Atualizado em 31/10/2024 por Sylvia Leite
Quem passa perto do Parque da Luz, no Centro de São Paulo, depara-se com um antigo prédio de tijolos aparentes em uma de suas extremidades. Nele, funciona a Pinacoteca do Estado ou Pinacoteca de São Paulo – o mais antigo museu de arte da cidade. Na época de sua inauguração, em 1905, havia apenas essa construção principal, erguida cinco anos antes para abrigar o Liceu de Artes e Ofícios. Mas o projeto deu frutos e tornou-se um complexo de arte brasileira formado por três casas: a Pinacoteca, a Estação Pinacoteca e a mais recente Pina Contemporânea – cada uma delas com suas especificidades.
O acervo de artes visuais da instituição reúne hoje cerca de 11 mil peças produzidas a partir do século 19. Entre os autores estão importantes artistas brasileiros como Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Anita Malfatti, Almeida Júnior, Lygia Clark. A Pinacoteca realiza, a cada ano, em torno de 15 exposições e recebe cerca de 800 mil visitantes.
Uma história não linear
Todo esse vigor, no entanto, é resultado de vitórias mais recentes. Em suas primeiras décadas de existência, a Pinacoteca de São Paulo enfrentou diferentes desafios. O prédio, que tinha sido projetado para outro fim, nunca chegou a ser concluído tanto que acabou não recebendo a cúpula nem o reboco, razão pela qual tem paredes de tijolos aparentes.
A instituição chegou a fechar e a ceder parte ou mesmo a totalidade de suas instalações para outros fins. Em menos de três anos, o prédio foi duas vezes utilizado como alojamento de soldados. A primeira durante a Revolução de 30, quando abrigou a Primeira Legião vinda do Paraná. A segunda, durante a Revolução Constitucionalista, ao receber o Batalhão Militar Santos Dumont.
Com o acervo espalhado por outras instituições, a Pinacoteca só conseguiu reabrir em 1936, assim mesmo em outro endereço. A retomada do prédio original só ocorreria quase duas décadas depois da desocupação, só que dessa vez como proprietária do prédio. Ainda assim, nas décadas seguintes, dividiu espaço com a Faculdade de Belas Artes e outras instituições – fase que só terminou em 1969, quando a escola foi transferida para uma sede própria na Vila Mariana.
A fim de compensar a baixa visitação, a instituição criou, no final da década de 1940, o projeto Pinacoteca Circulante, que levava obras consagradas do acervo para serem expostas em diversas cidades do interior. Foram mais de 100 exposições, vistas por cerca de 300 mil pessoas em 70 cidades do interior. O projeto durou cerca de três décadas e foi a principal atividade da Pinacoteca de São Paulo no período – quando era claro o desinteresse dos paulistanos pela instituição.
Mesmo com todas essas dificuldades, a Pinacoteca de São Paulo foi ampliando lentamente seu acervo que chegou a 1969 com 2 mil obras – muito pouco perto do volume atual, mas um grande avanço em relação ao momento de sua inauguração, quando havia apenas 26 quadros, vinte dos quais transferidos do Museu do Estado, mais conhecido como Museu do Ipiranga 1
Certamente contribuiu para a consolidação do acervo da Pinacoteca de São Paulo, a proibição do empréstimo de suas obras a repartições públicas seguido de uma resolução que determinou a devolução de todas as peças emprestadas anteriormente. Mas os primeiros sinais de crescimento da instituição vieram na década de 1970, com uma ampla reforma do prédio, a inauguração oficial da Biblioteca – que já funcionava precariamente – e o início das exposições temporárias e de acervo. Também nessa década, teve início a movimentação para o tombamento do prédio, alcançado em 1982.
Foi na década de 1990, no entanto, que a Pinacoteca ganhou força. A reforma projetada pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, adequou o prédio às suas novas exigências. Logo após a obra, iniciaram-se as grandes exposições de artistas europeus que atraíram milhares de pessoas e fizeram com que a instituição fosse integrada no circuito de exposições internacionais. Somente a mostra “Auguste Rodin: a porta do inferno”, atraiu, em apenas dois meses, cerca de 200 mil pessoas – dois terços do público conquistado pela instituição em três décadas de exposições circulantes.
Um do fatores de fortalecimento da instituição foi a criação, na mesma década, da Associação dos Amigos da Pinacoteca, que teve a função inicial de captar recursos e ajudar na organização de atividades culturais, mas acabou tornando-se gestora da instituição. A expansão da Pinacoteca teve início em 2004, com a inauguração da Estação Pinacoteca no antigo prédio do Departamento de Ordem e Política Social (Dops). Quase duas décadas depois, em 2023, foi inaugurada a Pina Contemporânea.
Pina Luz
O edifício Pina Luz – como é conhecida a sede principal da Pinacoteca de São Paulo – foi projetado pelo famoso escritório do arquiteto Ramos de Azevedo e sua última reforma, na década de 1990, foi assinada pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha e mereceu o Prêmio Arquitetura Mies van der Rohe para América Latina. A obra preservou o edifício histórico – inclusive as paredes sem reboco – , adaptando a estrutura do prédio a padrões internacionais – como acesso do público e segurança das obras, segurança e climatização. A novidade foi a inserção de elementos de aço e vidro que atenderam a necessidades práticas e imprimiram aos ambientes um aspecto de contemporaneidade.
Uma das novidades da reforma foi a criação do espaço Octógono – resultante da instalação de clarabóias translúcidas nas áreas descobertos do prédio. Esse novo ambiente – antes caracterizado como pátio interno – permitiu a exposição de trabalhos em grandes dimensões que não podiam ser expostos ao ar livre e acabou estimulando a criação de obras concebidas especificamente para ocupá-lo.
Nesse prédio principal encontra-se, além do acervo, e dos espaços de exposições temporárias, um dos mais importantes laboratórios brasileiros de conservação e restauro. Do lado de fora, no Parque da Luz, ou Jardim da Luz como é mais conhecido, estão 32 esculturas de grande porte do acervo da instituição que formam um museu a céu aberto com obras de Victor Brecheret, Anilcar de Castro, León Ferrari e Nuno Ramos.
Pina Estação
O segundo prédio da Pinacoteca de São Paulo – também projetado por Ramos de Azevedo e reformado pelo arquiteto Haron Conhen – é uma construção de seis andares, e 8 mil metros quadrados de área construída. Está localizado ao lado da Estação Júlio Prestes e foi erguido para servir de armazém central à Companhia Sorocabana de trens. Entre 1942 e 1983, funcionou como sede do Deops – o Departamento de Ordem Política e Social – conhecido por sua atuação na repressão política.
Quatro dos seis andares do prédio – inclusive o que era usado como prisão temporária do Deops – abrigam hoje o Memorial da Resistência de São Paulo, uma instituição da área dos Direitos Humanos, dedicada à pesquisa e documentação da memória da resistência e da repressão política no Brasil. Os outros dois andares são destinados a reserva técnica e exposições temporárias.
A Estação Pinacoteca integra o complexo Cultural Júlio Prestes que inclui também a São Paulo Escola de Dança – criada no final de 2021 – e a Sala São Paulo – casa da Orquestra Sinfônica do Estado.
Pina Contemporânea
O mais recente espaço agregado à Pinacoteca de São Paulo é a Pina Contemporânea – instalada em um terreno vizinho ao Parque da Luz justamente do lado onde se localiza o prédio principal, ou Pina Luz. Nos dias em que o parque está aberto – fecha às segundas -, há acesso direto entre essas duas Pinas por meio de um portão interno2.
A Pina Contemporânea funciona nas antigas instalações do Colégio Estadual Prudente de Moraes que foi transferido para uma construção nova no mesmo bairro. A escola era composta de dois prédios: o primeiro, do final do século 19 – o prédio amarelo -, foi uma das primeiras construções escolares da cidade. O outro, da década de 1950, ocupava a maior parte do terreno e foi projetado como escola-modelo pelo arquiteto Hélio Duarte. Ambas as estruturas permanecem no imóvel atual, restauradas e adaptadas pelo arquiteto Silvio Oksman, em parceria com os Arquitetos Associados.
Além de abrigar duas galerias para obras em grande formato, ateliês para desenvolvimento de programas educativos, um centro de documentação e uma biblioteca de artes visuais, a Pina Contemporânea tem uma ampla área externa que inclui espaços de circulação, uma praça pública com arquibancadas destinada a atividades artístico/culturais e até um mirante.3
Notas
- 1 Só para esclarecer: o Museu do Estado é um museu histórico. A Pinacoteca de São Paulo é o primeiro museu de arte de do Estado
- 2 O Parque da Luz pertence ao Município e a Pinacoteca de São Paulo pertence ao Estado
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros museus de São Paulo: Museu das Favelas / Museu das Culturas Indígenas / Museu da Imigração / Museu dos Óculos / Museu do Ipiranga
Pinacoteca de São Paulo – Parque da Luz – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
Referências
- Site Oficial da Pinacoteca
Participação especial
- Carlos Brizolla
Que bacana. Vale a pena ir visitar.
Vale, sim, Fátima. A Pinacoteca tem prédios lindos e excelentes exposições.