Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Embora o nome sugira o contrário, o Castelo de São Felipe de Barajas – ou Castillo de San Felipe de Barajas, como se diz em Espanhol – nunca foi um edifício residencial. Sua construção, iniciada no século 17, teve o claro objetivo de proteger Cartagena – famosa por sua riqueza –, do ataque de piratas e invasores estrangeiros. Ao adquirir a configuração atual, o que só aconteceu no século seguinte, a fortificação transformou-se em uma das maiores obras militares da Espanha no chamado Novo Mundo – com 15 mil metros quadrados – e talvez a mais cuidadosamente planejada para esse fim.
A estratégia teve início na escolha da localização. Quando foi iniciada a construção da fortaleza, a cidade já estava protegida dos ataques marítimos vindos do Mar do Caribe nas duas entradas da baía: na de a Bocagrande, hoje conhecida como Escallera, foi construída uma barreira de pedras submersas que impedia a passagem de embarcações, e na entrada de Bocachica já havia os fortes de São Fernando e de São José. Assim, o Castelo de São Felipe teria como função principal proteger Cartagena de ataques por terra ou pelas águas internas da baía.
A primeira parte do castelo foi erguida no topo colina de São Lázaro, 40 metros acima do nível do mar – de onde se pode enxergar tudo que acontece ao redor. Esse edifício inicial continha uma espécie de quartel e um pátio com quatro torres de observação. Depois, vieram as baterias, distribuídas em vários níveis, obedecendo a inclinação do terreno, para abrigar um total de 63 canhões, quase todos voltados para a terra, e alguns mirando áreas internas da própria fortaleza, para atacar o inimigo em uma eventual invasão.
Guaritas localizadas nas baterias fazem também o papel de passagens de um andar a outro e permitem que soldados posicionados em andares superiores enxerguem o que está ocorrendo nos andares inferiores sem serem vistos por quem está abaixo. Os muros da fortaleza foram planejados especialmente para protegê-la dos ataques. Além de inclinados, são ocos e preenchidos com material pulverizado, para que os tiros disparados contra ela percam o efeito. Mas o que chama mais a atenção é a rede de túneis subterrâneos que interconecta baterias e outras divisões da fortaleza.
Os túneis e suas lendas
Mais que uma via para locomoção interna, o que por si só já protegia os soldados da exposição ao inimigo, os túneis serviam como canais de comunicação, pois receberam um tratamento acústico capaz de amplificar os sons de tal modo que até um esfregar de mãos podia, e ainda pode, ser ouvido a longa distância. Assim, em caso de uma invasão, a presença de inimigos nos primeiros metros do túnel já era detectada por soldados posicionados em pontos mais internos e mais altos da fortaleza, o que permitia uma reação imediata.
Como eram organizados em rede, os túneis também funcionavam como labirintos, nos quais os inimigos podiam perder-se para sempre e os soldados, por outro lado, podiam assalta-los de surpresa. Além disso, abrigavam paióis, onde podiam ser armazenados tanto a pólvora dos canhões como outros materiais bélicos.
Esses túneis não eram exclusividade do Castelo de São Felipe. Nos fortes de São Fernando e São José, construídos para defender a entrada da baía em Bocachica, também havia essas passagens subterrâneas. Talvez por isso, acreditava-se que além dos túneis internos, houvesse outros, bem maiores, fazendo a ligação entre as fortalezas e entre elas e a cidade amuralhada – área que hoje é conhecida como Centro Histórico.
Segundo a lenda, seriam túneis submarinos, com muitos quilômetros de extensão. Um deles ligaria o interior do Castelo de São Felipe à Catedral de Cartagena, no Centro Histórico. Outro sairia do mesmo local em direção à Ilha de Tierrabomba , localizada na frente da baía, fazendo a ligação com o Forte de São Fernando.
A lenda dos túneis ainda povoa o imaginário dos cartageneros, mas, em 1989, uma equipe liderada pelo diretor, produtor, diretor e realizador de documentários colombiano Roberto Tovar Gaitán, e assessorada pelo guia cartagenero Moisés Jiménez, vasculhou as passagens subterrâneas dos três fortes e não encontrou as lendárias passagens submarinas.1 Segundo esses exploradores, a rede de túneis do Castelo de São Felipe de Barajas, embora longa e complexa, começa e termina nos limites de sua própria área e o mesmo acontece nas outras duas fortalezas.
A defesa de Cartagena
Toda essa estrutura de defesa era justificada pela cobiça dos tesouros guardados em Cartagena. A cidade era sede do Império Espanhol nas Américas e moradia dos vice-reis. De seu porto, partiam para a Espanha, as riquezas saqueadas no Peru e do vice-reino de Nova Granada, que incluía, os territórios pertencentes hoje a Colômbia, Equador, Panamá e Venezuela.
Cartagena foi invadida e saqueada em duas ocasiões: a primeira foi em 1586, muito antes da construção do Castelo de São Felipe de Barajas. Quem comandou o ataque foi o corsário inglês Francis Drake que ocupou a cidade por um mês, se apossou do ouro e da prata e, ao sair, deixou tudo destruído. Na segunda invasão, comandada pelo corsário francês Baron de Pointis, em 1697, a cidade foi novamente saqueada e, dessa vez, apesar de toda estratégia de defesa, o castelo foi tomado. Mas, nessa época, ainda não existiam os túneis.
Outro ataque importante só voltou a ocorrer em 1741. O comandante inglês Blas de Lezo y Olavarrieta, que era manco, caolho e tinha somente um antebraço.
A batalha teria sido uma das ações mais significativas de um conflito entre a Grã Bretanha e a Espanha conhecido como a Guerra da Orelha de Jenkins, em referência a um episódio anterior em que um militar espanhol cortou a orelha de um corsário inglês. Por causa da vitória dos espanhóis, a tentativa de invasão a Cartagena teria sido varrida da história inglesa. E também por causa dessa vitória, Blas de Lezo ganhou uma estátua em frente ao Castelo de San Felipe de Barajas.
Depois da batalha com os ingleses, os espanhóis decidiram reforçar a estrutura de defesa do castelo e mandaram construir os lendários túneis que custaram muito dinheiro e o pesado trabalho de aproximadamente 20 mil negros escravizados. Pode ter custado, ainda, algumas vidas, pois segundo uma lenda contada em Cartagena, e supostamente confirmada por pesquisadores, a argamassa usada na construção do castelo contém sangue humano e de animais.
Segundo se conta na cidade, os túneis nunca chegaram a ser usados militarmente, pelo menos não em batalhas. Em compensação, são cada dia mais visitados por turistas. Eles chegam de toda parte, atraídos pela história e pelas lendas que envolvem essas passagens subterrâneas e a fortaleza como um todo.2
Notas
- 1 Em 2019, cerca de três décadas depois, os registros em vídeo feitos durante a expedição foram editados em um documentário composto por três episódios, denominado Tuneles de Cartagena e veiculado no canal Roberto Tovar Gaitán, no YouTube
- 2 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre lugares especiais da Colômbia: Catedral de Sal / Cartagena / Museu Botero
Castelo de São Felipe de Barajas – Cartagena – Colômbia – América do Sul
Fotos
- (1) Martin St-Amant (S23678) em Wikimedia CC BCC BY-SA 3.0
- (2) Ofélia Onias
- (3,4,6,7) Sylvia Leite
- (5) Matiasmaggio - Wikimedia, CC BY-SA 3.0
- (9) Wikimedia, CC BY-SA 3.0
- (10) Adriana Molina - Pixabay
Referências
Documentários
Para saber mais
Muchas gracias! No conocía está historia
Eu que agradeço. Pela leitura e pelo comentário. Beijo
Que bom saber dessa história, Sylvinha! Adorei.
Legal, né? Valeu, Soninha, beijo.
Maravilhosa reportagem!!!
Que bom que gostou! Pena que não deixou seu nome. Toda semana tem matéria nova aqui no blog.
Delícia de texto,Sylvinha! Como sempre,com a riqueza de detalhes que nos encanta.
Abraço fraterno,
Val Cantanhede
Valeu, Val, abração.
Que delicia este castelo de sao felipe de barajas. Visitei Cartagena em 2016 e me encantei com este castelo e como ele estava preservado. Infelizmente na epoca não pude entrar mas só de vê-lo por fora foi incrivel. E voce gosta do interior destes casteos antigos?
Delícia mesmo, Moispes. Pena que você não conseguiu entrar. O bom quando essas coisas acontecem é que nos dão motivo pra voltar.
Nossa, adorei seu post sobre o Castelo de San Felipe de Barajas. Cartagena foi uma das cidades que eu mais gostei de visitar até hoje e lendo seu texto pude matar um pouco da saudade. Parabéns pelo post, obrigada por compartilhar. Beijinhos
Adoro quando os textos do blog despertam lembranças e boas sensações. Obrigada por me contar.
Quanta informação curiosa a respeito do Castelo de São Felipe de Barajas,o guardião de Cartagena. Certamente estará em minha lista de pontos turísticos quando estiver em Cartagena.
Não vai se arrepender. O castelo é instigante e Cartagena é linda.
Ah Colômbia, cada dia que passa quero mais te conhecer. Encantada com o Castelo de São Felipe de Barajas. Quanta coisa legal tem a Colômbia, e a lista está crescendo, kkk
A Colômbia é realmente encantadora. Aqui no blog tem algumas matérias sobre preciosidades colombianas: a Catedral de Sal, o castelo, Cartagena e breve virão outras.
Tenho muita vontade de visitar Cartagena. Adorei ler sobre o Castelo de São Felipe de Barajas.
Cartagena é uma preciosidade. Pena que ultimamente esteja superlotada. Ainda assim, vale a pena. E o castelo é fascinante. Não perca!
Adorei ver os tuneis e conhecer mais sobre o Castelo de São Felipe de Barajas, eu gosto muito de passeios históricos e esse é muitíssimo interessante.
É mesmo, Van. Esse Castelo de São Felipe de Barajas é fascinante e merece ser visitado.
Muito bom o seu texto, teria alguma informação especifica sobre San Felipe se é o santo?
Oi Tiago, sim. San Felipe é um santo da Igreja Católica e aparece em textos religiosos como um dos primeiros discípulos de Jesus. Mas a fortaleza de Cartagena foi batizada com esse nome por causa do Rei da Espanha Felipe IV. Naquele período, era comum monumentos receberem nomes de santos com o propósito de homenagear autoridades homônimas.
[…] inclui também curiosidades sobre seu título e os motivos de suas capas – canhões (da cidade Cartagena) e mulheres […]