Ilha do Ferro: um ateliê em cada esquina

Tempo de Leitura: 15 minutos

Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite

Ateliê Boca do Vento - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAEm vez de dizer um ateliê em cada esquina, melhor  talvez fosse dizer ‘um artista em cada casa’ ou, pelo menos, ‘em cada família’ porque segundo os moradores da Ilha do Ferro – localizada no município de Pão de Açúcar, na margem alagoana do São Francisco – não há, no povoado de aproximadamente 500 habitantes, quem não tenha pelo menos um parente próximo envolvido com trabalhos artesanais – sejam as famosas esculturas em madeira ou os tradicionais bordados ‘Boa Noite’.

No Nordeste, a Ilha do Ferro ainda não é muito conhecida, a não ser no próprio estado de Alagoas, mas a fama do povoado de vocação artística navegou pelo leito do rio, atravessou o oceano e agora atrai gente de toda parte.

Em época de verão, é difícil encontrar acomodações na única pousada e nas poucas casas de aluguel. As refeições e os passeios também precisam ser agendados com antecedência. Até aí nenhuma novidade para um lugar com Turistas comprando panos bordados na Ilha do Ferro - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAtantos atrativos. O curioso é que os barqueiros que nos levam para passear e as cozinheiras que preparam nosso almoço em geral são também artesãos.

E pensar que toda essa efervescência começou por acaso, quando o fotógrafo e documentarista Celso Brandão e a antropóloga Carmem Dantas chegaram ao povoado, vindos de Maceió, para catalogar os bordados que na época já eram remotamente conhecidos dos estudiosos da arte popular. Sim, foi aí que descobriram Fernando Rodrigues, conhecido como seu Fernando e hoje considerado o pai do artesanato local.

Um ícone da ilha do Ferro

Tamancos artesanais antigos da Ilha do ferro - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIASeu Fernando fazia tamancos de madeira e couro que eram levados rio acima e rio abaixo para serem vendidos nos povoados da região. Segundo sua filha Rejania, foi por causa desse comércio que ele e outros moradores de mesmo ofício não passaram fome na seca da década de 1970.

Os tamancos eram o meio de vida e, para se distrair,  seu Fernando produzia imagens de animais e seres humanos com galhos secos encontrados no mato. Mas a virada só aconteceu quando a população de Ilha do Ferro finalmente teve atendida uma antiga reivindicação: a chegada da luz elétrica.

Para fazer a instalação, os técnicos da concessionária tiveram que cortar uma enorme árvore e seu Fernando aproveitou o material para fazer uns bancos, que foram usados no bar Bariloche do seu filho Jilmar. Quando Celso e Carmem chegaram à Ilha do Ferro e viram os bancos, enxergaram ali um grande talento e começaram a divulgar Fernando Rodriques - Foto Mueu Ilha do ferro - BLOG LUGARES DE MEMORIAa Ilha do Ferro.

A valorização e a divulgação do trabalho de seu Fernando foi o grande incentivo para que a maioria dos homens da Ilha do Ferro passassem a se dedicar, ao menos parcialmente, ao artesanato de madeira. Além da renda complementar, que com o tempo passou a ser meio de vida para alguns deles, o trabalho foi se transformando, também, na ‘cachaça’ de muitos moradores do povoado que não conseguem passar um só dia sem pegar na madeira ou nas tintas.

E embora muitos trabalhem dentro de casa, nos quintais ou em ateliês, é possível encontrar artesãos esculpindo suas peças a céu aberto, em uma calçada ou embaixo de uma árvore.

A herança pouco lembrada

Miniatura de barco antiga da Ilha do ferro - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAGanhar dinheiro com peças artísticas, certamente foi uma novidade que só se concretizou após a descoberta de seu Fernando pelos pesquisadores. Não resta dúvida, também, de que muitos dos atuais artesãos inspiraram-se no trabalho dele ou foram seus aprendizes, mas o talento dos moradores do povoado para o trabalho artesanal e para o trato com a madeira já vinha de longe porque a região sempre concentrou muitos mestres canoeiros.

Quem presta atenção nas embarcações, percebe uma variação de cores e formatos que constituem a marca criativa de cada um desses mestres. E os sinais não para por aí. Segundo os moradores da Ilha, os mestres canoeiros passavam as horas de folga esculpindo miniaturas das embarcações para os filhos brincarem no leito do Velho Chico.Avião de madeira feito por mestre canoeiro - Foto de Gustavo - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Infelizmente, não há um acervo dessas peças na Ilha do Ferro e ninguém sabe explicar o que aconteceu com elas. Se foram vendidas a visitantes ou simplesmente se desgastaram por falta de manutenção e foram parar no lixo. Talvez a segunda hipótese seja a mais plausível a julgar pelo estado atual da única miniatura de barco de períodos anteriores a seu Fernando que consegui ter acesso.

O barco foi feito pelo mestre canoeiro Josinha e agora pertence a seu neto, o artesão Fagder Sandes. É de Josinha, também, um avião – este em excelente estado de conservação –  que encontra-se pendurado no teto da sala de sua filha Saula.

Artesanato ou Arte?

Mascara do artista Petrônio - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAMas o que realmente diferencia a Ilha do Ferro de outras pequenas localidades do Nordeste é sua vocação artística. A discussão entre arte e artesanato não cabe aqui, mas é interessante notar que as peças encontradas no povoado apresentam características que se costuma atribuir aos dois tipos de produção.

Por um lado, trabalhos mais comerciais, que se repetem em quase todos os ateliês, com temas recorrentes como pássaros, peixes, sereias, cabeças humanas e animais da fauna local . Por outro, peças únicas, com temática e estilo próprios, que não destoam do conjunto, mas se destacam com bastante personalidade.

Mãos de Vandinho esculpem miniatura - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIADifícil citar nomes sem cometer injustiça, mas não se pode deixar de reparar, por exemplo, no trabalho de Petrônio, seja pelas máscaras assustadoras que caracterizam sua produção, seja pelas curiosas esculturas de mulheres, batizadas como ‘fofoqueiras’ que, enquanto não são vendidas, embelezam a janela da casa onde ele mora com Célia, mulher e empresária, responsável pela comercialização.

Petrônio começou a esculpir madeira aos oito anos de idade, em fazendas da região. Trabalhava em troca de pouso e comida, fazendo ex-votos1 para pagamento de promessas. Os ex-votos, aliás, são, segundo Petrônio, os precursores das famosas cabeças produzidas por todos os ateliês da Ilha do Ferro.

Mulher e criança em cadeiras da Ilha do Ferro - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARE DE MEMORIASe em Petrônio o que sobressai é a expressão, no trabalho de seu filho Yang, o que se destaca é a sutileza. Yang ficou famoso por suas bailarinas feitas com frágeis galhos secos.

E se o assunto é sutileza, não podemos esquecer de Vandinho. É surpreendente o tamanho das miniaturas que saem das mãos desse homem corpulento para compor delicados mobiles, chaveiros, ou abridores de garrafa. A casa de Vandinho concentra uma forte herança do talento local. Ele é neto de Josinha, o autor daquela única miniatura de barco que restou da era pré-Fernando. Já sua mulher, Cira, é bordadeira e filha do próprio seu Fernando.

A concentração de talentos em uma só família é algo natural na Ilha do Ferro. Isso ocorre também com Valmir, outro genro de seu Fernando – casado com sua filha Rejania – e dono do Ateliê Boca do Vento, que foi vencedor do prêmio Top 100 do Sebrae 2022, na Área de Artesanato. Valmir é autor das cadeiras com encosto de galhos e outras excentricidades que hoje são tidas como simbólicas da Ilha do Ferro. Suas duas filhas – Camille e Urânia – também produzem para oMáscaras de Zé Crente - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA ateliê.

Camille foi a primeira mulher a trabalhar com artesanato  em madeira na Ilha do Ferro. Começou aos seis anos de idade e hoje é responsável também pela comunicação do ateliê e pela busca de oportunidades para os artesãos do povoado. Foi ela quem viabilizou a parceria com a grife de roupas que imprimiu em seus tecidos imagens das esculturas do ateliê Boca do Vento e dos mestres-artesãos Aberaldo e Vavan.

É o caso, também, de Zé Crente, que se dedica à produção de máscaras com caras de animais. Zé crente trabalha com a ajuda da filha, Thati, que assumiu a pintura das peças do pai. Seu filho Barroso também trabalha com o pai. Além de produzir peças singulares e de ser um dos artesãos mais antigos da Ilha do Ferro, Zé Crente ficou conhecido por haver conciliado, durante Banco com cabeça de Aberaldo - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAanos, o trabalho artesanal, ou artístico, com o de coveiro do povoado, contratado pela Prefeitura. Ele só parou de exercer o ofício porque foi demitido numa mudança de administração.

A dupla jornada não é exclusividade de Zé Crente. Aberaldo, outro artesão ou artista da Velha Guarda, divide seu tempo entre a madeira e uma pousada – a única do povoado – que administra em parceria com a mulher, dona Vana. Embora, como todos os outros, produza peças bastante comerciais e repetitivas, é autor de preciosidades como os casais de negros e os bancos com cabeça.

Restou falar de Vavan, que participa, junto com Aberaldo e o ateliê Boca do Vento, da parceria que levou as imagens de suas esculturas a serem impressas em roupas de uma grife nacional. Assim como os outros, VavanPavão e homem com pavão na cabeça esculpidos por Vanvan - Fotos de Evânia Sndes Fontes - BLOG LUGARES DE MEMORIA explora uma variedade de temas, mas entre os mais frequentes estão aqueles relacionados ao Rio São Francisco. Segundo ele, as canoas de tolda representam “o rio de baixo” e as carrancas fazem alusão ao ‘rio de cima’, numa referência a dois trechos distinto do São Francisco. Mas talvez o tema que mais o identifique seja o pavão, que Vavan representa de diversas formas, até em cima de cabeças. Essa ave, típica de regiões áridas, tem variados significados simbólicos em diferentes regiões do mundo, mas todos eles se relacionam a beleza, alegria, realeza e até mesmo divindade. Apesar de já ter algumas décadas de vida, e um grande reconhecimento entre colegas, críticos e visitantes, Vavan é um dos mais novos artistas da Ilha do Ferro.

Madeira morta ou restos de barcos

A  madeira usada pelos artesãos da Ilha do Ferro é quase sempre Imburana, Mulungu ou Craibeira. A ordem, no povoado, é só usar madeira morta ou restos de embarcações abandonadas nas margens do rio.O ateliê de Dedé,que vemos na foto, expõe logo entrada o material usado nas peças2. Ateliê de Dedé - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Muitas peças são exclusivamente esculpidas, outras incluem trabalhos de marcenaria, como as cadeiras, mesas e barcos. Mas há também aquelas que ‘já vêm prontas’. Cabe ao artesão apenas enxergar a pessoa ou o animal que a natureza esculpiu e fazê-lo se revelar por meio da pintura. Isso ocorre, principalmente, com as imagens de cobras e de lagartos.

Foi fazendo essa leitura, de qual imagem cada galho de árvore poderia revelar, que seu Fernando ensinou a atual geração a esculpir e a pintar. Depois que identificava o animal ‘aprisionado’ na madeira, o aprendiz era desafiado a trazê-lo à margem pelo uso de ferramentas e pincéis. Segundo moradores e visitantes, seu Fernando inspirou e instigou uma geração inteira de artistas.

A influência da Ilha do Ferro

Clemilton e suas portas pintadas - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAA virada empreendida por seu Fernando na Ilha do Ferro parece ter impregnando os ares da redondeza. A própria Pão de Açúcar e os dois assentamentos localizados no município, abrigam artesãos experientes, que já fizeram nome pelo mundo afora. Um bom exemplo dessa influência é Beto de Meirús, residente na sede do município e chamado assim por ter nascido no povoado de Meirús.

Beto começou a vida profissional há algumas décadas, mas inicialmente atuava apenas como seleiro. Foi com o crescimento do artesanato na região que estendeu seu trabalho a todo tipo de aplicação da arte do couro, especialmente bancos e mesas.

Um expressivo sinal dessa realidade parece estar também no povoado de Mata da Onça, onde vive Clemilton, outro artesão descoberto pelo fotógrafo Celso Brandão, que se destaca pela pintura em portas e janelas antigas. Cada vez que um morador do povoado decide colocar peças novas em casa, o artista aproveita as velhas para usar como suporte de suas obras.

A pintura de Clemilton em portas e janelas é relativamente recente. No início, ele esculpia peixes, passarinhos e figuras humanas até que recebeu uma encomenda do artista visual e agitador cultural André Dantas, que vive há alguns anos no povoado. André é o criador da Cabra – um misto de Galeria e Residência Artística voltada àDona Roxinha e seus quadros - Fotos de Andre Dantas - BLOG LUGARES DE MEMORIA preservação do Patrimônio Material e Imaterial da Ilha do Ferro. Foi ele, também, ajudou a dar visibilidade ao trabalho de Maria José Lisboa, a famosa Dona Roxinha, do povoado Lagoa de Pedra.

A nova artista tem 65 anos e começou a pintar tardiamente para espantar o tédio. No começo, era apenas uma brincadeira entre ela e o marido, que desenhavam um ao outro em situações engraçadas apenas para se divertirem. Os primeiros desenhos foram feitos na parede. Com o tempo, dona Roxinha foi tomando gosto pelo trabalho e agora seus quadros estão espalhados por ateliês e outros estabelecimentos comerciais da Ilha do Ferro. O humor do início continua presente em seus traços e foi intensificado por sugestivas frases que servem como uma espécie de complemento às mensagens visuais.

O bordado também está espalhado por alguns povoados da região, inclusive em Mata da Onça, onde vive Clemilton. Mas nesse caso não se sabe ao certo quem influenciou quem.

A tradição do bordado

Poliana segura peça tradicional de bordado Boa Noite - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAComo já foi dito lá no início, o bordado conhecido como Boa Noite foi o chamariz para o fotógrafo e a antropóloga que acabaram descobrindo a arte em madeira de seu Fernando, o que ajudou a impulsionar o talento dos moradores do povoado.

O Boa Noite é uma tradição antiga, que vem sendo transmitida de geração a geração. É o que conta Poliana Lima Gomes, uma das integrantes da atual Cooperativa Art Ilha instalada em uma pequena casa na margem do Rio São Francisco. Ela aprendeu com a mãe, que aprendeu com a avó, portanto sua bisavó, e já ensinou à filha.

O nome Boa Noite vem de uma flor nativa da região e eram motivos florais que as bordadeiras faziam surgir depois de desfiar e reorganizar as faixas do tecido. Antigamente, segundo Poliana, os bordados eram feitos em branco, mas o tempo e a interação com gente de outros lugares acabou introduzindo as linhas coloridas. Outra novidade éBordados Boa Noite coloridos - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA a temática que agora inclui também desenhos geométricos e casarios, além de elementos da fauna e da flora da região.

A herança familiar do bordado está presente também na família do seu Fernando Rodrigues, Primeiro foi a mulher que participou da cooperativa e hoje são as dua filhas: Rejania e Cira. Segundo Rejania, quem difundiu o Boa Noite na Ilha do Ferro e na Mata da Onça, muito antes da criação da cooperativa, foi Dona Ernestina, uma bordadeira vinda de Sergipe,  mas ninguém sabe dizer se o bordado foi trazido por ela ou se já existia no povoado antes de sua chegada.

As bonecas de pano

Embora não sejam representativas em termos de quantidade, as bonequeiras tem também seu lugar na tradição artesanal da Ilha do Ferro. As bonecas de pano já foram o principal brinquedo das meninas pobres da região e eram vendidas na feira. Hoje, são preciosidades feitas por apenas duas mulheres do povoado.Dona Morena com boneca na mão - Foto de André Dantas - BLOG LUGARES DE MEMORIA

A mais antiga bonequeira da Ilha do ferro é Bernadete Rosália Teixeira, que todos chamam de Dona Morena. Nascida em 1926, acabou se tornando referência para quem queria seguir o mesmo ofício. Bernadete conta que tudo começou quando o pai comprou bonecas para as quatro filhas e a dela lhe pareceu a mais feia de todas. Chateada, rasgou as bonecas das irmãs e tomou ‘uma pisa danada da mãe’. Depois que passou o choro, recuperá-las e acabou descobrindo o segredo dessa arte.

É dona Morena quem faz os bonecos de judas para serem queimados nas festas juninas. Mas, para surpresa de muitos os judas dela são mulheres. Segundo contam no povoado motivo é muito simples: ela gosta mais de fazer as roupas femininas.

Dona Morena é também contadora de histórias e benzedeira. Durante anos foi a parteira do povoado e muitos dos atuais artistas da Ilha do Ferro vieram ao mundo por suas mãos.

O nome Ilha do Ferro

Placa sobre origem do nome Ilha do ferro - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAAo fazermos os primeiros contatos no povoado ou ao lermos sobre sua geografia, descobrimos que não se trata de uma ilha e sim de uma ponta de terra cortada por um córrego.

Para fazer a ligação rodoviária entre os dois terrenos, há uma ponte molhada ( de  ) que garante a passagem em quase 100 por cento do tempo. Somente quando o São Francisco sobre muito é que o córrego transborda e alaga a ponte, deixando o povoado sem contato por terra com a sede de Pão de Açúcar.

Há quem arrisque especular que o pequeno território pode já ter sido uma ilha que ao longo dos séculos se juntou ao continente, mas essa versão não encontra eco entre os moradores da Ilha do Ferro. A maioria atribui esse nome à proximidade com uma pequena ilha da qual falarei em outra matéria: a Ilha dos Anjos.

As dúvidas também permanecem em relação à palavra Ferro. Se o artesanato local tem como base o tecido e aPlaca registra a destruição da primeira casa do povoado - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA madeira, e se a economia do povoado vem do artesanato, da agricultura e da pesca, qual a razão desse nome? Alguns são taxativos: não tem explicação. Mas seu Fernando, aquele que foi o mais famoso artesão da Ilha, tinha uma tese que deixou gravada em um quadro na parede da cooperativa de bordadeiras.      .

Segundo seu Fernando, a ilha teria sido batizada com um dos sobrenomes do proprietário da primeira casa construída no local. Chicório Sandes Ferro teria vivido no século 17 e seria seu ancestral.

Sua filha Rejania ainda guarda num quarto repleto de peças históricas, uma placa onde seu Fernando registrou a destruição dessa primeira casa já na década de 2.000.  Alguns moradores contestam essa tese sem, contudo, apresentar outra explicação.

A música na Ilha do Ferro

Joaci do pandeiro - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAOs mesmos artistas que esculpem a madeira e atuam como comerciantes das próprias peças – algumas vezes acumulando também atividades paralelas como agricultura, pesca, funcionalismo público ou comércio de outra natureza – respondem ainda pela musicalidade do povoado.

Aberaldo, por exemplo, participa da banda Meio Fio, que se reúne na calçada para tocar e cantar apenas por diversão.

O integrante do grupo que chama mais a atenção é o pandeirista Joaci Lima Silva. Ele foi, por muitos anos, encarregado de transformar os troncos que chegavam pelo rio em lâminas para serem usadas pelos canoeiros. Para isso usava uma serra que de tão grande precisava ser operada por duas pessoas. A enorme ferramenta não está mais em sua casa, mas a memória do trabalho manual permanece viva e e inspira novas incursões como a produção de pandeiros e de outras peças como o boné metálico que ele adora usar, feito com lata de goiabada.

Além de tudo, muito mais

Clientes sendo atendidas em bar na Ilha do ferro - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAConhecer artistas, ateliês, cooperativa, museu e residência artística já é motivo suficiente para se visitar a Ilha do Ferro, mas como em todo ambiente artístico, a boemia não pode ficar de fora. E, nesse povoado, as noitadas, com ou sem música ao vivo, a depender da maré, acontecem em um bar muito especial que mistura a cara dos moradores, expressada por meio do artesanato local, com a cara dos visitantes, representada por peças de todos os cantos do mundo. O dono, adivinhem, é o mesmo da Galeria/Residência Cabra e de um albergue que além de receber visitantes ,abriga gratuitamente os artistas voluntários que atuam temporariamente como residentes da Cabra.

Durante o dia, outras experiências complementam a rota dos artesãos. Entre um ateliê e outro, é imprescindível parar e observar as  casas coloridas que servem de moradia ou local de trabalho. E não se pode deixar de notar um detalhe curioso: a maioria delas contém Platibanda – um recurso arquitetônico usadoMuseu Ilha do Ferro entre ateliês - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA nas fachadas para esconder o telhado e que, em certo momento histórico, simbolizavam riqueza e erudição.

Vale a pena, também, visitar o Museu Ilha do Ferro que conta a história de seu Fernando e apresenta um painel do artesanato local em todas as suas modalidades. O museu abriga, ainda, uma peça do sergipano Véio – que também cria a partir da madeira morta – doada pelo próprio artista.

Resta falar, ainda, do banho de rio sem medo do lendário ataque de piranhas, que pode rolar na própria Ilha do Ferro ou em praias da redondeza como a da Ilha dos Anjos, que fica logo em frente. Basta contratar um dos barqueiros do povoado e passear à vontade em um tipo de embarcação de madeira conhecida em alguns pontos do Nordeste como ‘tototó’ em alusão ao barulho do motor. Os mais curiosos podem descobrir que essa ilha vai muito além do banho. Mas isso é assunto de outra matéria que virá a seguir.3

Notas

  • 1 Ex-voto é o nome dado a um tipo especial de escultura, geralmente de cera, gesso ou madeira, que os fiéis mandam confeccionar para expor nas igrejas em agradecimento por graças alcançadas. Em geral, o ex-voto representa uma parte do corpo do fiel que teria sido milagrosamente curada em resposta a uma promessa
  • 2 Há denúncias de que alguns artesãos estão deixando de lado esse compromisso e cortando árvores para extrair a madeira que precisam usar em seu trabalho, mas essa prática não deve permanecer, pois comprometeria a imagem de todos
  • 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais de Alagoas: Ilha dos Anjos / Praia do Francês / Piranhas / Penedo

Ilha do Ferro – Pão de Açúcar – Margem do Rio São Francisco – Alagoas – Brasil – América do Sul

Texto

Fotos

  • (1,2,3,5,7,8,9,10,11,13,14,16,17,19,20,21,22,23) Sylvia Leite
  • (4) Museu Ilha do Ferro
  • (6) Gustavo Sandes Fontes
  • (15,18) André Dantas da galeria Cabra

Referências

  • Livro Um Jeito de Olhar, de Fernando Rodrigues dos Santos
  • Livro Ilha do Ferro, de Celso Brandão
  • Site Artesan

Participação especial

  • Joana Wanderley, da Miúda
  • Bia Wanderley
  • Moacir Wanderley
  • Helena Wanderley

Agradecimentos

  • Joana e Maria Amélia da Casa Sibite
  • Rejania, do Ateliê Boca do Vento
  • Poliana da Cooperativa Art Ilha
  • Joaci da banda Meio Fio
  • Dão, barqueiro e artesão ( 79 -99960-4313)
  • Célia e Petrônio (autor das máscaras)
  • Gustavo Sandes Fontes, bisneto de Josinha
  • André Dantas, da Galeria/residência artística Cabra i9= Evânia Sandes Fontes do Museu Ilha do Ferro
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21 Comentários
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Ivan.f.barbosa
Ivan.f.barbosa
1 ano atrás

Parabéns pela matéria

João Vicente Menezes
João Vicente Menezes
1 ano atrás

Muito bom e fidedigno!!!

Sonia Maria Pedrosa Silva Cury
1 ano atrás

Pro talento, não há barreira! Importante registro, Sylvinha!

Val Cantanhede
Val Cantanhede
1 ano atrás

Excelente matéria, Sylvinha!
Fico encantada em ver o talento das pessoas nesse povoado.
Arte ou artesanato? Ambos são manifestações culturais que precisam ser divulgadas e incentivadas pelo poder público.
Bjs

Maria Helena Rodrigues
Maria Helena Rodrigues
1 ano atrás

Gostei muito Sylvia. Não consegui parar de ler. Legal. Parabéns.

Renato Vargas
Renato Vargas
1 ano atrás

excelente matéria. parabéns pelo texto.

Marcella
Marcella
1 ano atrás

Impressionada com a riqueza da Ilha do Ferro! Que lugar lindo e inspirador, e que pessoas incríveis. Fiquei com muita vontade de conhecer. Obrigada por compartilhar

ALEXANDRA MORCOS
ALEXANDRA MORCOS
1 ano atrás

Fiquei encantada em saber da existência da Ilha do Ferro e de seu artesanato, tão tradicional e rico, em termos culturais. Obrigada por compartilhar!

Wania Brito
Wania Brito
Resposta a  Sylvia Leite
1 ano atrás

Adorei a matéria, Silvinha! Parabéns! Fiquei com muita vontade de conhecer o lugar. Quem sabe no próximo retorno a Aracaju.

Glicia Salmeron
Glicia Salmeron
1 ano atrás

Parabéns, pela matéria! Estive lá e recomendo que se durma na pequena cidade, onde respiramos arte a cada casa que visitamos. Lugar muito gostoso e muito bom ter o rio São Francisco a todo tempo para admirar.

Deyse
Deyse
1 ano atrás

Excelente destino para passear conhecer culturas e fazer compras. Adorei saber da Ilha do Ferro, um ateliê em cada esquina.