Atualizado em 29/10/2024 por Sylvia Leite
Nem tudo que está no Museu do Ipiranga diz respeito diretamente à Independência do Brasil, mas foi para marcar esse fato histórico que seu prédio foi construído. A ideia era criar um monumento comemorativo ao famoso ‘grito’ nas proximidades do Ipiranga, pois embora todos saibam que a independência é resultado de um longo processo, aprendemos que foi à margem desse riacho, quando voltava de Santos para São Paulo, que o imperador Dom Pedro I decidiu tornar o Brasil independente de Portugal. E para marcar o momento histórico, ergueu sua espada, gritando: “Independência ou morte”1.
A frase deu título a uma obra de arte encomendada pelo governo da província de São Paulo para ocupar o Salão de Honra do monumento. O quadro, de autoria do escritor, filósofo e artista plástico paraibano Pedro Américo, tem 7,6 metros de largura por 4,5 de altura e foi concluído em 1888. Desde essa época, está chumbado na parede de tal forma que nunca pôde ser retirado de lá, nem durante as obras de restauração do prédio.
Além da localização geográfica do quadro que não pode ser retirado de sua parede, e do seu objetivo inicial , o prédio do Museu do Ipiranga integra o Parque da Independência, onde está localizado um memorial em cuja cripta encontram-se os restos mortais de Dom Pedro I e de suas duas esposas. Dentro do parque há, ainda, uma casa que se tornou simbólica porque pode ter servido de modelo para uma imagem de casebre que aparece ao fundo do tal quadro “Independência ou Morte”. Mesmo datando de um período posterior ao fato histórico, a pequena construção acabou conhecida como Casa do Grito.
O encontro entre monumento e museu
Todas essas referências dizem respeito apenas ao prédio, porque o projeto inicial do edifício não previa que se instalasse ali um museu. O monumento, como já disse, foi planejado para celebrar a Independência. Ocorre que o projeto ficou parado por décadas e quando a obra foi concluída, em 1895, o Brasil já havia proclamado a República. Como o governo republicano não tinha interesse em valorizar um monumento do Império, resolveu dar a ele uma outra função e transferiu pra seu interior o Museu do Estado (ou Museu Paulista) que estava recém inaugurado.
Inicialmente voltado para a História Natural, o museu logo dirigiu seu foco para o tema do Renascimento da Nação, com base na ideia de que a história do desenvolvimento do Brasil era a história do desenvolvimento de São Paulo. As coleções de zoologia, botânica, etnologia e mineralogia que compunham parte do acervo inicial, com o tempo foram transferidas para outras instituições. O mesmo aconteceu com coleções de arte. A ideia era que o Museu do Ipiranga se caracterizasse como um museu de História.
Ao longo do tempo, a imagem do museu sobrepôs-se à de monumento à Independência, mas a instituição nunca deixou de ser vinculada a esse fato histórico. Embora seu nome oficial tenha sido sempre Museu do Estado ou Museu Paulista, logo tornou-se popularmente conhecido como Museu do Ipiranga, em referência à sua localização e ao ‘grito’ de Dom Pedro I. Além disso, o quadro “Independência ou Morte’, que decora o Salão de Honra do edifício, passou a ser visto como seu principal ícone.
Desde 1963, o Museu do Ipiranga é administrado pela Universidade de São Paulo que o define como um museu universitário dedicado ao estudo da sociedade brasileira e de sua cultura material. O nome Museu Paulista constitui agora uma espécie de guarda-chuva que abarca também o Museu Republicano, localizado em Itu, no interior de São Paulo.
Do antigo ao novo Museu do Ipiranga
Em 2013, o Museu do Ipiranga foi fechado porque as paredes apresentavam rachaduras e o teto do Salão Nobre ameaçava desabar. A partir daí, o prédio – projetado em estilo eclético pelos arquitetos italianos Tommaso Gaudenzio Bezzi e Luigi Pucci – passou por uma reforma que durou nove anos.
Reafirmando seu vínculo histórico, o Museu do Ipiranga foi reaberto ao público no dia 7 de setembro de 2022 – data do bicentenário do grito de Dom Pedro I -, com uma exposição temporária que tinha como tema as “Memórias da Independência”.
A extensa reforma do Museu do Ipiranga duplicou sua área física – inicialmente de sete mil metros quadrados – e triplicou seus espaços de exposição. A principal novidade foi a construção de um novo pavimento no subsolo para abrigar toda a parte de infraestrutura como bilheteria, guarda-volumes, auditório, café, fraldários, laboratórios artísticos e salas administrativas, além de um novo espaço expositivo.
A reforma trouxe também a recuperação das fontes que haviam sido retiradas do Jardim francês, projetado pelo paisagista Belga Arsênio Puttemans e reformado na década de 1920 pelo alemão Reynaldo Dierberger. Criou, ainda, um mirante sobre o torreão central de onde o visitante pode admirar tanto o jardim francês como o Bosque do Ipiranga.
Mas além de toda essa ampliação da estrutura física e do restauro do prédio histórico, a reforma também repensou o projeto museugráfico, o que trouxe mudanças significativas na organização do acervo. São mais de 450 mil peças – entre objetos e documentos datados do século 17 ao século 20 -, que nos relevam como era o Brasil no período em que se deu o processo de Independência, além de apresentar diversos registros da história de São Paulo. Todo esse material teve sua forma de apresentação inteiramente modificada.
O novo projeto museográfico reafirma a ideia de Independência, mas, nesse caso, não apenas de Portugal, mas principalmente das formas oficiais de registro, catalogação e divulgação dos acontecimentos históricos. Em contraste com a configuração anterior, a história não é mais contada a partir de figuras ilustres nem em concordância o relato oficial, mas de de maneira crítica, deixando claro que para cada fato existe sempre mais de uma versão. Essa nova postura fica clara nas 11 exposições de longa duração, mas em algumas delas aparecem de modo mais explicito.
A mostra “Territórios em Disputa”, por exemplo, lembra, por meio de objetos e imagens, que a colonização pode ser vista sob vários ângulos e que eventos considerados como conquistas pelos europeus, não passaram, para as populações nativas, de invasão de territórios, destruição de aldeias e escravização do seu povo.
Já a exposição “Passados Imaginados”, deixa claro que as telas com representações de cenas e personagens históricos refletem não a realidade em si, mas o ponto de vista de seus autores, que desvalorizavam os negros e os povos originários.
A nova proposta museológica traz, ainda uma radiografia dos bastidores do Museu do Ipiranga por meio de quatro exposições que revelam o trabalho de profissionais de diversas áreas ao longo de quatro etapas: coleta, catalogação, conservação e comunicação.
O novo espírito crítico do museu está bastante evidente, também, na exposição Uma História do Brasil na qual representações de figuras históricas como os Bandeirantes, e mesmo o icônico quadro “Independência ou Morte” são discutidos e interpretados a partir de novos olhares.
E para completar, o acervo do novo Museu do Ipiranga tornou-se mais próximo do público, ao receber réplicas de objetos históricos que podem ser tocadas e experimentadas.2
Notas
- 1 A frase completa é: É tempo! Independência ou morte! Estamos separados de Portugal!
- 2 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais de São Paulo: Theatro Municipal / Museu das Favelas / Teatro Oficina / Parque Augusta / Viaduto do Chá / Edifício Matarazzo / Vila Itororó
Museu do Ipiranga – Ipiranga – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1,4,6,7,8) Sylvia Leite
- Pintura de Pedro Américo - domínio público em Wikimedia
Referências
- Site Oficial
- Site da USP
- Museu do Ipiranga Virtual
- Memórias da Independência - livro de Emilly Gondin e Gabriela Varão
Participação especial
- Clara Leite de Rezende: desembargadora aposentada
Vale revisitar. O Museu do Ipiranga é sempre um bom programa.
Com certeza, Soninha. O Museu do Ipiranga é sempre um bom programa.
Excelente explanação sobre o Museu. Seu detalhamento enriqueceu mais ainda o que Precisamos saber sobre a Nossa História. Obrigada Silvia Leite!!!
Eu que agradeço. Pela leitura e pelo comentário. O Museu do Ipiranga está mesmo muito bonito. Vale a pena conhecer.
Excelente matéria, Sylvinha!
Conheci o antigo Museu do Ipiranga, ainda nos anos 70, quando morava em SP.
Esse novo espírito crítico, principalmente no que se refere aos bandeirantes, era mesmo necessário.
Bjs
É verdade. Um dos grandes ganhos do novo museu eu é esse espírito crítico que nunca houve.
Que interessante a história do Museu do Ipiranga, não sabia dessa “crise de identidade” até que chegasse ao que é hoje hahaha Mas é a cara do Brasil atrasar tanto uma obra até que ela perca o sentido, não é mesmo? Ainda bem que ele foi resgatado e se tornou o que é. Estou louca pra ir conhecer!
O Museu do Ipiranga é mesmo muito interessante.
Quando estive em em São Paulo só pude ver o Museu do Ipiranga por fora, pois estava fechado para obras, queria muito ter conhecido. ótimo post!
Vale a pena visitar o novo Museu do Ipiranga.
É muito importante revisitarmos a história de nossa terra! Vou me organizar para visitar o museu, agora que foi reaberto. Eu sempre quis conhecer! Obrigada por compartilhar essas valiosas informações.
Eu que agradeço, Alexandra, pela leitura e pelo comentario. Você vai gostar de conhecer o Museu do Ipiranga,
Fui ao Museu do Ipiranga faz um bom tempo, voltei a São Paulo recentemente, mas não consegui ingresso para os dias que fiquei na cidade, quero muito revisitar, soube que a revitalização deixou o museu muito melhor. Sem dúvida é um lugar pra conhecer em São Paulo.
Com certeza, Cynara, o Museu do Ipiranga está muito melhor depois da revitalização e é um lugar especial pra se conhecer em Dão Paulo.