Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite
O nome é bastante genérico, mas o Museu da Imigração foi concebido com o propósito específico de contar a história das pessoas que chegaram a São Paulo para trabalhar nas plantações de café e tiveram como primeira moradia a antiga Hospedaria de Imigrantes, ou Hospedaria do Brás, instalada no prédio que hoje abriga o museu.
Seu acervo é composto tanto por peças e documentos administrativos recolhidos da hospedaria e de outras instituições oficiais, como por objetos e registros pessoais doados pelos próprios imigrantes ou por seus descendentes.
São bagagens, ferramentas de trabalho, utensílios domésticos, objetos pessoais, indumentária, além de fotografias de família trazidas pelos imigrantes e registros feitos dentro da hospedaria. O museu abriga, ainda, móveis que pertenceram à instituição e todo tipo de equipamento, inclusive aqueles usados por médicos e dentistas na assistência aos recém-chegados.
Para completar, o Museu da Imigração criou o projeto Colecionando Histórias Orais que reúne depoimentos de migrantes e descendentes, com relatos sobre a viagem, a chegada e as dificuldades enfrentadas depois do desembarque.
Essas gravações nos ajudam construir uma visão mais humana e menos documental da passagem dessas pessoas pela hospedaria, assim como toda a experiência de imigração, incluindo despedidas, viagem, chegada e adaptação ao novo cotidiano.
Os brasileiros e as mais de 70 nacionalidades
Embora a ênfase de toda essa história tenha sempre recaído sobre os estrangeiros, especialmente europeus, que vinham substituir a mão de obra escravizada na lavoura, pesquisas realizadas até o momento indicam que mais da metade dos que passaram pela hospedaria – especialmente os que chegaram a partir da década de 1930 – tinham nacionalidade brasileira e haviam migrado de outros estados.
Essa descoberta, além de revelar um novo perfil da população acolhida na hospedaria, aumenta de 2,5 milhões para pelo menos 3,5 milhões o número total de abrigados pela instituição em seus 91 anos de funcionamento. Isso porque a chegada de brasileiros nem sempre era contabilizada.
Sabe-se hoje, também – por meio de pesquisas realizadas ou apoiadas pelo próprio Museu da Imigração – que o leque de nacionalidades daqueles milhares de hóspedes não se resume a italianos, portugueses, espanhóis, alemães e japoneses como se supôs anteriormente. Pelo que foi apurado até o momento, os imigrantes recebidos na Hospedaria do Brás vieram de pelo menos 70 países de quase todos os continentes, com exceção apenas da Oceania.
Entre europeus de outras nacionalidades, por exemplo, há registros de mais de 11 mil poloneses e de 4 mil franceses, além de grupos menores vindos de diversos países, inclusive daqueles menos conhecidos como Letônia, Lituânia ou Estônia. A população da hospedaria incluiu, ainda, nacionalidades africanas, como egípcios e marroquinos, asiáticas, como indianos, iraquianos, palestinos, sírios, libaneses e israelenses para citar apenas alguns.
História do Museu da Imigração
Para entendermos a história do Museu da Imigração, será preciso voltarmos a 19, quando, depois da Abolição da Escravatura, os produtores de café precisavam de mão de obra para a lavoura cafeeira e os europeus sofriam as consequências da Revolução Industrial, com milhares de desempregados e muita gente passando fome. Foi nesse contexto que se criou uma política de imigrações em todo o Brasil, principalmente em São Paulo, e para receber os estrangeiros surgiram várias instituições, entre elas a Hospedaria do Brás.
A função inicial da hospedaria era acolher os estrangeiros e encaminha-los para o trabalho nas fazendas e também na indústria que começava a se desenvolver. O prédio, construído entre 1886 e 1888, abrigava a Agência Oficial de Colocação e Trabalho, posto policial, agência de correios, lavanderia entre outros serviços. Sua estrutura contava, ainda, com um complexo de Saúde que incluía hospital, farmácia, além de ambulatórios médicos e odontológicos a fim de atender os imigrantes que adoeciam durante longa viagem, geralmente feita em navios.
A hospedaria era estrategicamente localizada à margem de duas ferrovias que partiam de Santos e do Rio de Janeiro em direção ao interior de São Paulo. E para facilitar o deslocamento dos imigrantes até as fazendas onde iriam trabalhar, foi criada uma estação dedicada exclusivamente a receber e embarcar imigrantes.
A instituição encerrou as atividades em 1978, depois de receber seus últimos usuários – um grupo de imigrantes coreanos. Quatro anos depois, o prédio teve seu primeiro tombamento pelo Condephaat – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. Logo em seguida foi criado o Memorial do Imigrante, que, em 2011, viria a se transformar no Museu da Imigração.
Desde a sua fundação, o Museu da Imigração sempre foi dirigido por mulheres. A instituição teve cinco diretoras em três décadas de funcionamento. A primeira diretora, a socióloga Jussara Nunes Ferreira, permaneceu por cerca de um ano, mas nesse curto período definiu uma proposta museológica conectada a novas tecnologias que é seguida até hoje. A segunda, Midory Kimura Figuti era descendente de imigrantes japoneses e participou ativamente das pesquisas sobre os imigrantes.
A terceira diretora foi a filósofa e museóloga Ana Maria Leitão e seu período foi marcado pela busca de articulação com um campo maior das migrações. A gestão seguinte foi da historiadora e museóloga Marília Bonas Conte que teve como principal desafio a reforma e adequação do prédio a uma instituição museológica. Atualmente o museu é dirigido por Alessandra Almeida, profissional das áreas jurídica e administrativa, que trabalha na requalificação da exposição de longa duração de modo a aprofundar a reflexão sobre as migrações.
Um olhar para as imigrações atuais
Ao longo dos anos, o Museu da Imigração foi alargando seus horizontes e rompeu os limites da Hospedaria do Brás, passando a dialogar com temas como a diáspora africana que embora involuntária, foi uma importante forma de imigração e contribuiu enormemente para a formação do povo brasileiro.
O museu também buscou incorporar temáticas mais recentes como as imigrações a partir de países subdesenvolvidos ou em dificuldades econômicas, como o Haiti, e de regiões em conflito, como a Palestina.
Todo esse universo tem sido abordado pelo Museu da Imigração em suas exposições temporárias, cursos e pesquisas. Mas, pelo menos as questões mais recentes não ocupam um espaço significativo na mostra de longa duração e parecem não ter sido ainda inteiramente absorvidos pelo museu, embora sejam apontados pela equipe e pelo próprio site da instituição, como o principal desafio da atual gestão.
Mas se esses imigrantes contemporâneos ainda estão pouco representados no museu, do lado de fora eles ocupam um painel de 736 metros quadrados intitulado “Janelas abertas para o mundo”, em que o muralista Eduardo Kobra apresenta oito pessoas – de diversas nacionalidades e etnias – em situação de refúgio.
Kobra retratou pessoas reais, indicadas pela IKMR – I Know my rights (Eu conheço meus direitos), organização que atura na proteção de crianças refugiadas no Brasil. O painel foi pintado no muro localizado em frente à fachada do museu e fica bem visível para quem entra ou sai do prédio.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros museus de São Paulo: Museu do Ipiranga / Museu das Favelas / Museu das Culturas Indígenas / Museu dos Óculos
Museu da Imigração – Braz – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- ( 1,2,3,4,7,8,9 ) Sylvia Leite
- (5,6) Fotos expostas no museu
Participação especial
- María Augusta Garcez
Referências
- Site oficial do Museu da Imigração
Excelente matéria, Sylvinha!
Não tinha conhecimento desse Museu em SP.
Que o Brasil continue com janelas abertas a todos os povos!
Abraços
Isso mesmo, Val, sem distinções.
Legal essa reportagem, desconhecia esse museu e é muito interessante saber desse acervo, desses registros, dessas histórias!
Eu também não conhecia o Museu da Imigração, mas faz tempo que sei da sua existência.
Parabéns pelo artigo. Na próxima vez que for a São Paulo , irei conhecer o Museu da imigração.
Vá mesmo, Mayra, você vai gostar do Museu da Imigração.
Poxa, eu não conheço esse museu… e eu adoro esse tema, acho os museus de imigração muito interessantes e curiosos. Gosto muito de saber dessas história. Boa dica, Sylvinha.