Carnaval: uma festa com vários sotaques

Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite

O carnaval carioca ostenta até hoje o título de maior do mundo concedido pelo Guiness Book – o famoso livro dos recordes. Os carnavais de Salvador e Olinda também arrastam multidões. Apesar disso, o Brasil está longe de ser o único país que comemora o carnaval. A festa é realizada, hoje, na maioria dos países católicos e algumas dessas comemorações, como as de Portugal, da Itália e da Espanha, não apenas antecedem as nossas, como tiveram grande influência no que passamos a fazer por aqui.

Do carnaval de Portugal herdamos a festa em si. Foram os colonizadores que trouxeram para o Brasil o costume de se despedir com alegria e irreverência da vida normal para em seguida entrar na Quaresma – os 40 dias de restrições de todo tipo que antecedem a Semana Santa, e servem como preparação espiritual para esse período litúrgico.

A festa trazida pelos portugueses incluía folia, banquetes, danças e música, mas era marcada principalmente por uma brincadeira conhecida como Entrudo, que consistia em pregar peças nas pessoas e lançar, uns nos outros, água, lama e, em casos mais radicais, até urina.

Até hoje o carnaval de Portugal é chamado por alguns de Entrudo, mas as comemorações atuais também deixaram de lado as ‘guerras’ de líquidos e passaram a adotar uma forma mais parecidas com as do Brasil, incluindo música, dança e bebida alcoólica.

Já o carnaval da Itália, contribuiu com as máscaras, com o costume de usar fantasias e com as clássicas figuras do Arlequim, Pierrot e Colombina que hoje não ocupam posições de destaque em nosso carnaval, mas já tiveram presença marcante nos bailes e desfiles carnavalescos de várias cidades brasileiras. Esses personagens e suas relações de amor compunham o fio condutor de uma corrente teatral Italiana, denominada Commedia Dell’Art, que era marcada pelo improviso, pela comédia e pela sátira aos poderosos.

Assim como no Brasil, o carnaval da Itália tem várias caras, a depender do local onde se realiza, mas todos conservam a tradição das máscaras e das fantasias. No de Veneza, o mais conhecido fora do país, o figurino dos desfiles imitam as roupas usadas pelos nobres entre os séculos 17 e 18.

Quanto à Espanha, sua maior contribuição para a festa brasileira pode ter sido o personagem Rei Momo, que é inspirado na mitologia grega e adotado em várias partes do mundo, mas teve seu primeiro registro histórico em celebrações espanholas. Por ser considerado o rei da folia, o Rei Momo recebe a chave da cidade das mãos do prefeito e assume o poder simbólico durante os dias de carnaval. É assim no Rio de Janeiro e em vários outros lugares do Brasil. Seu nome alude à rainha grega Momo, que foi expulsa do Olimpo por ter um espírito satírico e zombeteiro.

O carnaval espanhol é uma comemoração de rua, marcada por desfiles e fantasias. Entre as festas espanholas mais conhecidas está a de Cádiz, na Andaluzia, formada por blocos animados por canções carregadas de ironia. Outra festa espanhola que ganhou fama internacional é a de Águilas, na região de Múrcia, que além de desfiles e concursos, tem particularidades como a guerra de ovos recheados de papel (no estilho entrudo) e uma bebida chamada “cuerva” que é considerada uma porção mágica. Destaca-se, ainda, o carnaval de Santa Cruz de Tenerife, nas Ilhas Canárias, que tem sido descrito como um dos mais importantes de mundo e o mais parecido com os carnavais brasileiros.

Os precursores do Carnaval

O Carnaval como comemoração que antecede à Quaresma, surgiu na Idade Média, no século 8, quando essa liturgia foi estabelecida. Seu nome atual seria uma alusão à expressão latina carnis levale, que significa ausência de carne, numa alusão às proibições que começam logo depois da festa. Mas suas características parecem não ter surgido ali. As brincadeiras, as irreverências e a embriaguez teriam sido herdados de cerimônias mais antigas, todas elas ligadas a alguma tradição religiosa.

Embora as referências sejam diversas e muitas vezes contraditórias, há unanimidade em torno de pelo menos duas influências, ambas originárias de festivais da Roma Antiga que mesclavam rituais religiosos com celebrações populares e profanas: as Saturnálias e as Bacanais.

As Saturnálias eram realizados em homenagem ao Deus Saturno. A festa durava pelo menos uma semana e acontecia na segunda quinzena de dezembro. O aspecto da Saturnária que ficou como herança para o carnaval foi o clima de folia e irreverência que derrubava e até invertia as normas sociais.

Já as Bacanais eram dedicados ao Deus Baco. A festa durava três dias e marcava a colheita de vinho. As cerimônias eram originalmente realizadas apenas por mulheres – sacerdotisas conhecidas como Bacantes. Além de atos religiosos secretos, essas mulheres dançavam pelas ruas gritando a palavra Evoé – uma expressão de alegria e entusiasmo usada para saudar o deus do vinho. Assim como as Saturnálias, as Bacanais também invertiam as regras sociais e iam além, escandalizando os moralistas da época com cenas de nudez, sexo livre e embriaguez

Carnavais pelo mundo

Pode-se dizer que quase todos os países predominantemente católicos comemoram o carnaval. Além da Itália e Portugal e Espanha, o carnaval é bastante comemorado na França, especialmente em Nice onde os foliões realizam uma “Batalha de Flores”  A única exceção talvez seja a das Filipinas, que extinguiu a festa em 1939, quando foi realizado o último carnaval de Manila. Atualmente, o país realiza uma festa de rua em homenagem ao menino Jesus que se assemelha a um carnaval, mas acontece em outra época e não é assumido como tal.

Nos países nórdicos – Dinamarca, Noruega, Suécia, Islândia, entre outros – todos de tradição luterana, o carnaval é conhecido pelo nome de Fastelavn, palavra que significa a noite que antecede a Quaresma. Apesar da coincidência de data e do paralelismo de significados, sua forma é totalmente diferente do carnaval que conhecemos. A festa nórdica é quase sempre realizada no domingo de carnaval e as crianças são seus principais foliões. A tônica das comemorações é derrubar um barril cheio de doces, pintado com a foto de um gato preto – algo semelhante à brincadeira de ‘quebra-pote’ realizada no Nordeste brasileiro. Quem derruba o barril é coroado rei ou rainha do gato. Historicamente, colocava-se um gato vivo dentro do barril, mas por pressões das sociedades protetoras de animais, o costume foi alterado. As criaianças também costumam açoitar os pais com uma vara toda enfeitada e conhecida como fastelavnsris.

Nas Américas, merece destaque o carnaval mexicano, especialmente o do município de Veracruz que já ficou conhecido como o mais alegre do mundo. A festa inclui manifestações teatrais como a queima do Mau Humor, representado, a cada ano, por um personagem ou por um fato político, como, por exemplo, a construção de um muro entre Estados Unidos e México. Mas há festa grande também em Tlaxcala, onde o maior atrativo carnavalesco são danças típicas de mais de 50 cidades.

O Carnaval da Colômbia, poucos sabem, recebeu da Unesco, em 2003, o título de Patrimônio Imaterial da Humanidade e é considerado o segundo maior carnaval do mundo, perdendo apenas para o do Rio de Janeiro. Surgido inicialmente em Cartagena, hoje é realizado em Barranquilla e reúne elementos do carnaval espanhol – levado ao país pelos colonizadores- , de liturgias indígenas e de festas pela libertação dos africanos escravizados.

Os bolivianos têm sua principal comemoração no Carnaval de Oruro, também tombado pela Unesco como Patrimônio Imaterial da Humanidade e tem como dança símbolo a Diablada. Chamada assim por causa das roupas e máscaras de diabo usadas pelos participantes, a dança representa a luta do bem contra o mal e traz elementos tanto da religião católica como doa rituais andinos. Embora seja a dança principal do Carnaval de Oruru, a Diablada aparece também em festivais do peru e do Chile.

Nos Estados Unidos, país predominantemente protestante, destaca-se um festival denominado Mardi Gras – levado para New Orleans e outras cidades americanas por colonizadores franceses. Apesar de de ter outro nome, a festa coincide com o carnaval tanto na forma como na data, pois acontece na terça-feira que antecede a quaresma e é considerada como dia oficial do carnaval. O nome Mardi Gras, aliás, é uma expressão que pode ser traduzida como terça-feira gorda. O Mardi Grass é realizado também em outros países como França, Bélgica e Senegal.

E, surpreendentemente, há carnaval também no gelado inverno do Canadá. A festa dura dez dias, com desfiles e alegria, mas as semelhanças com os carnavais brasileiros param aí. A programação inclui competições e até workshops de esculturas em gelo. E uma das curiosidades é o seu mascote, denominado Bonhomme – palavra que significa bom homem.

As cores do carnaval brasileiro

Embora cada lugar do Brasil tenha seu jeito próprio de comemorar o carnaval, com predominância do samba no Rio de Janeiro, do Frevo em Pernambuco e dos ritmos afro-brasileiros na Bahia –  apenas para citar as festas mais conhecidas -, é possível encontrar coincidências estruturais nas diversas formas de folia. O que garante essa unidade são as influências portuguesas – com toda a ancestralidade greco-romana – , indígenas e africanas exercidas sobre a festa em todas as regiões do país. Mas isso é assunto para outra matéria sobre os elementos dos diversos carnavais do Brasil.1

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