Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
Quando o arquiteto Olavo Redig de Campos projetou a Casa da Gávea, entre 1948 e 1951, ele buscou atender a três necessidades do proprietário – o embaixador, banqueiro e colecionador de arte Walther Moreira Salles: servir como moradia, comportar grandes recepções e abrigar seu acervo de fotos, pinturas e livros. A família e os convidados já não estão por lá, mas o acervo não apenas permanece, como cresceu e está aberto ao público desde 1.999, quando a casa foi transformada em um centro cultural denominado Instituto Moreira Salles.
A ideia foi do próprio banqueiro, depois que a família foi embora e a mansão permaneceu fechada por alguns anos. Naquela altura, O IMS já existia em Poços de Caldas1, São Paulo e Belo Horizonte mas, no caso do Rio, a casa passou a ser o primeiro atrativo, embora haja outros tão ou mais importantes. Além da assinatura do arquiteto modernista, que projetava prédios de embaixadas brasileiras pelo mundo afora, a construção tem paisagismo do Roberto Burle Marx, conhecido pela beleza de seus jardins. E, nesse caso, a fama dos autores corresponde ao proveito dos visitantes.
Já na chegada, somos impactados pela visão de um cobogó branco que combina vazados gigantes com formas de círculos e de losangos. Ali mesmo, numa espécie de varanda, é impossível não notar o piso em mosaico de mármore que alterna losangos vermelhos e brancos e logo descobrimos que aquele piso aparentemente externo invade a entrada da casa e prossegue por seus corredores.
As figuras geométricas estão presentes em toda parte, inclusive em canteiros, em contraste com as formas sinuosas da piscina, ou do laguinho que procuram dialogar com a água presente em toda a área externa. Os contrastes entre retas e curvas aparecem, ainda, no painel formado por mais de quatro mil azulejos pintados por Burle Marx, com imagens de peixes e de lavadeiras.
Casa da Gávea: um recanto na Mata Atlântica
A Casa da Gávea e seus jardins ocupam aproximadamente 10 mil metros quadrados – uma área maior que o campo do Maracanã – rodeados pela Mata Atlântica. Na época em que foi construída, as elites cariocas estavam deixando esse tipo de moradia conhecida como “casa de chácara”, para residir à beira mar, especialmente em Copacabana.
Há quem diga que a escolha do local, na contramão dessa tendência, deveu-se a uma reafirmação de valores aristocratas, mas a especialista e mestre em Arte Renata Reinhoefer Ferreira França diz, em artigo postado na revista Arquitextos, que a escolha de Moreira Salles pode ter sido influenciada por sua paixão pela Literatura. Segundo Renata, no local onde a casa foi erguida, havia uma chácara onde se hospedou o escritor britânico Rudyard Kipling em um visita que resultou em registros sobre as belezas do Brasil. “Desejaria (Moreira Salles2) mergulhar na alma de Kipling, vestindo-se de seus olhos? Ou seria simplesmente uma boa opção de discussão com seus convivas, reforçando sua erudição? Ou ambos?”, pergunta Renata.
Possivelmente, nunca saberemos as reais motivações de Moreira Salles ao escolher o terreno, mas há outros elementos que se não influenciaram na escolha, pelo menos tornaram-se simbólicos na história da casa. Os mais significativos talvez sejam a enorme jaqueira, que já estava ali muito antes da aquisição do terreno e permanece até hoje, e o riacho que corta o terreno e pode ser observado a partir das pontezinhas que cruzam seu curso.
Como afirma Rogério Trentini no livro infantil “Uma casa na Gávea”, Burle Marx fez o verde do jardim conversar com o verde da Mata Atlântica ao seu redor, e fez ambos esses verdes conversarem com a construção de Olavo Redig envolvida pela mata tropical”. E essa “conversa” foi tão harmônica que a nossa impressão não é de termos jardins ao lado da mata, mas que a mata entrou um pouquinho nos espaços abertos da casa.
Curiosidades da casa
A beleza visual da casa é aliada a algumas curiosidades. Uma delas está nas pedras que revestem a rampa de acesso da entrada principal. Segundo Renata Reinhoefer, essas pedras seriam “restos de um castelo medieval vindos para o Brasil como lastro de um navio sueco”.
Ainda segundo Renata, uma parede na varanda de entrada foi propositadamente pintada com o vermelho das casas de Pompéia, a cidade romana que desapareceu sob as larvas do Vesúvio e cujas ruínas, encontradas por meio de escavações, hoje constituem um famoso sítio arqueológico. Moreira Salles estaria buscando especificamente o tom da “Vila dos Mistérios”, localizada nas redondezas da cidade, onde o culto a Dionísio, proibido pelo governo de Roma, podia ser praticado livremente. A escolha dessa cor, segundo Renata, estaria carregada de um simbolismo de “abalo de certezas, o vulcão que tudo pode destruir de pronto, inserindo algo feminino numa casa marcada pelo poder fálico.” Outra curiosidade – mais conhecida e até bastante divulgada – é o formato das maçanetas, que foi moldado pela mão de Walther Moreira Salles.
Um centro cultural singular
Todo esse ambiente é palco principalmente de exposições, mas o IMS realiza também exibições de filmes e programas educacionais, como visitas mediadas, ateliês de férias e projetos continuados em parceria com escolas e associações comunitárias. O Instituto também edita livros, revistas e mantém 16 canais na internet, entre sites e blogs, além do site institucional.
As ações do instituto giram em torno dos próprios acervos, que se concentram especialmente nas áreas de Fotografia, Música, Literatura e Iconografia. O maior deles é o de Fotografia, com cerca de 2 milhões de imagens dos séculos 19 e 20. O de Música reúne, também extenso, reúne discos em 78 rpm, e acervos de estudiosos da música como José Ramos Tinhorão e Humberto Franceschi, e de músicos como Chiquinha Gonzaga, Ernesto Nazareth e Pixinguinha.
Se, na arquitetura, cada detalhe parece ter sido minuciosamente planejado para atender e significar, no funcionamento do centro cultural os cuidados não parecem ser menores. Um sinal dessa característica é a preferência dada a projetos permanentes que ajudem não apenas a divulgar seus acervos, mas também a gerar conhecimento a partir deles. Outra singularidade é o fato de realizarem integralmente suas próprias exposições e ações culturais.3 4
Notas
- 1 O de Poços de Caldas tinha outra denominação na época, mas o mesmo projeto cultural.
- 2 Intervenção minha para facilitar a compreensão da frase fora do seu contexto original.
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros espaços culturais do Rio de Janeiro: Castelo Mourisco, Museu de Imagens do Inconsciente, Museu do Amanhã
- 4 Leia, também sobre outros Centros Culturais do Brasil: Chácara Sapucaia
Casa da Gávea/ Instituto Moreira Salles – Gávea – Rio de Janeiro – Brasil
Fotos
- Sylvia Leite
Referências
- Artigo "Arquitetura Cifrada: a Casa da Gávea de Walther Moreira Salles", de Renata Reinhoefer França - Revista Arquitextos, portal Vitruvius.
- Artigo "Casa Walther Moreira Salles", de Guilherme Wisnik - Blog do IMS.
- Filme "Santiago", de João Moreira Salles.
- Livro infantil Uma casa na Gávea - O Instituto Moreira Salles, de Rogério Trentini e Daniel Almeida.
- Site do Instituto Moreira Sales.
Sugestão de pauta e apoio
- Rosalie Corêa (médica e amiga)
Para saber mais
- Os visitantes da Casa da Gávea podem tomar café da manhã no Instituto Moreira Salles, que funciona no local. Veja os detalhes no blog Uma Senhora Viagem
Que casa linda…gostaria de ver uma foto da maçaneta, fiquei curiosa… me lembrou as maçanetas da casa de Gorki, em Moscou, também muito especial. Parabéns pelo texto, Sylvinha!
sonia pedrosa
Que maravilha de matéria, Sylvinha! Com todos os detalhes e requintes que lhes são próprios.
Abraços
Val Cantanhede
Que maravilha de matéria, Sylvinha!
Com todos os detalhes e requintes que lhes são próprios
Abraços
Val Cantanhede
Valeu, Val! beijos
O lugar ajuda bastante rsrsr. Beijos
Obrigada, querida. Eu acabei não fotografando a maçaneta porque tinha outras coisas que considerei mais interessantes, pena, mas não é difícil você encontrar alguma na internet.
Conheci este ano esta bela morada: gostei de tudo,mas nao tinha todas estas informações . Voltarei.
São tantas oportunidades a serem conhecidas. Parabéns Silvinha.
Que bom. Da próxima vez deixe seu nome. Gosto de saber quem são os meus leitores rsrsr bj
Ainda bem que temos muitas opções, não é mesmo? Dá pra escolher. Obrgada pelo comentário, querido, bj
Ela gostaria de apreciar as maçanetas da casa.
São realmente interessantes e muito divulgadas.
Adorei o post! Ainda não conheço o IMS. Vou querer visitar a Casa da Gávea quando voltar no Rio.
A Casa da Gávea é muito legal e vale a pena conhecer as unidades do IMS em outros lugares. A de São Paulo tem uma programação excelente.
Estive recentemente na Casa da Gávea para tomar café da manhã e foi muito bom rever parte do espaço. Infelizmente, não pudemos visitar a parte interna da casa pois era necessário agendar. Fazer uma nova visita após a leitura de seu post fará grande diferença. beijocas
Bom saber disso, Lilian. Volte sempre. O blog tem mais de 170 matérias.