Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite
O Centro Cultural Banco do Brasil, mais conhecido pela sigla CCBB, é uma das instituições mais importantes de sua área no Brasil – com unidades em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília -, mas seu diferencial em relação a outras espaços de semelhante nível de programação e acervo são os prédios históricos onde estão instalados. O CCBB São Paulo – o mais antigo deles – é fruto o desenvolvimento da cidade, impulsionado, na virada do século 19 para o século 20, pela riqueza dos produtores de café. Localizado no coração de São Paulo, o edifício de cinco andares é testemunha do início da transformação de uma pequena cidade na maior metrópole brasileira.
Quando o prédio foi construído, em 1901, e ainda quando foi comprado pelo Banco do Brasil, em 1923, São Paulo se resumia a uma pequena área hoje conhecida como Triângulo, por lembrar essa forma geométrica. A esquina que abriga o CCBB – no encontro das ruas Álvares Penteado e da Quitanda – ocupa o miolo desse centro histórico, que é limitado pelas ruas Quinze de Novembro, Direita e São Bento.
Na época, a Rua Álvares Penteado se chamava Rua do Comércio pois era por ela que chegavam a São Paulo os produtos industriais e as novidades internacionais. Já a Rua da Quitanda era conhecida como Rua do Cotovelo por sua forma semelhante a um braço dobrado. O atual nome vem da presença de mulheres que instalavam suas quitandas para vender frutas, verduras, toucinhos, carnes e cereais.
Foi nesse cenário que surgiu a primeira agência com prédio próprio do Banco do Brasil na cidade. Entre a compra do prédio e sua inauguração, passaram-se quatro anos – período usado pelo arquiteto Hippolyto Pujol Junior – um dos pioneiros no uso de concreto no Brasil – para fazer uma ampla reforma e imprimir ao antigo edifício o estilo Eclético, que na época dominava o cenário arquitetônico europeu. Em 1996, o Banco do Brasil transferiu suas operações para outro edifício e o antigo prédio passou por uma reforma, comandada pelo arquiteto Luiz Telles, para transformar-se em Centro Cultural, mas sua estética original, em estilo Eclético, permanece a mesma.
Os vários estilos do CCBB SP
O estilo Eclético, como o próprio nome já anuncia, tem como uma de suas principais características a mistura de elementos de outros estilos. No prédio do CCBB São Paulo é possível identificar referências a pelo menos três deles: Neoclássico, Arte Déco e Art Nouveau. O primeiro aparece logo na fachada, com imagens esculpidas de deuses da mitologia greco-romana como Dionísio (ou Baco) – relacionado ao vinho, às festas, à alegria – e Hermes (ou Mercúrio) – originalmente tido com Deus da fertilidade e da riqueza e posteriormente considerado mensageiro dos deuses. O estilo Neoclássico está presente também nas simetria da fachada, nas diversas colunas, que lembram as construções gregas, e nas pinturas de deuses que ornamentam as paredes do saguão.
A presença do estilo Art Déco é percebida, principalmente, no lustre do hall e nas luminárias que, além de seu aspecto funcional, servem como decoração das colunas internas. São peças mais limpas, formadas por linhas geométricas.
Já o piso do saguão, todo em mosaico, insere no prédio uma influência Art Nouveau – estilo marcado, entre outras características, pelo naturalismo das formas orgânicas, como folhas e flores. Outros dois aspectos desse movimento artístico e arquitetônico aparecem especialmente nas portas do prédio. Um deles é o uso de novos materiais, como ferro e vidro. O outro é o uso de linhas sinuosas e dinâmicas que dão a impressão de leveza e movimento e podem ser vistas, também, nas grades do mezanino e do primeiro andar.
A famosa clarabóia do CCBB SP
A influência Art Nouveau está presente também na maior atração do prédio do CCBB São Paulo – uma clarabóia composta por vitrais em tons de amarelo e vermelho e sustentada por alças douradas em forma de cachos de café. A clarabóia ocupa o espaço central do prédio e está posicionada entre o terceiro e o quarto andares, podendo ser vista a partir de todos os níveis inferiores. Originalmente, foi instalada entre o primeiro e o segundo andares a fim de separar o atendimento ao público dos setores administrativos do banco, que ficavam na parte de cima, mas na reforma que transformou o prédio em centro cultural o vitral subiu dois pisos para ampliar a visão do público.
A beleza da clarabóia tem servido de inspiração para artistas plásticos na composição de obras site-specific, isto é, obras concebidas de acordo com o ambiente e com o espaço onde serão expostas. Em 2012, o artista Cristiano Rennó criou uma instalação para a mostra “Pontos de Fuga” – organizada por curadores de Inhotim e da Serpentine Gallery – que isolava com tiras de plástico vermelhas e amarelas (cores do vitral) os andares do prédio que podem ser vistos a partir do térreo, direcionando a visão dos visitantes diretamente para a clarabóia.
Cerca de uma década antes, em uma exposição denominada Claraluz, que celebrou os dois anos de funcionamento do Centro Cultural, a artista Regina Silveira havia usado imagens fragmentadas da claraboia – como metáfora da arte – para protestar contra o estado de abandono de vários museus da cidade. O eixo da mostra foi a instalação Lumen, composta por projeções dessas imagens ao longo dos andares do prédio, descendo da própria claraboia até o piso térreo e dando a impressão de um desabamento (foto). Durante todo o tempo que durou a exposição, a luz elétrica foi desligada e a luz natural impedida de passar pela claraboia, restando apenas os raios emitidos pelo projetor.
As mesmas imagens fragmentadas foram plotadas em volta do antigo cofre do banco, no subsolo do edifício, na instalação “Lugar da Arte”, que fez parte da mesma mostra. E foi dentro do cofre que ela situou a instalação “Luminância” – em que a luz da claraboia, em suas imagens fragmentadas, ocupa paredes, portas e piso: “o cofre é o lugar onde se guardam as riquezas, esse é o lugar da arte”, disse Regina, na época, em entrevista à Folha de São Paulo.
Arte dentro do cofre
E por falar em cofre, Regina Silveira não foi a única a usá-lo como local de exposição. O antigo cofre do Banco do Brasil está quase sempre ocupado por mostras ou instalações, mas mesmo quando permanece vazio constitui ele próprio um acervo a ser visitado. O acesso é feito por uma escada em forma de caracol que fica ao lado do café, mas quem tem problema de locomoção pode descer de elevador.
A estrutura do cofre ocupa quase toda a extensão do subsolo do prédio do CCBB de São Paulo. Seu projeto foi feito em forma de labirinto com o fim de dificultar a entrada de estranhos e, principalmente, a saída de eventuais invasores pois ali era guardado todo o dinheiro da instituição além de documentos e joias. As portas, compostas principalmente por bronze e aço, pesam mais de uma tonelada e suas peças foram trazidas da Europa especialmente para essa obra.
Foi, provavelmente, esse enorme cuidado com as riquezas guardadas dentro do cofre que inspirou Regina Silveira a colocar dentro dele as imagens da claraboia – a metáfora que ela escolheu para representar e resgatar a Arte. E é a ocupação atual do prédio do CCBB que o coloca novamente em sintonia com a história recente de São Paulo..
1Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matéria sobre o Farol Santander - outro Centro Cultural instalado no prédio de uma antiga agência bancária
CCBB SP – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1,2,3,4,6) Sylvia Leite
Referências
Participação especial
- Carlos Brizola
- Manoel Prado (Pradinho)
Prédio lindo, do qual tenho as melhores lembranças, onde vi várias e lindas exposições, uma delas, em 2010, se não me engano, sobre propaganda política da união soviética. Lembro que fui ver no horário de almoço e, no final de semana, voltei outra vez. Gostei de lembrar deste episódio.
O prédio do CCBB SP é lindo mesmo. Aliás, todos são.
Que maravilha! Mais um espaço para eu conhecer quando for a São Paulo. As fotos da matéria são motivadoras!
Ponha no seu roteiro! tudo no CCBB é ótimo. Tanto o prédio como a programação.