Canela: um lugar de veraneio entre hortênsias e chocolates

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 02/10/2023 por Sylvia Leite

Turista e antiga locomotiva em Canela - Foto Sylvia Leite - Matéria Canela- BLOG LUGARES DE MEMÓRIAQuando se fala em veranear, é natural que nos venha à cabeça a imagem de um lugar de clima quente, à beira-mar, mas foi como estância de veraneio que a gelada Canela, no Rio Grande do Sul, começou a atrair visitantes. Era início do século 20 e a cidade acabava de se tornar o destino final da ferrovia que levou desenvolvimento à região. Além do impulso econômico, a Maria Fumaça facilitava o acesso de moradores de outros municípios gaúchos, interessados em suas belezas naturais, na comida farta e em seu clima ameno que favorecia a cura da tuberculose.

A ferrovia Taquara – Canela levou mais de uma década para ser concluída e a estação de Canela, última do trajeto, foi inaugurada em 1924. Seu idealizador, João Correa, enfrentou vários problemas: desde as consequências da Primeira Guerra, até a complexidade da obra. Um dos entraves era a topografia, que precisava ser vencida com os precários recursos da época. Em um dos pontos, a solução foi fazer o trem vencer uma subida de ré.

Mas, depois de pronta, a ferrovia passou a fazer parte não apenas da história, mas também da cultura de Canela. Os antigos moradores têm a memória viva dos tempos em que o trem era a principal comunicação de Canela com o mundo. Alguns contam que as crianças brincavam de passarEstação ferroviária de Canela - Foto Gustavo Meroli_domínio público - Matéria Canela - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA sabão nos trilhos acreditando que, com isso, fariam o trem patinar. Outros lembram da fuligem que queimava as roupas dos passageiros. Mas a memória mais forte é a dos bonecos de neve que os canelenses colocavam na estação para avisar aos moradores de outras cidades que havia nevado por lá.

Faz mais de quatro décadas que a Maria Fumaça se aposentou, mas sua locomotiva Le Meuse, fabricada na Bélgica – provavelmente em 1909 -, permaneceu em praça pública, como um dos monumentos mais característicos da cidade, e hoje é ícone e principal atração de um centro cultural e comercial instalado nas dependências da antiga estação. E para quem se encanta com o tema, a cidade oferece um parque temático que conta de tudo sobre trens.

Hortânsias - Foto ws_beep por pixabay - Matéria Canela - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAUma paisagem azul hortênsia

Da mesma época que a estrada de ferro desativada e sua histórica locomotiva, é o início das plantações de hortênsias, que hoje tomam conta não apenas de Canela, mas de vários municípios, reunidos em uma comarca turística que leva o nome da flor. Flor, na verdade, é maneira de dizer, porque as pétalas que nos encantam e que chamamos de flores são, na verdade, folhas modificadas. Tanto que, ao nascer, elas são verdes, e só quando crescem é que vão ganhando uma nova aparência. A verdadeira flor da hortênsia é apenas uma bolinha que fica no centro das pétalas coloridas.

A hortênsia é uma planta ornamental, originária da China e do Japão. Chegou à Europa por volta de 1790 e foi trazida à região de Canela e Gramado em 1925, por imigrantes alemães. No início, era apenas a planta da moda em jardins residenciais, mas aos poucos foi ganhando as praças e prédios públicos, até se espalhar por toda parte, inclusive as estradas.

Foto Anthony Beux Tessari_ Wikimedia - Matéria Canela - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

A hortênsia pode ser encontrada em várias cores que vão do branco ao lilás, mas duas delas são predominantes – rosa e azul. E tudo depende da constituição do solo. Em terras com PH ácido, as hortênsias ficam azuis indo até o lilás, mas se o PH for alcalino, elas tornam-se rosa, podendo chegar até a um vermelho rosado. Em Canela, predomina a hortênsia azul por causa da grande quantidade de alumínio encontrada na Serra Gaúcha. 

Obras de arte guardadas por pedras

Menos antiga que a locomotiva e as hortênsias, mas nem por isso menos tradicional, é a chamada Catedral de Pedra, que, na verdade, é a Igreja Matriz de Nossa Senhora de Lourdes. A paróquia foi fundada no finalzinho de 1937, mas a igreja atual, em estilo gótico inglês, só começou a ser construída
em 1953.

A igreja é toda revestida de pedra e tem uma torre de 65 metros de altura. Seu carrilhão abriga 12 sinos de bronze, fabricados pela fundição Giácomo Crespi, na Itália. Mesmo sendo a matriz de uma pequena cidade, que não tinha ainda a importância turística alcançada décadas depois, a chamada Catedral de Pedra está repleta de obras de arte e foi candidata ao título de uma das Sete Maravilhas do Brasil, em 2010.

Foto Brocker turismo_divulgação - Matéria Canela - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Entre as obras, estão dois vitrais que representam a Ladainha de Nossa Senhora e o altar de madeira esculpido em madeira pelo uruguaio Júlio Tixe, em alusão à Santa Ceia. Destacam-se, ainda, três painéis, pintados pelo artista gaúcho Marciano Schmitz, que têm como temas a “Aparição de Nossa Senhora”, a “Alegoria dos Anjos” e a “Anunciação. Os quadros da Via Sacra são feitos em madeira e argila pelo escultor e restaurador de arte uruguaio, Pablo Orono Herrera.

A doce tradição de Canela

Outra tradição também mais recente, mas que vem se consolidando cada vez mais, é a dos chocolates artesanais que Canela Divide com a vizinha Gramado. A primeira fábrica da região nasceu em 1975 pelaFoto Site Castelli Escola de Chocolateria - Matéria Canela - BLOG LUGARES DE MEMÓRIAs mãos de um empreendedor brasileiro de origem polonesa que vivia em Bariloche. Foi a semelhança entre as serras brasileira e argentina que lhe deu a ideia de produzir aqui o que já era sucesso por lá. Essa primeira oficina foi instalada em Gramado, mas logo a mania de produzir chocolates espalhou-se pelas duas cidades e esses pequenas locais de produção transformaram-se em grandes fábricas, que podem ser visitadas por quem queira conhecer o processo de fabricação dos chocolates artesanais.

Canela passou a se destacar ainda mais como terra do chocolate ao ganhar, em 2012, uma escola superior de chocolataria gourmet, com grade curricular desenhada pela francesa Chloé Roussel, respeitada mundialmente como uma das maiores autoridades em chocolate e conhecida como “Madame Chocolat”.

Um lugar multicultural

Embora a cultura alemã pareça predominar em toda a Serra Gaúcha, Canela não foi formada apenas por esses imigrantes. Inicialmente, viviam ali os índios Caingangues. Eles foram expulsos da região, mas sobrevivem até hoje no Rio Grande do Sul. Depois vieram tropeiros de origem açoriana, que paravam no local para descansar embaixo de árvores frondosas conhecidas como Canela – as mesmas que, posteriormente, deram nome à cidade. Em seguida, chegaram italianos e alemães. Para completar o caldeirão de culturas, Canela recebeu também imigrantes sírio-libaneses.Sergio Azevedo_Sonho de Natal_Divulgação - Matéria Canela - BLOG LUGARES DE MEMÓRIA

Esse caldeirão étnico e as tradições aqui apresentadas compõem a estrutura cultural de Canela, mas não se pode deixar de dizer que a cidade é hoje mais conhecida pelo famoso Natal Luz. Para quem não sabe, trata-se de uma temporada de espetáculos e desfiles com tema natalino que, anualmente, leva milhares de turistas à Serra Gaúcha entre outubro e dezembro, e que, em função disso, Canela está hoje repleta de atrativos turísticos que incluem de passeios ao ar livre a parques temáticos, sem esquecer, claro, as visitas às fábricas de cerveja e chocolate.1

Notas

  • 1 Leia, aqui no blog, matéria sobre outra cidade que tem forte ligação com uma ferrovia: Paranapiacaba

Para saber mais

Canela – Serra Gaúcha – Rio Grande do Sul – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • (1) Sylvia Leite
  • (2) Gustavo Meroli /divulgação
  • (3) ws_beep por Pixabay
  • (4) Anthony Beux Tessari (Abtessari ) - Wikimedia - CC BY 3.0
  • (5) Brocker turismo/divulgação
  • (6) Site Castelli Escola de Chocolateria
  • (7) Sergio Azevedo_Sonho de Natal_Divulgação
Compartilhe »
Increva-se
Notificar quando
guest
22 Comentários
Avaliações misturadas ao texto
Ver todos os comentários
sonia pedrosa cury
3 anos atrás

Canela é uma cidade lindinha e ainda tem esse apelo, o chocolate. Belo registro, Sylvinha!
Beijão.

Letícia
Letícia
3 anos atrás

Adorei seu post, Sylvia! Eu ainda não conheço Canela mas vontade não me falta! E gostaria de ir lá em duas épocas do ano: no Natal e no inverno! E me esbaldar de chocolate nas duas! 🙂

Angela Beatriz Camara Martins
3 anos atrás

Ler esse post me faz ter vontade de retornar em Canela. Um destino que me encantou. Mas preciso conhecer melhor os chocolates!

Nathalia
Nathalia
3 anos atrás

Canela é um lugar delicioso!! Me deu vontade de voltar para ver as hortências, quando fui era inverno, não havia tantas. Mas amei o passeio

Aline Laudelina Pires
3 anos atrás

Canela é uma cidade muito gostosa, das 4x que fomos para Serra Gaúcha nos hospedamos em Canela e sempre indico. As hortênsias realmente é um encanto e deixa a cidade mais linda ainda.

Sidney Menezes
3 anos atrás

Sempre que passo alguns dias em POA, é um passeio obrigatório, Canela e Gramado. A qualquer tempo .

Hebe Carvalho
3 anos atrás

Sylvia que lindo seu post sobre Canela. É mesmo uma cidade encantadora, as hortênsias deixa a cidade ainda mais charmosa né? Amei

Angela Beatriz Camara Martins
3 anos atrás

Eu adorei conhecer Canela. Depois de ler esse post, fiquei com muita vontade de voltar. Quem resiste a chocolates e flores?

Van
3 anos atrás

Canela é um lugar de veraneio maravilhoso! Ler seu post me fez desejar estar por lá aproveitando a cidade.

Cintia Vaz
Cintia Vaz
3 anos atrás

Era pra nós termos ido a Canela no Natal com meus sogros, mas devido a crise mundial achamos melhor cancelar. Ler seu post só aumentou minha vontade já enorme de conhecer essa cidade maravilhosa.

Leo Vidal
Leo Vidal
2 anos atrás

Depois de 20 anos, voltarei a Canela e não vejo a hora de revisitar essa Catedral belíssima da cidade. Agora, voltarei com mais informações sobre ela e poderei me atentar aos detalhes.