lembrar que os capoeiristas, numa estratégia de resistência,”transformaram a luta em dança com o intuito de poder executar seus movimentos sem serem reprimidos pelas forças policiais daquele contexto”. E foi essa dança dos capoeiristas a que, reconhecidamente, mais influenciou a dança do Frevo.

Vanessa destaca, ainda, a predominância de negros entre músicos, passistas, maestros , compositores e agremiações. Em sua opinião, o exemplo mais emblemático desta relação entre o Frevo e a negritude talvez  esteja no “Hino n. 1 de Vassourinhas”, o mais famoso dos frevos, que foi composto pelo músico Matias da Rocha em parceria com uma mulher negra: a doméstica Joana Batista Ramos.

O Frevo de toda a humanidade

Musicos baianos tocam frevo na Fobica - Foto de autor desconhecido postada peo site The Point Carioca- BLOG LUGARES DE MEMORIAMas apesar de ser negro e pernambucano, o Frevo não se restringiu a seus criadores. Com o tempo, foi se espalhando pelo Brasil e influenciou pelo menos outros dois importantes carnavais: o do Rio de Janeiro e o da Bahia. O Rio, já em 1934, passou a ter um um clube misto de Samba e Frevo, articulado por integrantes da colônia pernambucana na então capital do país. Era chamado de Clube Misto Vassourinhas e provocou a criação de clubes similares nos anos seguintes. Além disso, compositores carnavalescos passaram a se inspirar nos acordes do frevo para compor suas marchas e até criaram novas versões para composições consagradas.

Na Bahia, a chegada do Frevo parece ter ocorrido em 1951, quando o clube carnavalesco pernambucano Vassourinhas participou do carnaval de Salvador. A partir daí, os baianos Dodô e Osmar passaram a tocar Frevo Capa do LP Vassoirinha Elétrica - Capa de disco - BLOG LUGARES DE MEMORIAem sua famosa Fobica, usando o também famoso Pau Elétrico – instrumento inventado por eles e hoje conhecido como Guitarra Baiana.

A partir daí até os anos de 1980, o Frevo Baiano foi talvez o gênero mais tocado por músicos como Moraes Moreira, Caetano Veloso, ArmandinhoPepeu Gomes e Novos Baianos nos Trios Elétricos do Carnaval da Bahia. Moraes Moreira, inclusive, compôs o frevo “Vassourinha Elétrica” – em homenagem ao clássico “Vassourinhas” – que virou título de um LP.

Depois de fazer todo esse percurso, o ritmo pernambucano ganhou outros cantos do Brasil e também o mundo. Em 2007, foi incluído na lista do Patrimônio Imaterial do Brasil pelo IPHAN e, em 2012, recebeu da Unesco o título de Patrimônio Mundial Imaterial da Humanidade. A difusão internacional do Frevo certamente ocorreu por sua própria força como manifestação popular, mas não se pode negar a ajuda de um dos mais conhecidos blocos do carnavalBloco Galo da Madrugada desfilande no Recife - Foto do site do Galo da Madrigada - BLOG LUGARES DE MEMORIA do Recife.

O Galo da Madrugada

O Galo da Madrugada foi criado com o fim de resgatar o carnaval de rua do Recife. Sua estréia, em 4 de fevereiro de 1978, levou às ruas do bairro São José uma orquestra de Frevo composta por 28 músicos. Embora haja no carnaval pernambucano inúmeros outros blocos, muitos deles animados pela marcha pernambucana, é do Galo da Madrugada que todos se lembram ao narrar a história do ritmo pernambucano.

E talvez tenha sido o Galo um dos responsáveis pela difusão da imagem do Frevo no mundo. É que apenas 16 anos depois de criado, o Galo da Madrugada foi reconhecido pelo Guiness Book como o maior bloco de carnaval do planeta”, por ter reunido, naquele ano 1,5 milhão de foliões. E isso foi só o começo!

Fachada do Paço do Frevo - Foto de Lais Castro em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAAo longo de quase cinco décadas, o Galo da Madrugada inspirou a criação de outros “galos” nos mais diversos estados brasileiros e até em outros países como é o caso do galo na Neve, em Quebec, no Canadá.

Paço do Frevo

A história do Frevo está documentada em um museu instalado em uma construção de estilo neoclássico, no Bairro do Recife que integra o Centro Histórico da cidade. O prédio de quatro pisos foi erguido em 1908 e abrigou até 1973 a Western Telegraph Company, empresa que implantou o telégrafo no Brasil> Em 1998, foi tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).

Logo no primeiro andar, o museu apresenta os acontecimentos históricos do frevo em uma espécie de folderes e convida os visitantes a participarem da narrativa escrevendo o que sabem e o que sentem nas paredes da sala. O museu quer saber o que cada um tem a dizer sobre o tema. Qual a sua relação com o ritmo e com a dança. O que sabe de sua história.Sala interativa no Paço do Frevo - Imagem site Paço do Frevo - BLOG LUGARES DE MEMORIA

No último andar, o visitante pode ficar atordoado, sem saber para onde olha. As vidraças das janelas estão repletas de trechos de letras misturadas a frases e poemas sobre o frevo. E embaixo do piso, também de vidro, estão expostos os estandartes dos blocos históricos.

O piso intermediario é reservado às exposições temporárias. Além do acervo formal e da construção ininterrupta da história do frevo com a participação dos visitantes, o museu  mantém uma escola de dança, outra de música, e outros projetos culturais que envolvem pesquisa e difusão. Resumindo, o Paço do Frevo é uma experiência lúdica e interativa que faz o visitante aprender sobre essa tradição pernambucana e se sentir dentro do carnaval. 123

Notas

Frevo – Recife e Olinda – Pernambuco – Brasil – América do Sul

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16 Comentários
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sidneyjs
sidneyjs
1 ano atrás

Excelente e em ótimo momento.

Ude Guimarães
Ude Guimarães
1 ano atrás

Super legal sua matéria!!! Muito completa é interessante!! Valeu!!!

Sonia Pedrosa
1 ano atrás

Que legal, saber como o Frevo teve início. Quero muito conhecer esse museu e ver de perto toda essa riqueza!

Leo Vidal
Leo Vidal
1 ano atrás

deve ser uma experiência incrível apreciar um festival de frevo em Olinda. Não conheço Pernambuco e quero vivenciar essa experiência quando for para lá.

Hebe
Hebe
1 ano atrás

parabéns pelo texto Sylvia, adorei saber sobre o frevo, esse ritmo que é a cara de Pernambuco né?

Cintia Grininger
Cintia Grininger
1 ano atrás

Como é interessante saber mais sobre a nossa cultura e a nossa História! Lendo seu texto me lembrei de algumas coisas que já sabia sobre o frevo, mas não tinha ideia de todos os detalhes de sua origem. Sempre uma delícia ler seus textos, Sonia!

ALEXANDRA MORCOS
ALEXANDRA MORCOS
1 ano atrás

Meu primeiro contato com o frevo, o ritmo de carnaval dos pernambucanos, foi na minha primeira infância, e achei aquilo tudo muito frenético e muito assustador. Acho que eu ainda não estava preparada para entender toda aquela carga cultural. Hoje, eu acho a coisa mais encantadora do mundo!

Cynara Vianna
1 ano atrás

Coisa linda ver um texto sobre essa maravilha da minha terrinha. O frevo é um orgulho pernambucano, como tantos outros (sendo bem bairrista como todo pernambucano da gema). Mas brincadeiras à parte, o frevo é único, não tem nenhum outro ritmo parecido, é genuíno.