Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
Embora muita gente não saiba, é praticamente impossível circular em Brasília sem se deparar, pelo menos uma vez, com algum dos painéis, divisórias, portas ou relevos geométricos criados pelo artista plástico Athos Bulcão. Eles estão em toda parte, a começar pelos prédios considerados ícones da cidade como o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto, o Itamaraty ou a famosa Catedral – todos projetados por Oscar Niemeyer, um dos nomes mais importantes da arquitetura moderna internacional. Estão também em lugares menos nobres, mas de grande circulação de pessoas, como o aeroporto, hotéis, ministérios, prédios comerciais e residenciais.
A primeira obra assinada por Bulcão em Brasília foi concluída em 1958, dois anos antes da inauguração da cidade: são azulejos de fundo azul, com pinturas em branco e preto, que alternam desenhos estilizados do Espírito Santo e da Estrela de Belém. Os painéis revestem as paredes laterais da Igrejinha de Nossa Senhora de Fátima, projetada por Oscar Niemeyer a pedido de dona Sarah, a mulher do presidente Juscelino Kubitschek, que precisava pagar uma promessa pela cura de sua filha. Apesar de ser considerado o trabalho mais representativo dos painéis do artista, guarda uma diferença dos demais – é o único, em azulejo, com elementos figurativos.
Entre as obras mais conhecidas de Bulcão está a treliça que delimita a Sala dos Tratados, no mezanino do Paláco do Itamaraty. A divisória tem cerca de 22 metros de largura por quatro de altura e combina uma estrutura de madeira com peças de ferro pintado nas cores vermelho, branco e preto. Na mesma sala, encontra-se a mesa dos tratados, talhada em jacaradá, sobre a qual a princesa Isabel assinou a Lei Áurea.
Outra obra bastante divulgada é o painel Ventania, que reveste a parede do jardim interno do Salão Verde da Câmara dos Deputados. Para o mesmo Salão Verde, Bulcão criou o muro escultórico que serve como divisor de ambientes e há ainda outros cinco painéis do artista nas dependências da Câmara.
Menos conhecidos, mas também localizados em espaços nobres, são o relevo em mármore do Supremo Tribunal Federal; a porta em aço com vitrais coloridos da Capela Nossa Senhora da Conceição, no Palácio da Alvorada; o painel de azulejos no batistério da Catedral Metropolitana e o teto com placas metálicas no plenário do Senado Federal.
Fora das estruturas política e religiosa, as obras de Bulcão espalham-se por lugares mais expostos ao grande público como o Aeroporto Juscelino Kubitschek e o Brasília Pálace Hotel. Sua presença é marcante também no Teatro Nacional, onde realizou relevos em concreto na fachada e, em mármore, na Sala Vila-Lobos, além de painéis com função acústica.
O artista de Brasília
A partir de 1958, a história de Bulcão se confunde com a de Brasília. Ele chegou ao Distrito Federal em 1958, a convite de Oscar Niemeyer, e começou a desenvolver um trabalho que de arte integrada e acabou transformando a cidade em um museu a céu aberto e levando cor e movimento à bela arquitetura de concreto de Niemeyer.
Bulcão ficou em Brasília até o fim da vida. Ele morreu em 2008, aos 90 anos. Foi amigo de importantes artistas, como Carlos Scliar, Jorge Amado, Pancetti, Enrico Bianco, Milton Dacosta, Vinicius de Moraes, Fernando Sabino, Paulo Mendes Campos, Alfredo Ceschiatti, Manuel Bandeira – e considerava todos eles responsáveis por sua formação.
Teve também uma estreita ligação com Candido Portinari, de quem foi assistente na pintura do mural de São Francisco de Assis na Igreja da Pampulha . Foi por meio de Portinari que conheceu Niemeyer, seu futuro parceiro na maioria dos trabalhos que realizou em Brasília. Trabalhou, ainda, com o arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, que ficou conhecido pelos projetos que realizou para a Rede Sarah de Hospitais.
Bulcão era carioca do Catete e passou sua infância em Teresópolis. Ainda muito jovem, abandonou o curso de Medicina para se dedicar às artes plásticas e iniciou uma carreira voltada para o público.Mas seu público não é é formado por frequentadores de galerias e museus, mas por pessoas comuns que circulam pelos prédios públicos e privados e, ao fazer isso, entram em contato com seus painéis, relevos, divisórias, muitas vezes sem se dar conta de que estão diante de uma obra de arte.
O Instituto Athos Bulcão
A preservação da memória de Bulcão e a catalogação de sua obra é feita pela Fundação Athos Bulcão, criada em 1992. Em sua pequena sede, na CLS 404, Asa Sul de Brasília, a fundação realiza exposições temáticas e mantém uma loja onde são comercializados de marcadores de livros a cadeiras, com padrões criados pelo artista.
A entidade mantém, ainda, projetos educativos, restaurações e publicações, entre as quais o livro “Athos Bulcão”, vencedor do prêmio Jabuti 2010, na categoria “Arquitetura e Urbanismo, Fotografia, Comunicação e Artes”. 123
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre obras ou museus-casas de artistas citados nesta matéria: Museu-Casa de Portinari / Museu-Casa do Rio Vermelho (Jorge Amado) / Igreja da Pampulha
- 2 Leia, também, matéria sobre Brasília
- 3 E se você gosta de geometria, leia, também, a matéria Padrões Geométricos
Para saber mais
- Descubra o que fazer em um fim de semana em Brasília em postagem do blog Destinos por onde andei
- E para um panorama completo da Capital Federal, leia o texto O que fazer em Brasília, do blog Mundo Viajante
Geometria de Athos Bulcão – Prédios públicos e privados – Brasília – Distrito Federal – Brasil- América do Sul
Fotos
- (1) Ricardo Padue/Instituto Athos Bulcão
- (2) Foto Olimor- Obra do próprio - Wikimedia - CC BY-SA 3.0
- (3) Tuca Reinés / Instituto Athos Bulcão
- (4, 5, 6, 7) Edgard Cesar/ Instituto Athos Bulcão
Referências
Livros
- Athos Bulcão, Fundação Athos Bulcão (Prêmio Jabuti 2010)
- Catálogo do Acervo da Fundação Athos Bulcão
Referências visuais
- Doodle do Google
- Vídeo sobre a obra de Athos Bulcão
Agradecimentos
- Vitor Borysow - assessor de comunicação da Fundação Athos Bulcão
- Fundação Athos Bulcão
Obrigada por mais este conhecer!
Que trabalho lindo,qu eeu até conhecia, mas não sabia do autor. Adorei, Sylvinha!
Beijo
sonia pedrosa
Muito bom, Sylvia!
Eu que agradeço, Teca, pela leitura e pelo comentário. Bjs
Valeu, Soninha, bjs
Obrigada, mas faltou deixar seu nome rsrs
Parabéns por resgatar neste texto tanta arte e conhecimento que para muitos passa despercebido. Adorei Sylvinha
Parabéns por resgatar neste texto tanta arte e conhecimento que para muitos passa despercebido. Adorei Sylvinha
Valeu, Silvio. Bom saber que gostou. bjs
Obrigada. Pena que não se identificou!
Bulcão com sua arte engajada continua a fazer parte da história cultural de Brasília.
Gratidão, Sylvinha, pelo belo texto, , que resgata a importância desse carioca que se fez "candango".
Abraços
Val Cantanhede
Eu que agradeço, Val, pela leitura e pelo comentário, bjs
Belo artigo, bem completo e ótimas referencias iconográficas…
Que bom ter conhecido pessoalmente a maioria das obras do artista carioca em Brasília e ter tido oportunidade de apreciar de perto em particular o Muro escultórico anos atrás, pois é… Fiquei mexida, triste e cheia de reflexões… Que bom que essa obra pôde ser restaurada.
Recomendei aos meus alunos do curso Arquitetura e Urbanismo da Universidade Santa Úrsula que pesquisassem sobre o Athos Bulcão, há anos estamos estudando, conhecendo suas obras dos azulejos aos seus relevos, precisamente o Sol Faz a Festa.
Fico feliz em saber que o texto é da pesquisadora Sylvia Leite autora do livro ‘O Simbolismo dos Padrões Geométricos da Arte Islâmica’ maravilha!
Parabéns a Fundação
Obrigada pelo comentário, Moema. Bom saber que conhece o meu livro. Aqui no blog tem uma matéria sobre padrões geométricos e outra sobre Alhambra.Talvez te interesse.