Atualizado em 16/10/2024 por Sylvia Leite
Quem vai a São José do Belmonte, no sertão de Pernambuco, em busca de referências à obra de Ariano Suassuna, pode ter uma grata surpresa. Além da Pedra do Reino1 – cenário do episódio sangrento que inspirou o famoso romance do escritor – o pequeno município de aproximadamente 34 mil habitantes abriga também uma curiosa construção com mais de 15 metros de altura, quatro pisos e centenas de obras de arte: o Castelo Armorial.
Mais que um castelo, a imponente construção – planejada e erguida ao longo de quinze anos – é um museu que materializa, em formas arquitetônicas e escultóricas, a obra de Suassuna.
Por toda parte, encontram-se representações de seus personagens e de figuras da mitologia sertaneja. Logo na entrada, localizado entre duas torres, está a imagem de Dom Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, protagonista do Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta.
Outros personagens vão surgindo ao longo das salas e varandas que ocupam os quatro pisos da construção de 1.500 metros quadrados. As duas torres da parte posterior do castelo, assim como vários elementos de sua decoração, fazem alusão à luta entre cristãos e mouros, que são caracterizados nas Cavalhadas – e em outras celebrações populares herdadas da Península Ibérica – pelas cores azul e encarnado.
O Castelo Armorial
O nome do castelo remete a um movimento liderado por Ariano na década de 1970, que propõe a realização de uma autêntica arte erudita brasileira, a partir de nossas raízes populares.
O Movimento Armorial, como foi batizado pelo próprio Ariano, teve como marco inicial o lançamento do Romance da Pedra do Reino, mas sua proposta estética está presente, de uma forma ou de outra, em toda a obra do escritor, inclusive nas anteriores ao seu surgimento.
No Castelo Armorial não é diferente. As referências à sofisticada literatura de Ariano, por exemplo, são feitas, em grande parte, por meio de esculturas modeladas por artesãos do município pernambucano de Tracunhaém – o maior produtor de panelas de barro do Nordeste.
O Castelo Armorial também exibe Iluminogravuras de Ariano, concebidas com base nas iluminuras medievais europeias, que eram comumente decoradas com ouro ou prata, e nas rústicas xilogravuras que ilustram as capas dos folhetos de cordel. Isso sem falar na decoração de paredes, janelas, colunas e escadas, que mesclam elementos de estilo barroco com formas de inspiração moura e figuras da cultura e do imaginário nordestinos.
A ideia e a iniciativa da obra vieram do empresário e pesquisador Clécio Novaes. Em uma conversa informal, Ariano teria lhe revelado que já havia visto obras armoriais em todas as modalidades de arte, menos na Arquitetura. O empresário, por sua vez, sempre foi apaixonado por castelos. Estava dado o “mote” para o projeto.
O Castelo Armorial foi idealizado por Clecio com sugestões e orientações de Ariano, que acompanhou todo o seu planejamento e grande parte da construção. Infelizmente, não chegou a vê-lo pronto porque foi levado pela “Onça Caetana”2três anos antes de sua conclusão.
Literatura e tradição
A Literatura de Cordel – uma das fontes de inspiração de Ariano Suassuna – está representada por xilogravuras de J. Borges – cordelista pernambucano da década de 1930, que foi celebrizado por folhetos irreverentes como “A chegada da prostituta no céu” e por ilustrar capas de escritores famosos como o uruguaio Eduardo Galeano.
O castelo conta ainda com uma biblioteca composta por livros que pertenceram a Ariano, salas de aula, auditório e sala de exposições. O acervo permanente reúne fotografias e registros variados de Ariano Suassuna, do Movimento Armorial e da história de São José do Belmonte.
O último andar é ocupado por módulos de uma cidade cenográfica que retrata ambientes do sertão com bonecos de cera em tamanho natural: do bar à casa de farinha, do curral ao cabaré.
Mas é do lado de fora desse último andar, quando imaginamos que não há mais nada a ser explorado, que mergulhamos de cabeça no reino encantado de Ariano, com direito a chegar bem perto de criaturas fantásticas como a “Mulher Vestida de Sol”. Para entender o que estou dizendo é preciso ir até lá.34
Notas
- 1 Breve teremos aqui no blog matéria sobre o tema
- 2 Onça Caetana é uma representação sertaneja da morte
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares ou tradições especiais de Pernambuco: Oficina Brennand / Tamandaré / Igrejinha dos Carneiros / Carnaval de Olinda
- 4 Leia, também, sobre outros monumentos que remetem a Ariano Suassuna ou à sua Literatura: Ilumiara Jaúna / Pedra do Ingá
Castelo Armorial – São José do Belmonte – Serra do Catolé – Cariri – Pernambuco – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Participação especial
- Jane Alves, professora aposentada da UFMG
- Manoel Prado (Pradinho), sociólogo e auditor do trabalho
Muito bacana, Silvinha! Essa foto da escada com o corrimão de mulheres carregando um tronco de árvore é demais! Como você diz no final, só indo lá para entender. Aguardo ansiosamente a continuação das impressões da viagem. Bjs
Essa escada é mesmo especial, como quase tudo no Castelo Armorial. Vale à pena rna conhecer.
Adorei a tua descrição, Sylvia Leite, quero conhecer! Obrigada
Vá mesmo. Você vai adorar o Castelo Armorial.
Ariano . Ad Aeternum. Parabéns.
Obrigada, Sidney. Ariano é realmente incrível e o Castelo Armorial nos aproxima do seu universo encantado.
Adoro Ariano e tudo que o representa. Está na lista de desejos conhecer o castelo!!! Amei
Que bom, Elisa, que gosta de Ariano d gostou de ler sobre o Castelo Armorial. Volte sempre.
Muito linda essa materia!
Que apreço desses pernambucanos com sua cultura e seus líderes! Lembrei-me do Festival de São Cristovao de 1974, ano em que veio Ariano, líder do Movimento Armorial, com o Grupo Quinteto Armorial, misto de música medieval portuguesa e regional nordestina, lindo!Esse grupo gravou até o final doa anos 80 e ganhou premios internacionais, músicos exímios! Parabéns a esse municipio sertanejo de Belmonte, um dia irei por lá! E parabéns a Lugares de Memória pelas suas pautas sempre top!
Obrigada, Lílian. Bom ter você como leitora e comentadora assídua. Não deixe de visitar o Castelo Armorial. É uma obra fascinante!
Que espetáculo! Ariano era muito especial e está eternizado pela sua obra, diferente de tudo o que a gente já viu no mundo. Pra perceber tudo isso, tem que ir lá, mesmo.
É isso aí, Soninha! Ariano era muito especial e o Castelo Armorial nos coloca fisicamente em seu universo encantado.
Nunca tinha ouvido falar do Castelo Armorial, bem curioso e parece ser um passeio bem interessante Gostei do seu relato.
O Castelo Armorial é mesmo muito interessante. Que bom que gostou!
Adorei conhecer o Castelo Armorial: um museu que celebra a arte de Ariano Suassuna através do seu post. Adorei também as esculturas de barro e o que representam.
O Castelo Armorial é lindo mesmo.