Museu da Natureza: um retrato da espiral da vida

Tempo de Leitura: 5 minutos

Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite

Espiral do Museu da Natureza - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAA espiral é um dos símbolos mais usados quando se quer fazer uma representação material do movimento e da evolução do universo. Provavelmente por isso, foi a imagem escolhida pela arquiteta Elizabete Buco para dar forma ao prédio do Museu da Natureza, na Serra da Capivara, Sudeste do Piauí. Segundo um texto exibido no próprio museu, a encomenda era clara: a idealizadora do projeto, a arqueóloga franco-brasileira Niéde Guidon, queria que a história a ser contada ali avançasse tanto no tempo como no espaço.

E assim foi feito, tanto no aspecto arquitetônico como no museológico. Por meio de imagens, textos e modernos recursos tecnológicos – alguns deles interativos – o Museu da Natureza apresenta, em uma ordem que lembra as voltas da espiral, as sucessivas reciclagens que marcaram a história da terra –  a começar pelo seu surgimento, há 9 bilhões de anos, quando a morte de uma estrela proporcionou a formação do sistema solar.

O enfoque escolhido pelos criadores do Museu da Natureza para narrar a história natural está centrado no clima, partindo do principio de que são suas Sala da Megafauna no Museu da Natureza - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA“manifestações espasmódicas” que determinam “o rumo das espécies, as possibilidades de vida e a biodiversidade” como afirma Marcello Dantas, o curador da instituição. Segundo Dantas, no Museu da Natureza “o tempo não se manifesta por meio de relógios ou cronologias, mas do movimento das nuvens”.1

Dentro dessa perspectiva, o museu nos conta, por exemplo, como ocorreu o desaparecimento dos dinossauros em consequência de uma sensível elevação da temperatura do planeta provocada por uma sucessão de eventos naturais. O mesmo enfoque é usado no relato de como surgiram e desapareceram as espécies da chamada megafauna que habitou vários pontos da terra, inclusive a Serra da Capivara.2

História natural Serra da Capivara

Instalação do mar no Museu da Natureza - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAAs variações do clima no Piauí e seus impactos na biodiversidade são apresentados com destaque no Museu da Natureza. Ficamos sabendo, por exemplo, que a região da Serra da Capivara já esteve coberta pelo mar e isso ficou evidente quando os pesquisadores da equipe de Niéde Guidon encontraram fósseis de trilobitas – uma espécie de artrópodes que viveu nos oceanos por cerca de 300 milhões de anos, entre os períodos Cambriano e Permiano.

O Museu da Natureza destaca, ainda, a última grande mudança da região, ocorrida cerca de 10 mil anos atrás e provocada pelo fim da Era Glacial. Foi uma transformação consumada ao longo de três mil anos, e marcada pela queda da umidade e elevação da temperatura, o que provocou a extinção de muitas espécies, inclusive dos dinossauros.

Antes desse aquecimento, a Serra da Capivara era cortada por rios e lagos, tinha um clima mais úmido e menos quente e estava coberta por vegetação de Cerrado – considerado um dos biomas com maior nível de diversidade. Painel Cerrado-Caatinga no Museu da Natureza - Foto de Sylvia Lete - BLOG LUGARES DE MEMORIAApós a transformação, instalou-se na região vegetação da Caatinga – o único bioma exclusivo do Brasil, caracterizado pela aridez e por temperaturas que variam entre 25 e 29 graus centígrados.

O impacto dessa mudança é vivenciado pelo visitante por meio de um painel sanfonado que em uma das faces apresenta a imagem do Cerrado e na outra a da Caatinga. Quem chega ao ambiente, pode observar as duas imagens de uma só vez – uma no próprio painel e a outra refletida em um espelho paralelo.

Outro grande espaço do Museu da Natureza é dedicado à exposição da biodiversidade da Caatinga, que reúne cerca  de 3 mil espécies já identificadas – uma diversidade maior, segundo informa um dos painéis, do que a de toda a Europa. São cerca de 600 espécies de aves, 200 de mamíferos e 200 de répteis. Isso sem falar nos vegetais, com destaque para os cactos e o umbuzeiro que são capazes de sobreviver à estiagem e servir como alimento para animais e seres humanos nos períodos de seca.

Um apelo por compromisso e criatividade

Sala do mobile gigante no Museu da Natureza - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAA escolha do clima como recorte da narrativa do museu nos aproxima, como lembra Marcello Dantas, do grande problema ambiental de nossos dias: o aquecimento global. A diferença, como ele próprio ressalta, é que, embora o problema atual seja similar em proporção a outras tantos já enfrentados pela humanidade, desta vez a mudança climática “tem o homem como um de seus principais protagonistas”, o que, segundo ele, nos coloca diante de um desafio e de uma responsabilidade.

Embora o museu inteiro funcione como um alerta nesse sentido, é na sala dos espelhos que a mensagem vem de forma objetiva. Nela, uma espécie de mobile gigante nos apresenta exemplares da fauna e da flora enquanto visualizamos nossa própria imagem e um painel onde se lê o alerta: “…Os níveis de gás carbônico emitidos pela humanidade – resultado de queimadas, desflorestamento e atividade industrial entre outros – têm contribuído drasticamente para o aquecimento do planeta”. O texto diz, ainda, que o intenso derretimento das geleiras provocará inúmeras alterações climáticas que colocarão em risco a vida na Terra.

Still do video da espiral no Museu da Natureza - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIAHá outro momento específico em que nós, visitantes, somos chamados à reflexão. Deitados em um enorme cama redonda, assistimos a um vídeo cujas imagens são recortadas por uma máscara em forma de espiral e o áudio nos informa, por exemplo, que “a cada hora, 9 mil pessoas se somam à população do mundo e três espécies entram em extinção”.

Mesmo com todos os alertas, a mensagem do Museu da Natureza – expressada por meio de seu curador – é otimista e aponta a criatividade como o  grande recurso para enfrentarmos a situação adversa em que nos encontramos. Segundo Dantas, “será com ela – e com compromisso – que poderemos encontrar um caminho para nossa espécie tendo em conta o tamanho do desafio”.

Notas

  • 1 As declarações de Marcello Dantas foram extraídas de texto exibido em um dos painéis de entrada do Museu da Natureza
  • 2 Algumas espécies da Megafauna, como o Elefante, a Girafa e o Leão, ainda sobrevivem na África. O termo Megaflora pode definr, também, animais de porte maior que o humano, mas aqui foi usado no sentido de animais gigantes que habitaram a terra e conviveram com o homem pré-histórico

Museu da Natureza – Coronel José Dias – Piauí- Brasil – América do Sul

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  • Sylvia Leite

Referências

  • Museu da Natureza
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Sonia Pedrosa
9 meses atrás

O clima é um dos temas mais importantes nos tempos atuais e essas instituições têm papel fundamental, no sentido de alertar o homem para o futuro equivocado que estamos construindo. Anda que seja uma luta árdua, tenho fé nas futuras gerações. Que elas aprendam agora.

Maria de Lourdes Guimarães
Maria de Lourdes Guimarães
9 meses atrás

Que bárbaro Sylvia!! Uma super indicação e experiência!! Que saibamos respeitar e preservar tudo isto com muita consciência!!

Hilda Liberman
Hilda Liberman
9 meses atrás

Texto maravilhoso! Clareza…e a clareza é bela!

Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
Valdeci da Silva Meneses Cantanhede
9 meses atrás

Excelente matéria, Sylvinha!
Conheci o trabalho primoroso da arqueóloga Niéde Guidon e de sua equipe quando visitei o local.
A beleza e a criatividade do projeto de Elizabete Buco fazem do Museu da Natureza uma referência obrigatória para estudantes, pesquisadores e defensores da causa ambiental.
Abraços

Augusta Leite Campos
Augusta Leite Campos
9 meses atrás

Uma brilhante idéia colocar o clima como o condutor das transformações observadas ao longo da história do planeta Terra. Além de tudo muito atual, pois nos lembra que poderemos ter o destino dos dinossauros se não usarmos nossa criatividade e poder de decisão a nosso favor. O museu também através de recursos tecnológicos e lúdicos nos leva a uma viagem de Asa Delta sobre o Parque da Capivara e aflora em nós a criança que voa e cuja criatividade não tem limites. Sylvia neste texto faz esse vôo conosco e aumenta nossos horizontes de conhecimento.