Atualizado em 16/10/2024 por Sylvia Leite
A Guinness não é a maior cervejaria do mundo, não foi a primeira da Irlanda e sua cerveja não está entre as três mais vendidas atualmente. Mesmo assim, quem vai a Dublin costuma colocá-la nas lista do que pretende experimentar, nem que seja um golinho, ou voltar a consumir, no caso dos cevrejeiros. Mais que isso: a Guinness Storehouse – espécie de museu que conta a história da cervejaria – encabeça os roteiros de turismo na capital irlandesa. É a atração mais procurada do país com cerca de quatro milhões de visitas a cada ano.
Sedução é o que não falta, a começar pelo prédio do museu, que tem a forma de um pint – tradicional copo de cerveja, semelhante à ‘tulipa’ – que por aquelas bandas tem uma capacidade que gira em torno de meio litro. Para os que gostam de compras, há um loja imensa com produtos de toda espécie: de sacolas a camisetas, de bonés a jaquetas, de chaveiros a canetas. Isso sem falar nos copos e louças – tudo gravado com a marca da cerveja. A visita inclui, ainda, uma viagem pelos maquinários históricos, o contato com as matérias primas e uma experiência didática, em que se aprende a maneira correta – em duas etapas – de ‘tirar’ uma Guinness. E pra completar, o ingresso, que não é barato, dá direito à degustação de uma pint no panorâmico Gravity Bar, que fica no último andar do prédio e, com sua aparência clara e envidraçada, representa a parte superior do pint onde fica a espuma.
Guinness: uma história curiosa
Mas o que faz da Guinness uma fábrica lendária é sua história de mais de dois séculos e meio, repleta de curiosidades, que vão se apresentando durante a visita ao museu, com a ajuda de recursos visuais. Uma das preciosidades é o contrato de aluguel assinado pelo fundador da empresa, Arthur Guinness, para dar início à sua produção, em 1758. O contrato, que incluía o galpão de uma velha fábrica de cerveja e vários terrenos à sua volta, foi fechado pelo valor £45 libras anuais, com validade de nada menos que 9 mil anos.
Apenas uma década depois da criação da fábrica, a Guinness fez sua primeira exportação para a Inglaterra e com mais 25 anos passou a ser consumida regularmente pelos ingleses. Pouco depois de completar meio século de existência, a cervejaria já era famosa em toda a Europa. Em seguida conquistou a África e no início do século 20 chegou a ser a cerveja mais consumida do mundo.
Com o tempo, a Guinness perdeu espaço internacional, principalmente para as cervejarias estadunidenses, mas continua a ser uma das maiores do mundo, com produção em cerca de 60 países e consumo em mais de 150. Além disso, fez história como uma marca lendária, cercada de curiosidades e de ações inovadoras.
Responsabilidade social e criatividade
Segundo a maioria dos relatos, um dos motivos de tanta fama foi a preocupação constante dos Guinness com a qualidade de sua cerveja, mas outros fatores podem ter sido igualmente determinantes: a criatividade nos negócios e as ações de responsabilidade social, num momento em que essa expressão ainda nem era conhecida.
No início do século 20, a política de bem estar dos seus 5 mil funcionários – que incluía de refeições e assistência médica a bolsas de estudos – custava à cervejaria cerca de £ 40.000 por ano, o equivalente à um quinto da massa salarial total. A Guinness criou conjuntos habitacionais para os mais pobres e ajudou as famílias dos funcionários que participaram das duas guerras mundiais. Primeiro garantindo o sustento de mulheres e filhos com pagamento de metade do salário e depois mantendo o emprego dos que voltaram. Além disso, assumiu a manutenção da Igreja de St. Patrick, o santo protetor da Irlanda.
Já a criatividade ficou evidente tanto no uso de métodos inovadores para a melhoria de seus produtos, como na originalidade de suas campanhas publicitárias. Um dos anúncios que mais que fazem mais sucesso entre os visitantes da Guinness Storehouse é o cartaz que exibe um peixe andando de bicicleta com a seguinte frase: “Mulher precisa tanto de homem quanto peixe precisa de bicicleta”.
O uso de animais na publicidade virou uma marca registrada da Guiness a partir de uma longa campanha veiculada nas décadas de 1930 e 1940, com ilustrações do designer inglês Ronald Ferns. São focas, caranguejos, lagostas e, principalmente, os tucanos, que acabaram se tornando uma espécie de símbolo da cervejaria naquele período.
A Guinness e a harpa gaélica
Símbolismo, aliás, é o que não falta à Guinness. Em 1862, o fundador da cervejaria escolheu como marca da empresa a harpa gaélica – também conhecida como Harpa de Brien Boru ou Harpa de O’Neill. Trata-se de um instrumento musical que que faz parte da história medieval da Irlanda e que hoje é seu símbolo oficial, presente no Brasão de Armas da República Irlandesa, na moeda, nos documentos oficiais e até nos passaportes.
Brien Boru foi um rei local que lutou contra invasões estrangeiras e é tido na Irlanda como um unificador do país. Segundo a lenda, Brien enfrentava os inimigos com uma harpa na mão e foi por influência dessa narrativa que os irlandeses adotaram o instrumento como símbolo nacional.
No Trinity College, uma das instituições de ensino mais famosas da Irlanda e da própria Europa, há um exemplar medieval de uma harpa gaélica que alguns dizem ser a Harpa de Brien. Ocorre que o instrumento carrega brasão da família O’Neill. Na verdade, não de sabe ao certo a quem pertenceu a harpa. Acredita-se, contudo, que ela deve ter sido feita na Escócia, entre os séculos 14 e 15.
Embora tendo formas muito semelhantes, as harpas da Guinness e do Estado Irlandês apresentam uma diferença: foram desenhadas a partir de perspectivas opostas. Enquanto a da cervejaria é voltada para a direita, a harpa oficial da Irlanda é voltada para a esquerda.
Há mais de uma versão para justificar a diferença. Alguns dizem que foi a Guinness quem trocou a posição da harpa para não coincidir com a do Brasão de Armas da Irlanda. Mas outros lembram que a Guiness já havia registrado sua marca antes da criação do atual Estado Irlandês, que se viu obrigado a alterar a posição da harpa para não ficar igual à da cervejaria.1
Seja como for, o fato é que ambas estão unidas pela mesma inspiração: um instrumento gaélico bastante representativo da cultura Celta, que, muito além dos registros oficiais, tornou-se um símbolo natural da Irlanda.
Guinness – a cerveja nacional dos irlandeses
Seja pela harpa de sua logomarca, seja pelo entrosamento com a comunidade local, ou, ainda, pela maneira singular com que desenvolveu e comercializou seus produtos, o fato é que a Guinness acabou se tornando também um símbolo da Irlanda. Mais que isso: há quem afirme que a Guinness é um ícone do estilo Stout ou, pelo menos do Dry Stout. Essa questão técnica dos tipos ou estilos de cerveja é coisa para iniciados, mas um rápido histórico pode nos ajudar a entender um pouco como a Guinness se posiciona no universo das cervejas.
Inicialmente, a empresa produziu cervejas dos tipos Ale e Porter, ambas da escola inglesa. A Porter era uma cerveja direcionada aos trabalhadores portuários, que faziam trabalho pesado e necessitavam de uma bebida forte ao final do dia. Com o tempo, a Guinness abandonou a Ale para se dedicar à Porter e foi dela que surgiu a Stout, ambas obtidas a partir de cevada torrada. Embora não tenha sido a Guinness quem inventou a Stout, as histórias de ambas estão interligadas e também suas imagens.
O dia de São Patrício
A imagem da Guinness está associada, também, ao St. Patrick’s Day (ou Dia de São Patrício), uma festa religiosa e cultural que reverencia a memória do santo protetor da Irlanda. Nesse caso, o simbolismo já pula dos Celtas para o Cristianismo. Curiosamente, St. Patrick não nasceu na Irlanda e sim na Grã Bretanha, provavelmente onde hoje se localiza a Inglaterra. Além disso, a cerimônia que se repete a cada 17 de março – suposto dia de sua morte -, foi iniciada por imigrantes irlandeses nos Estados Unidos e hoje é comemorada por toda parte. Mesmo assim, a festa se St. Patrick é considerada por todos uma festa irlandesa.
Além dos rituais religiosos, o St. Patrick Day inclui um desfile de rua e muita alegria, tanto que alguns chegam a compará-lo ao carnaval. É nesse aspecto profano que a cerveja se insere, seja na Irlanda ou nos outros países onde a festa é realizada. Nesse dia, o consumo da Guinness dobra no mundo inteiro. E segundo os irlandeses, isso faz parte das homenagens ao santo, pois segundo a tradição oral, St. Patrick também era cervejeiro.
Guinness – o livro dos recordes
Nem todo mundo sabe, mas o Guinness Book ou Livro dos Records também é obra da Guinness. A ideia partiu de Hugh Beaver, diretor administrativo da cervejaria, ao envolver-se em um debate sobre qual a ave de caça mais veloz da Europa. Se a tarambola ou o tetraz. A dúvida fez o executivo perceber que um livro com esse tipo de resposta poderia fazer sucesso.
O debate ocorreu em novembro de 1951. Menos de quatro anos depois, em agosto de 1955, o Guinness Book of Records era lançado em Londres e no Natal daquele mesmo ano já estava encabeçando a lista dos mais vendidos no Reno Unido. Até hoje, o Guinness World Records é um dos livros mais vendidos da história.2
Notas
Guinness – Dublin – Irlanda – Europa
Fotos
- (1,4,5) Site Oficial da cervejaria
- (2) engin_akyurt-3656355 em Pixabay
- (3) pertti123-3681580 em Pixabay
- (6)Jamt9000 em English Wikipedia
- (7) JackGavin em Wikimedia - CC BY-SA 4.0
- (8) Imagem 1- Wikimedia / Imagem 2 -Site da cervejaria
- (9) squirrel_photos-7862139 em Pixabay
- (10) Still de filme da Guinness - Youtube da cervejaria
- (11) Reprodução da capa do livro
Notas
- 1 Site oficial da cervejaria
- 2 Site oficial da Storehouse
- 3 Site oficial do Livro dos Recordes
Participação Especial
- Laura Magalhães Alves
- Mark Howard
Relato muito detalhado e fiel! Recomendo a leitura e a visita virtual ou não!
Valeu, Marcinha! Bom saber que gostou.
Muito legal, Sylvinha. A Guinness tem uma bela história e todo mundo precisa conhecer!
Sim, eu pensei duas vezes se deveria abrir uma postagem inteira para falar sobre uma marca, mas a Guinness tem um aspecto cultural e histórico que vai muito além do âmbito do comercio.
Sim, eu pensei duas vezes se deveria abrir uma postagem inteira para falar sobre uma marca, mas a Guinness tem um aspecto cultural e histórico que vai muito além do âmbito do comercio.
Bela pesquisa, Sylvia! Sempre fui fã dessa escurinha, mas não sabia muito desses detalhes. Confesso que me surpreendi, aliás, com essas ações de políticas de bem estar e com a construção de conjunto habitacionais em pleno inicio do século XX! Muito bacana! Vou bebê-la agora com mais gosto ainda kkkkkk
Que bom que gostou, Daniel. Volte sempre. Toda semana tem matéria nova por aqui.
Que demais saber um pouco sobre a história da cerveja Guinness. Aqui em casa eu e o marido adoramos. Depois de ler seu post, já irei degustar a Guinness com outro olhar (rs)
Informação muda tudo né? rsrs
Eu não conhecia a história da Guinness. Só conhecia o Livro de Recordes. Muito interessante!
É interessante mesmo. Que bom que vc gostou!
Não sou fã de cerveja, mas não perderia esse passeio por nada. Adoro conhecer fábricas tradicionais e com certeza conheceria a cervejaria Guinnes. Adorei o texto. Parabéns.
Obrigada, Deyse. Volte sempre. Toda semana tem matéria nova por aqui.
Não conhecia a história da Guiness, muito interessante! Quando for para Dublin vou querer fazer a visita e com certeza vou tomar muitas, porque eu amooo!
Se prepare porque a visita à Guiness inclui degustação e depois que sair de lá tem um pub em cada esquina.
Com certeza ao ir a Irlanda tem que ter esse passeio no roteiro, adorei o seu relato, informações e dicas sobre a Guinness
Que bom que gostou. Realmente quem vai a Dublin não pode deixar de visitar s Guiness.