Atualizado em 18/02/2025 por Sylvia Leite
O icônico Mercado Modelo, localizado no Centro Histórico de Salvador, é reconhecidamente um dos pontos turísticos mais famosos do Brasil e um dos principais cartões postais da Bahia. Mas, ao que tudo indica, isso não lhe pareceu suficiente pois, no início de 2024, o mercado centenário passou a ser talvez o único em todo o mundo a ter uma galeria de arte em seu subsolo. Mais que isso: a galeria – batizada como Galeria Mercado – foi criada para contar sua história.
A visita ao local envolve surpresa e encantamento, a começar pela configuração física do lugar, que tem água sobre o piso e arcadas sob o teto, assemelhando-se a uma antiga cisterna. As boas vindas são dadas aos visitantes pela escultura “Exu”, de Mário Cravo Jr., que integra a série “Cabeças do Tempo”, produzida ao longo de 40 anos com os restos de madeira encontrados entre os destroços do incêndio de 1984.
Como nos revelam os textos da curadora Thais Derzé, expostos na Galeria Mercado, a escolha dessa escultura para abrir a exposição está repleta de significados. Na cultura Iorubá, nada se inicia sem antes saudar Exu e outros orixás que, como ele, assumem o papel de mensageiras entre Orum (Céu) e Ayê (terra).
Exu é o princípio dinâmico da vida, o que abre os caminhos. Além disso, é considerado também o orixá da transformação, o que remete ao novo ciclo iniciado com o incêndio de 1984, pois foi graças às chamas que o piso cedeu e revelou a existência do subsolo que agora abriga a galeria. Outra escultura da mesma série compõe a exposição permanente.
A temática africana está presente, também, nas três esculturas da série “Templo de Oxalá”, de Rubem Valentim, executadas em concreto por uma equipe técnica habilitada, de acordo com os projetos originais do artista. A série foi exibida pela primeira vez, parcialmente, na 14º Bienal de São Paulo, em 1977, e integralmente na 35º Bienal, em 2023.
Thais Derzé observa em seu texto de apresentação das obras, que Rubem Valentim explorou a temática africana utilizando “complexas composições de linguagem geométrica abstrata”.
Segundo a curadora, o artista utilizou elementos afros desde o início da carreira, mas essa relação com as próprias raízes foi aprofundada depois do contato que teve, na Europa, com coleções de arte africana.
Luz e imagem: uma atmosfera mágica
A densidade das obras de Mário Cravo Jr. e Rubem Valentim estabelece um contraponto com a leveza e o aspecto lúdico da instalação “Lágrimas”, de Vinícius S.A., que reúne 15 mil lâmpadas em uma área de 300 m².
Embora não tenha uma relação direta com o mercado, nem com elementos culturais específicos da Bahia, a obra de Vinícius encanta pelo impacto visual e pelo convite que faz a refletirmos sobre o uso da água.
A instalação é beneficiada pela iluminação do espaço, que busca não apenas valorizar as obras, mas também ressaltar a beleza arquitetônica do prédio. E, para completar há, por trás das lágrimas, uma imagem de São José em madeira pintada e assinada por Zé Eugenio.
A escultura foi encontrada durante as obras realizadas no subsolo para a instalação da galeria, justo no local que já estava reservado para a instalação.
Vinicius acredita que foi “uma bênção de São José”, pois sempre associou essa instalação ao santo que, assim como a obra “Lágrimas”, está relacionado à chuva que traz prosperidade.
Não é fácil perceber a imagem de São José nos registros fotográficos (foto). Mesmo na galeria, é preciso algum esforço para conseguir visualizar essa obra, pois além de estar atrás das lágrimas da instalação, encontra-se em um ponto relativamente distante das plataformas por onde circulam os visitantes.
Uma obra anônima
Além de São José, foi encontrada no subsolo uma uma imagem de Nossa Senhora da Conceição – padroeira da Bahia e do Mercado Modelo – cuja basílica, conhecida como Conceição da Praia, é praticamente vizinha ao mercado.
A imagem de Nossa Senhora da Conceição não tem assinatura, mas sabe-se que foi doada por dois lojistas do mercado – Homero Bellas das Horas (conhecido como Sr. Lula) e Arthur Silva Figueredo (conhecido como Sr. Tuca) – para que os eventuais visitantes do subsolo na época – década de 1990 – pudessem rezar diante da santa.
Mesmo sendo a representação de uma santa católica, essa imagem é considerada uma peça de características afrodescentestes, seja pelo tipo de entalhe, seja pelos valores estéticos que incorpora.
Uma breve história do mercado
O subsolo que abriga a Galeria Mercado é um elemento recente no Mercado Modelo. Foi descoberto em 1984, em consequência de um incêndio que fez ceder o piso, relevando o que havia por baixo. Era o quinto incêndio da história do mercado e espera-se que o último. O primeiro deles aconteceu em 1917, menos de cinco anos depois de sua inauguração. Na época, o mercado funcionava em um prédio vizinho ao atual, localizado onde hoje se encontra a escultura “Fonte do Mercado”, de Mário Cravo Júnior.
O mercado pegou fogo novamente em 1922, 1923 e 1969. Nessa quarta vez, foi totalmente destruído e teve que ser transferido temporariamente para uma região próxima, denominada Água de Meninos. Na volta à Praça Visconde de Cairu – mais conhecida como Praça Cairu -, é que passou a ocupar o prédio atual, onde antes funcionou a Alfândega de Salvador.
Em mais de um século de existência, o Mercado Modelo passou por varias fases e assumiu distintos perfis. Começou como um centro de abastecimento – o mais importante da cidade. Depois abrigou rodas de samba e de capoeira, além de dois restaurantes comandados por importantes personagens da cultura local: Maria de São Pedro e Camafeu de Oxossi, o que atraiu artistas e intelectuais, inclusive do exterior.
A partir da mudança para o prédio atual, assumiu um perfil mais turístico, que mantém até hoje. Tudo isso está registrado na Linha do Tempo da Galeria Mercado, por meio de textos e, principalmente, de fotos dos Estúdios Gonçalves e dos fotógrafos Arlete Soares, Amanda Tropicana, Lázaro Torres e Pierre Verger. 12
Notas
- 1 Para saber mais sobre o Mercado Modelo, leia, aqui no blog, a matéria Mercado Modelo: um resumo da Bahia
- 2 Leia, também, matérias sobre outros lugares ou tradições de Salvador: Elevador Lacerda / Forte de São Marcelo / Ribeira /Santo Antônio Além do Carmo / Candeal / Fitinhas do Bonfim / Farol da Barra
Galeria Mercado – Mercado Modelo – Praça Cairu – Centro Histórico – Salvador – Bahia – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1,2,3,4,6,7,8) Sylvia Leite
- (5) Fabíola Amorim
Participação Especial
- Josefa Amorim
- Fabíola Amorim
Referências
- Site da Secretaria de Cultura de Salvador
Essa galeria é muito interessante!! Adorei conhece- lá!
A Galeria mercado é muito interessante mesmo.
Sylvia perfeito. Moro em Salvador desde 1955 e fui ao Mercado Modelo uma vez , tempos passados e hoje agradeço essa linda reportagem , onde você mostra a beleza que se encontra nesse local. Parabéns.
Não acredito! Uma só vez? No prédio antigo ou no atual?
Parabéns pela matéria e pelo texto. Me Trouxe lembranças de quando estive lá. Saudades dessa terra maravilhosa
Gosto quando as matérias do blog despertam boas lembranças. Obrigada porcompartilhar.
Relato perfeito da história do Mercado, da descoberta da galeria Mercado , usando linguagem simples de forma bem leve pode mostrar toda beleza contida nessa estrutura secular , que conta a história na nossas raízes…amei ter participado! Sucesso …
Obrigada pelo comentário generoso, Josefa.