Chuí e Chuy: unidas e separadas por uma via

Tempo de Leitura: 6 minutos

Atualizado em 07/10/2021 por Sylvia Leite

Avenida que separa o Brasil do Uruguai - Foto Georgez em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAQuem nasceu no Brasil pelo menos até a década de 1970, decorou para sempre que Oiapoque é o extremo Norte do país e Chuí é seu extremo Sul. Assim, ao chegar ao Chuí, me senti como se estivesse alcançado um território quase inatingível, existente apenas nos livros de escola. E para completar essa sensação de conquista, descobri que ao dar apenas alguns passos, conseguiria cruzar livremente a fronteira com o Uruguai: sem mala, sem documento e sem passar por revista.

A via que separa e une os dois países tem um nome para cada uma de suas pistas: do lado brasileiro, chama-se Avenida Uruguai e, do lado uruguaio, chama-se Avenida Brasil. Apenas 12 metros precisam ser percorridos, por moradores ou turistas que desejem iatravesssar de uma calçada à outra, de modo que um brasileiro pode ir e voltar do Uruguai várias vezes ao dia e o mesmo acontece com os uruguaios em relação ao Ponto extremo do Brasil no Arroio Chuí - Foto de FrancoBras em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIABrasil.

Do Oiapoque ao Chuí

A imagem que fazemos do Chuí como limite extremo foi reforçada pela expressão “Do Oiapoque ao Chuí”, que costuma ser usada pelos mais velhos quando queremos dar um sentido de abrangência, seja geográfica, cultural ou de adesão. Quando queremos dizer, por exemplo, que algo está sendo feito, ou disseminado no país inteiro. E a expressão ficou tão conhecida que continuou a ser usada mesmo depois de comprovado que o pronto extremo ao Norte não fica no Oiapoque e sim no Monte Caburaí, em Roraima.

Na verdade, nem mesmo a cidade de Chuí corresponde exatamente ao limite Sul do país. O que está nos livros como extremo Sul  – e que acabou gerando a expressão – é uma curva do Arroio Chuí localizada na vizinha Santa Vitória do Palmar. Mas esses detalhes não comprometem, nem de longe, a sensação que temos – ao chegarmos a Chuí – de estarmos no centro da história, ou melhor, da Geografia brasileira. E mesmo a cidade não sendo exatamente o ponto extremo, Chuí é o município mais setentrional do país e sua sede incorpora todas as características de uma cidade de fronteira.Placa indicando a fronteira Brasil Uruguai - Foto de Dantadd em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIA

Uma mescla de culturas

As pessoas que cruzam diariamente essa linha divisória – para trabalhar, fazer compras ou passear no país vizinho – mesclam seus idiomas, culturas, e, em muitos casos, também suas famílias. E a mistura não inclui apenas brasileiros e uruguaios porque, desde a década de 1950, há uma colônia palestina na fronteira que fala Árabe e preserva sua religião. Embora os três idiomas sejam falados nas duas cidades, o Espanhol predomina tanto de um lado como do outro. Isso talvez se deva ao fato de Chuy ter uma população maior que Chuí e de haver mais uruguaios do lado brasileiro que brasileiros do lado uruguaio. Provavelmente pela mesma razão, o predominio uruguaio também parece ser maior na culinária e na música.

Farol do Chuí na praia Barra do Chuí - Foto de FrancoBras em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAOs moradores duas cidades vivem basicamente do comércio de fronteira alimentado, em parte, pelas próprias cidades fronteiriças e, em parte, pelos turistas que chegam à região em busca de diversos atrativos, que incluem  praias de ambos os lados.

Uma região com praias e fortalezas

Se as cidades Chuí e Chuy são unidas e, ao mesmo tempo, separadas por uma avenida, as também vizinhas praias Barra de Chuí e Barra do Chuy são unidas e seperadas pelo arroio de mesmo nome que deságua no oceano Atlântico. Barra do Chuí é conhecida pelas dunas, mas, principalmente por seu farol, fundado em 1910 e considerado o mais avançado do país, com iluminação automática e rádio farol com alcance de 30 milhas. Já Barra do Chuy tem como ícone o monumento La Mano, esculpido em homenagem a um amigo de infância do escultor Ruben Alberti, que teria sido encontrado morto no local. O monumento foi destruído e reconstruído várias vezes, uma delas pela ditadura militar, segundo se conta por se tratar de uma mão esquerda.

Além das praias, os principais atrativos para os turistas são as fortalezas – resquícios da disputa travada entre espanhóis e portugueses pelo domínio da região entre os séculos 18 e 19. Os conflitos só iriam terminar depoisEntrada da Fortaleza de Santa Teresa - Foto de Sylvia Leite - BLOG LUGARES DE MEMORIA de proclamadas a independência do Brasil e a do Uruguai que, livres de Portugal e da Espanha, assinaram um tratado de limites em 1851.

A fortaleza de Santa Teresa nasceu como uma fortificação de campanha, a mando do governador e capitão-general da Capitania do Rio de JaneiroGomes Freire de Andrade, em 1762. O objetivo era fechar o caminho terrestre junto ao litoral, de quem ia da Colônia do Sacramento para a vila do Rio Grande. Mas antes da conclusão da obra, a fortaleza foi tomada pelos espanhois. Já o Forte de São Miguel foi construído também pelos protugueses, mas no local onde antes já havia uma fortificação de campanha erguida pelos espanhóis. Assim como Santa Tereza, também foi tomada pelos espanhóis.

Interior do Forte de São Miguel com capela - Foto de Gabriela2465 em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAAmbas as fortificações ficaram abandonadas por décadas, O Forte de São Miguel permaneceu em ruínas desde a Guerra da Independência e só foi reconstruído, de acordo com os planos originais, mais de um século depois. A Fortaleza eve Santa Teresa teve um tempo menor de abandono. Foi usada até meados do século 19 e recuperada em 1895 para ser usada como presídio. Em 1927, passou por nova obra de recuperação que incluiu o reflorestamento da área para evitar que fosse novamente encoberta pela areia. Hoje, a Frtaleza de Santa Tereza é o atrativo principal do Parque Nacional Santa Tereza, que foi criado para protegê-la e abriga uma estrutura de lazer e turismo.

Chuí e Chuy: nomes de origem indígena

Diferentes na grafia, mas usados para nomear lugares da mesma região, Chuí e Chuy são, na verdade, a mesma palavra em uso por dois idiomas. Sua origem, segundo a maioria das fontes, está no idioma Tupi Guarani. Segundo o antropólogo e escritor Daniel Granada, “chui”  ou “chuy” é o nome usado pelos indígenas para designar um pássaro de peito amarelo, nativo da região. Já o escritor Tancredo Blotta afirma que chuí (ou chuy) é uma palavra composta que podeeríamos traduzir como “rio de água parda”.

O historiador brasileiro Péricles Azambuja cita uma versão segundo a qual a palavra chuí teria sido levada ao local por tribos das regiões andinas. Talves os Charrúas ou os Chanás. Há, ainda, quem considere chuí uma palavra de origem Queechua, com o significado de mestre ou narrador da tradição oral. 1

Notas

Chuí e Chuy – Rio Grande do Sul e Rocha – Brasil e Uruguai – América do Sul

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Referências

  • Prefeitura de Chuí
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Jane Alves
Jane Alves
2 anos atrás

Sendo da geração “Oiapoque ao Chuí”, é a primeira vez que leio uma matéria sobre a região, desde a lacônica informação do livrinho de Gaspar de Freitas no primário, metade História, metade Geografia. Fiquei curiosa com vontade de passear pra lá e pra cá em cima da “linha” Chuí-Chuy. Mais um lugar para o qual Sylvinha nos desperta a atenção em seu estilo objetivo e conciso, estimulando o sonho de conhecer tudo! Haja vida e dinheiro, adeus pandemia e crises…

William
William
2 anos atrás

Muito legal, Sylvia. Me deu vontade de conhecer o Uruguai todo.

Sonia pedrosa
Sonia pedrosa
2 anos atrás

Nunca imaginei que um dia fosse conhecer o Chui. Lendo seu texto, vejo que preciso voltar!

sidneyjs
sidneyjs
2 anos atrás

Sempre uma emoção. E porque não algumas compras do lado de lá. As mulheres que alugam identidade pensando que você é do Chuí, é uma onda.

hebe
hebe
2 anos atrás

Muito bom seu post sobre a região do Chui e Chuy, estive no Uruguai, mas não conheci. Mas agora preciso voltar para poder passear pela linha dos 2 países. (rs)

Marcella
Marcella
1 ano atrás

Que interessante a história de Chuí e Chuy! Passei por lá em minha viagem para o Uruguai mas não tive tempo de conhecer. Parece ser legal das uma passeada por lá 🙂

Angela Martins
Angela Martins
1 ano atrás

Adoro ler seus posts e aprender sobre a história dos lugares que vou visitar! Estou indo para o Chuí na próxima semana.

Cynara Vianna
1 ano atrás

Que interessante esse texto Sylvia, eu já tinha ouvido falar que esses destinos não eram exatamente os extremos norte e sul do nosso país, mas não sabia quais eram, muito menos nunca tinha visto nada sobre o Chuí.