Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
Assim como outros carnavais brasileiros, o Carnaval de Olinda começou com os clubes carnavalescos que promoviam desfiles e corsos, mas, também como os outros, modificou-se ao longo do tempo e foi ganhando novos elementos, até -se tornar-se uma festa multicultural. Atualmente, três características o diferenciam dos demais: o acesso aos blocos é livre e gratuito, a folia é embalada por antigas marchinhas carnavalescas ou por ritmos regionais como o Frevo e o Maracatu, e os desfiles são marcados por bonecos gigantes que ficaram famosos no mundo todo.
A festa começa oficialmente com a saída do bloco O Homem da Meia-Noite apontado como introdutor dos bonecos no Carnaval de Olinda e só acaba na quarta-feira de cinzas com a saída do Bacalhau do Batata. Entre um e outro, as ladeiras do Centro Histórico de Olinda recebem centenas de blocos e mais de um milhão de foliões (Toda essa xanimação foi suspensa a partir de 2021 por causa da pandemia do Covid 19 e nestes dois anos ficou apenas nas lembranças registradas nas redes sociais).
Frevo, Maracatu e mescla cultural
A mistura de ritmos dá o tom do Carnaval de Olinda. O próprio frevo, que é considerado dominante, nasceu da fusão de ritmos mais antigos como marcha, polca, maxixe e dobrado. Já sua dança, incorpora elementos do ballet, da capoeira e há quem diga que sobe o desce e as trocas de pernas em posição agachada são extraídos da Dança dos Cossacos, apresentada aos pernambucaos, em 1804, pela tripulação de um navio russo que atracou no Porto do Recife. Lenda ou verdade, o fato é que um dos passos do frevo tem o nome de Passo Russo e foi provavelmente inspirados nessa narrativa que Luiz Gonzaga e João Silva compuseram a música Pagode Russo que começa assim:
“Ontem eu sonhei que estava em Moscou/ Dançando pagode russo na boate Cossacou/Parecia até um frevo naquele cai e não cai/ Parecia até um frevo naquele vai e não vai”.
Mas seja qual for a verdade sobre sua origem, o frevo criou identidade própria e já foi declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela UNESCO, sob a designação “Frevo: Arte do Espetáculo do Carnaval do Recife.
O Maracatu também alia autenticidade a mescla cultural, reunindo elementos musicais dos portugueses, dos indígenas brasileiros e, principalmente, da cultura africana. Embora estejam hoje fortemente inseridos nos carnavais de Olinda e Recife, os grupos de Maracatu eram ligados originalmente às irmandades negras do Rosário. A separação ocorreu a partir da década de 1990, quando a dança foi resgatada de um ostracismo de cerca de um século e inspirou movimentos como o Mangue Beat – liderado por Chico Science e por grupos domo Nação Zumbi e Nação Pernambuco.
Os bonecos do Carnaval de Olinda
Conhecidos como bonecos gigantes, essas figuras ícones do Carnaval de Olinda só foram incorporadas aos desfiles na década de 1930. O primeiro boneco teria sido O Homem da Meia-Noite, do bloco de mesmo nome, que desde 1931 marca oficialmente a abertura da festa.
Mas estamos falando do primeiro boneco do carnaval de Olinda porque em Belém do São Francisco, no sertão de Pernambuco, já havia bonecos desde 1919, e o primeiro recebeu o nome de Zé Pereira.
A origem de tudo, na verdade, são as procissões católicas medievais da Europa, em que os bonecos representavam santos e eram usados pelos religiosos para atrair fiéis às missas. Ao ouvir esse relato do padre belga Norberto Phalempin, que se estabeleceu na região, um jovem chamado Gumercindo Pires decidiu criar um boneco profano para o carnaval da cidade. E assim nasceu, em 1919, o boneco Zé Pereira que, dez anos depois, ganhou a companhia de Vitalina.
Há muitas coincidências entre os bonecos carnavalescos das duas cidades, mas há também diferenças. A principal delas é que lá no sertão, na época em que foram criados, os bonecos eram sempre figuras inventadas por seus autores, sem qualquer menção a figuras históricas, da política ou dos esportes. Já em Olinda, e mesmo na Belém do São Francisco atual, eles representam personagens reais.
O homem da meia-noite
O primeiro bloco a usar bonecos em Olinda nasceu de uma dissidência da Troça Carnavalesca Mista Cariri Olindense. A desavença teria surgido durante um processo eleitoral. Excluído da chapa que assumiria a diretoria da agremiação, um grupo formado por um pintor de paredes, um carpinteiro, um sapateiro de dois encadernadores decidiu criar o novo bloco e programou a saída para meia-noite a fim de se antecipar ao Cariri e ‘desbanca-lo’ da abertura oficial do carnaval. A desavença foi temporária e hoje O Homem da Meia-Noite entrega as chaves da cidade ao Cariri Olindense depois de realizar seu desfile.
Embora mais novo que o Zé Pereira de Belém do São Francisco, O Homem da Meia-Noite já fez 90 anos e continua encantando os foliões. Com seus quase 4 m de altura, e pesando quase 50 kg, o calunga (como o boneco é chamado) é visto a longa distância e segundo os pernambucanos ‘é preciso vê-lo para acreditar que o carnaval começou’.
Com tanta mística envolvida, o calunga do Homem da Meia-Noite acabou inpirando muitas narrativas. Uns dizem que a escolha da meia-noite para a saída do bloco não se deve ao desejo de ‘desbancar’ o cariri e sim ao fato do horário ser mágico, causar medo e ter relação com o lobisomem. Outros acreditam que O Homem da Meia-Noite seja inspirado em uma espécie de Dom Juan tupiniquim que seduzia mulheres nesse horário. E há ainda a versão, aparentemente mais provável, de que a temática do bloco teria sido inspirada pelo filme O Ladrão da Meia-Noite por sugestão de um de seus criadores que era cinéfilo.
Bacalhau do Batata
Se O Homem da Meia-Noite dá início à folia, o Bacalhau do Batata nos avisa que a festa está terminando. O bloco sai na quarta-feira de cinzas, às 9h30. Foi criado em 1962 pelo garçon Isaias Pereira, conhecido como Batata, que trabalhava no carnaval e, por isso, não podia particiar da festa, então decidiu criar um bloco para quem, como ele, não podia se divertir no período oficial.
O estandarte do bloco é composto pelos ingredientes de uma bacalhoada – bacalhau, tomates, cebolas, cenouras, coentro, pimentão, batatas, garrafa de pitu e vinagre que, uma semana depois do desfile, são usados no preparo de um almoço oferecido aos foliões. Batata já não está entrre nós, mas tradição continua, sob comando de sua sobrinha, Fátima Araújo.
E mesmo sem Batata, o Bacalhau continua fazendo sucesso em Olinda e em outras paragens. Prova disso veio da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense que no carnaval de 2007 abriu uma ala com catorze tipos de fantasias, para homenagear o bloco, inclusive a de garçom
O carnaval de Olinda e o Carnaval de Recife
Olinda e Recife são cidades vizinhas e praticamente fundidas, de modo que quem se desloca de uma para outra mal percebe a linha divisória. Assim também pode-se dizer sobre os carnavais da duas cidades. Embora tenham suas peculiaridades, fazem parte de um mesmo circuito carnavalesco e quem está em Olinda não pode deixar de conhecer, pelo menos um pouco, o carnaval de Recife, especialmente sua abertura feita no sábado pelo Galo da Madrugada.
O galo, como é carinhosamente chamado pelos pernambucanos, foi criado em 1978 e em seu primeiro desfile mobilizou apenas 75 foliões, mas menos de duas décadas depois já mobilizava mais de um milhão de pessoas e foi registrado no Livro dos Records como o maior bloco carnavalesco do mundo. Atualmente, o bloco sai às ruas mais de 2,5 milhões de integrantes.12
Notas
- 1 Leia. aqui no blog, matéria sobre o Carnaval da Bahia
Carnaval de Olinda – Olinda – Pernambuco – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1 e 2) Prefeitura de Olinda em Wikimedia: foto 1 / foto 2 - Flickr - CC BY 2.0
- (3) Tetraktys em Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- (4) Autor desconhecido / Divulgação
- (5) Seturp/Divulgação
- (6 e 8) Antonio Cruz/ABr em Wikimedia: foto 6 / foto 8 - CC BY 3.0 br
- (7) ZackTheJack em Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- (9) governadoreduardocampos em Wikimedia - Flickr, CC BY-SA 2.0
Ainda não passei um carnaval em Olinda, mas quando visitei a cidade fui ver um pouco do frevo e dos bonecos gigantes e fiquei encantada. Quero voltar um dia no carnaval.
Vale a pena passar o carnaval em Olinda pelo menos uma vez.
A riqueza cultural do nordeste é exuberante e vasta. É preciso subir e descer pelas ladeiras de Olinda ou se embrenhar nos becos do Recife Antigo para viver essa realidade. Em cada lugar onde você vai, encontra coisa nova para admirar. A autora desse trabalho soube muito bem retratar o que é o carnaval de Olinda e Recife. Tal qual Salvador com seus trios elétricos e seus afoxés, Olinda tem seus bonecos de feições emprestadas de personalidades populares ou do folclore que conquistam foliões e admiradores como eu. A leitura deste trabalho remeteu-me aos carnavais assistidos naquelas cidades pernambucanas. Digo assistidos, porque nunca fui de pular frevo ou maracatu, mesmo quando era mais jovem. Mas eu gostava de ver os bonecos de Olinda mesmo que tivesse que ficar com a língua de fora depois de subir cada ladeira. Foi gostoso reviver isso. Obrigado Jornalista Sylvia pela oportunidade e parabéns pelo belo trabalho.
Obrigada, Nivaldo, pelo generoso comentário.
Que maravilhosa. Estive Olinda por 2 vezes, mas não tive a oportunidade de curtir o Carnaval de lá. Realmente, Carnaval de Olinda, o frevo, maracatu e bonecos gigantes são lindos!
São lindos mesmo, Deyse.
Cresci ouvindo minha mãe e minhas tias contarem sobre os carnavais que elas passaram em Recife e Olinda. Seu texto me levou a essas histórias deliciosas, de um passado nem tão distante assim. super obrigada, Sylvinha! Ainda quero passar um carnaval por lá para conferir tudo isso.
É uma experiência muito interessante. Você vai gostar.
Que festa linda esse Carnaval de Olinda. Adorei saber mais sobre o frevo, maracatu e bonecos gigantes
É linda mesmo, Ângela. Vale a pena conhecer.
Amo ver minha terrinha sendo divulgada. Nossa cultura é riquíssima e sim, o carnaval daqui não tem igual. A diversidade da festa é tamanha que podemos brincar os 4 dias e aproveitando 4 ritmos diferentes. Quem quiser usa fantasia, quem não quer não usa mas não deixa de aproveitar a festa que dor o dia todo e em alguns pontos vai até a noite. Adorei o texto.
Que bom que gostou. Se puder, divulgue com seus conterrâneos.> volte sempre que toda semana tem matéria nova por aqui.