Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
Quem visita o Teatro de Epidauro (ou Epidaurus), na Grécia, pode fazer o teste: qualquer coisa que se fale na área destinada aos atores é ouvida da primeira à 55ª e última fileira da platéia, que tem capacidade para 13 mil1 espectadores. Mas como se explica que um teatro a céu aberto e construído quase 400 anos antes do início da Era Cristã seja considerado o melhor ou, pelo menos, um dos melhores do mundo em acústica?
Várias equipes de especialistas vêm estudando o fenômeno ao longo de décadas sem chegar a uma conclusão definitiva, mas parece haver consenso de que alguns fatores somados contribuem com a excelente propagação do som. O primeiro deles é o silêncio. O Teatro de Epidauro, assim como outros teatros gregos, foi construído em um terreno afastado, onde o nível de ruído é de aproximadamente 30 decibéis, considerado adequado para bibliotecas. Essa característica é comum a todos eles e sabe-se, inclusive, que alguns teatros gregos localizados dentro de cidades eram isolados por muros para que o silêncio fosse garantido.
O segundo fator, muito comum nesse tipo de construção da Grécia Antiga, é a forma geométrica semicircular que, segundo especialistas, favorece o deslocamento do som desde o centro até as bodas. Alguns textos sobre o tema lembram que as pregações de Jesus Cristo eram feitas sempre em anfiteatros naturais localizados em encostas ou colinas.
A pequena distância entre o palco e a última fileira também contribuiria para a excelência acústica de Epidauro. De acordo com uma lei da física, denominada Lei dos inversos dos quadrados, cada vez que se dobra a distância entre o emissor do som e seu ouvinte, perdem-se 6 decibéis. A fim de reduzir essa perda, e de evitar que os espectadores de uma fileira se tornassem barreiras para os das filas posteriores, os teatros eram projetados com uma grande inclinação. Além disso, eram construídos em uma posição tal que o vento mais constante na região soprasse na direção que vai do palco à plateia. E havia ainda a questão térmica. Conscientes de que a velocidade de propagação do som pode ser alterada pela variação de temperatura, os responsáveis pelos teatros marcavam os espetáculos para os horários mais favoráveis.
Tudo isso confirma a busca dos gregos por uma boa acústica, mas não explica a superioridade do Teatro de Epidauro sobre os outros. O resultado de uma pesquisa realizada pelo Georgia Institute of Technology, de Atlanta (EUA), e publicado pelo “Journal of the Acoustical Society of America” em 2007, no entanto, aponta uma razão que é específica de Epidauro. De acordo com os cientistas, o tipo de pedra usada em suas arquibancadas é capaz de absorver os ruídos de baixa frequência, como murmúrios da plateia, e propagar os ruídos de alta frequência como as vozes dos atores. A forma como as pedras foram alinhadas também teria influência no resultado acústico.
Há, ainda, outras explicações menos ortodoxas, como a de que a distribuição harmoniosa do som em Epidauro deve-se ao uso, em sua construção, de parâmetros da Geometria Sagrada, que foram amplamente utilizados por arquitetos e artistas nas construções das catedrais, especialmente a proporção áurea, ou divisão perfeita, presente nas plantas, nos cristais e nos seres humanos.
A descoberta do Teatro de Epidauro
A história desse teatro é tão impressionante quanto a sua excelência acústica. Acredita-se que foi construído entre os anos 330 e 350 Antes de Cristo pelo arquiteto e escultor Policleto, mas em algum momento deixou de ser usado e acabou desaparecendo sob as oliveiras.
Não se sabe por quanto tempo o teatro permaneceu escondido por uma camada de aproximadamente seis metros de terra e vegetação. Sua descoberta ocorreu no século 19, graças a um texto deixado pelo geógrafo Pausânias onde ele afirma que “em Epidauro fica o mais notável teatro do Mundo Antigo”.
Instigado pela informação, o arqueólogo Panagís Kavadias iniciou uma busca e conseguiu localizá-lo em 1881. Da descoberta até resgate foram seis anos de escavações até aparecer um teatro praticamente intacto, diferente de outros que estão parcialmente destruídos ou já tiveram algumas partes refeitas.
Por causa do seu bom estado de conservação, passou a ser usado novamente para a realização de espetáculos e hoje está integrado ao Festival Athenas – Epidaurus, que reúne anualmente apresentações de artistas das áreas de teatro, dança e música em sítios arqueológicos e é considerado o mais importante da Grécia.
Um teatro dentro de um centro médico
Se hoje o Teatro de Epidauro é importante pelo impressionante exemplo de acústica e pelo que representa para a arqueologia, na Grécia Antiga seu valor estava diretamente relacionado ao papel que as artes cênicas ocupavam na sociedade.
Sua origem está relacionada aos cultos a Dionísio, deus do vinho e da fertilidade. Os rituais duravam cerca de uma semana e incluíam cantos líricos que aos poucos foram evoluindo para uma representação teatral. Embora os cultos religiosos continuassem existindo, o teatro foi aos poucos se desligando das funções rituais e ganhando vida própria, a ponto de influenciar não apenas a sociedade grega, mas outros povos da região, e posteriormente os romanos.
Pouco a pouco, a função das representações passou a ser social: servia à disseminação de ideias e valores e, como alcançava praticamente toda a população, acabou desempenhando um papel educacional. O teatro também foi usado pelos gregos em tratamentos de saúde. Os antigos centros de cura ou santuários de Esculápio, deus da medicina, eram considerados os mais importantes do período e tinham todos um teatro para uso de seus pacientes. O de Epidauro pertencia a um desses centros.
Assim como em Pérgamo2, o centro de cura atraia doentes de toda parte e talvez seja essa a razão do atual vilarejo de Epidauro ter sido uma florescente cidade na época em que o teatro foi construído às margens do Mar Egeu.
O teatro era público, mas localizava-se dentro do santuário a fim de possibilitar o acesso dos pacientes. Isso ocorria porque os médicos viam a palavra como um poderoso instrumentos de cura ao lado de outros recursos como a meditação e a interpretação de sonhos.
O significado da palavra grega para teatro (theátron) é “lugar onde se vê” ou “lugar para olhar”, mas com o passar do tempo os diálogos foram ganhando cada vez mais importância nos espetáculos. Como lembra Augusto Boal em seu livro “Hamlet e o filho do padeiro – Memórias imaginadas”, os gregos “nunca mostravam em cena atos de violência, mortes, assassinatos, suicídios, olhos furados… As tragédias aconteciam através das palavras”. Talvez por isso fosse tão importante para eles encontrar uma acústica perfeita para cada teatro.3
Notas
- 1 Há quem fale em 14 mil
- 2 Pérgamo é tema da matéria "Pérgamo: o paraíso das palavras", postada aqui no blog "lugares de memória".
- 3 Leia, também, matérias sobre outros monumentos ou sítios arqueológicos da Grécia e Turquia: Oráculo de Delfos / Troia / Éfeso / Capadócia / Cisterna da Basílica / Pequena Sofia
Teatro de Epidauro – Santuário de Esculápio – Epidauro – Peloponeso- Grécia
Fotos
- (1,2,3 e 5) Pixabay - licença CC0
- Site do Festival Athenas - Epidauro - Evi Fylaktou - Divulgação
Mais um texto delicia. Depois da tragédia repetida de Brumadinho, com o soterramento de pessoas, culturas locais, arte, cidades, o texto foi um sopro de alento e alívio.
Obrigada, Mercedes! Feliz por ter proporcionado alento e alívio. Triste pelas vítimas da tragédia em Brumadinho e pelo descaso com as questões ambientais.
Que maravilha! Não conheço a Grécia, mas seu texto sobre o Teatro Epidauro acendeu a chama de conhecer esse berço da civilização.
Gratidão,Sylvinha,por suas publicações sempre inspiradoras!
Abraços
Val Cantanhede
Obrigada, Val. É bom saber que o blog ajuda a despertar desejos Esta é s ideia rsrs Abraços.
Ótimo texto. Usei com meus alunos do 8º e 9º anos, estou introduzindo o tema Teatro e comecei pelo grego. Não podia ficar sem falar do Epidauro. Como as aulas agora são remotas e virtuais, nada melhor que um texto da internet pra trabalhar com eles. E este texto foi enriquecedor.
Que maravilha, Wanessa. Me sinto muito gratificada com isso. Talvez te interessem também as matérias do blog sobre o Tetro Municipal do Rio de Janeiro e sobre o Teatro Oficina.
Visitar a Grécia é um sonho antigo. Confesso que soube da existência do Teatro de Epidauro atráves do seu post. Realmente é uma aula de acústica e as leis da física são incríveis!
A Grécia é toda maravilhosa. Queria ter várias vidas para ir dezenas de vezes a cada lugar. Acho que iria à Grécia todos os anos hehehe
20000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000000
Isso é um elogio?? SE for, mmmmmmuuuuuiiiiittttoooo obrigada!Da próxima vez deixe seu nome.
A Grécia é um lugar incrível, um museu ao céu aberto. Muito interessante a história do Teatro de Epidauro.
A Grécia realmente é um paraíso. Temos algumas matérias aqui bo blog sobre cidades ou monumentos grecos e virão outras. Confira!
A Grécia está na minha lista de destinos desejados, e vai ser melhor ainda com conhecimentos tão especiais que você nos proporciona. obrigada por compartilhar seus conhecimentos. beijos
A Grécia é meu sonho de viagem internacional que ainda não realizei mas pretendo em breve. Acabei de saber pelo seu post sobre o Teatro de Epidauro, já quero conhecer.
O Teatro de Epidauro é uma maravilha, aliás, a Grécia toda é uma Maravilha. Sempre quis ir e agora quero voltar.
Amo a Grécia, tudo lá é surpreendente e o Teatro de Epidauro parece ser um lugar imperdível para conhecer.
É mesmo. Emociona constatar que tanto tempo atrás já havia um conhecimento tão sofisticado de acústica.