Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
Quem caminha pela rambla de Montevidéu pode até não saber, mas está refazendo simbolicamente a história da vida na Terra, contada pela Tira del Tiempo – um conjunto de marcos plantados ao longo das praias que margeiam o Rio da Prata. São 20 km de trajetória e 26 placas de ferro. Cada uma delas representa uma efeméride, ou momento crucial de desenvolvimento da vida, e está posicionada ao longo da orla em escala com a história geológica, isto é: em distâncias que correspondem, proporcionalmente, aos intervalos de tempo entre os acontecimentos ocorridos ao longo de quatro bilhões de anos.
Em um cálculo grosseiro, e talvez um tanto impreciso, pode-se dizer, apenas para dar uma ideia, que cada passo andado na rambla corresponde a 100 mil anos de história da vida. Além dessa viagem no tempo, que por si só já fascina, os caminhantes da rambla têm a possibilidade de acessar, com seus celulares, as principais informações sobre cada efeméride, bastando, para isso, que façam a leitura do código QR colocado em cada placa.
E isso não é tudo: junto à experiência temporal e ao acesso à informação científica, os observadores podem usufruir também de uma experiência estética, porque cada uma das 26 placas traz um desenho, gravado no metal, em alusão à efeméride que demarca.
A ‘evolução’ em 26 estações
A história contada pela ‘Tira del Tiempo y de la Vida’ da rambla de Montevidéu toma como base a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, formulada no século 19 e apresentada no livro A Origem das Espécies, publicado em 1859.
A primeira placa nos informa sobre o “final do bombardeio tardio” – o acontecimento que teria aberto as portas para o surgimento da vida na terra. Durante esse bombardeio, iniciado quando a terra tinha cerca de 700 milhões de anos, teria havido um aumento repentino do número de asteroides nas regiões mais centrais do sistema solar, e isso teria provocado fortes impactos nos planetas e satélites – as crateras da lua, por exemplo, são atribuídas à ação desses asteroides. Com o fim dos impactos, a terra teria adquirido a estabilidade necessária ao surgimento da vida.
Na segunda placa, temos um desenho alusivo ao RNA – o famoso ácido ribonucleico que estudamos na escola. Essa efeméride marca a Origem
da Vida, ocorrida no momento em que, a partir de uma evolução química na atmosfera da terra, compostos simples teriam adquirido complexidade, propiciando o surgimento da primeira célula primitiva. O RNA, que já integraria essa célula mãe, teria lhe permitido copiar-se a si mesma transmitindo a informação genética , que é a característica distintiva da vida.
Ao longo dos quatro bilhões de anos percorridos por essa linha do tempo, são documentados eventos como a formação da camada de ozônio, o aparecimento da espinha dorsal, a conquista da terra firme pelos vertebrados, o nascimento das aves. Entre os momentos mais marcantes dessa jornada estão o ‘surgimento dos organismos pluricelulares’, quando células individuais passaram a reunir-se em colônias, dando a origem a seres mais complexos, e a ‘explosão câmbrica’, quando teria havido a evolução dos 35 grupos de animais que existem até hoje.
A última efeméride corresponde ao desaparecimento dos dinossauros – provocada pelo impacto de um asteroide que se chocou contra a terra. E assim como o fim do bombardeio tardio teria possibilitado o surgimento da vida em nosso planeta, o fim dos dinossauros teria deixado o terreno livre para o surgimento os mamíferos, grupo ao qual, todos sabemos, pertence a espécie humana.
De onde vem a ‘Tira del tiempo’?
Por incrível que pareça, muitos Uruguaios, inclusive de Montevidéu, nunca prestaram atenção à ‘Tira del Tiempo y de la Vida’ nem sabem explicar a razão daquelas placas que alguns deles já se acostumaram a avistar quando andam pela rambla. Talvez isso se deva ao fato de os idealizadores do projeto não terem tido tempo de divulgá-lo. Na verdade, os marcos de ferro são a ponta de um bonito iceberg que prometia enriquecer a estrutura de equipamentos culturais de Montevidéu, mas foi interrompido logo no início: o Museu del Tiempo. Os marcos – única parte do projeto a ser concretizada – seriam a interface do museu com a cidade e, ao mesmo tempo, o chamariz para seu conteúdo interno.
O Museu del Tiempo seria (ou talvez ainda seja um dia) instalado na rambla, preservando e incorporando em sua estrutura um casarão histórico que já funcionou como sede de uma empresa de gás de hulha instalada no porto de Montevidéu. Pela localização e pelo conteúdo previsto no projeto, seus idealizadores acreditavam que o novo museu seria importante não apenas para os uruguaios, mas para visitantes de toda parte.
A ideia do projeto era concentrar no Museu del Tiempo todas as disciplinas científicas, desde a mais simples à mais complexa, dentro de chaves como a medida do tempo e sua percepção, a evolução da paisagem e da vida, a povoação da América e sua megafauna, a harmonia entre o ser humano e a natureza. Nesta última estariam incluídos estudos sobre a Economia Azul, que propõe um desenvolvimento sustentável a partir da utilização racional dos recursos dos oceanos. O projeto do museu previa, ainda, outras três linhas do tempo: da evolução humana, da humanização da América e da História recente.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares ou museus do Uruguai: Chuí e Chuy / Castelos Pittamiglio / Piriápolis / Colônia do Sacramento / Casapueblo
Tira del Tiempo y de la Vida – Museo del Tiempo – Montevidéu – América do Sul
Fotos
- (1, 8,9,10,11) Site oficial
- (2) Sylvia Leite
- (3,4,5,6,7) Site Museu del Tiempo /Tira del Tiempo
Referências
- Site oficial Museo del Tiempo
Para saber mais
- Para dicas de roteiro na capital uruguaia, leia a postagem Montevidéu em 3 dias - o que fazer, no blog Uma Viagem Diferente
- Conheça, também, um roteiro especial sobre os Jardins em Montevidéu, no blog 6 Viajantes
Obrigado Sylvia, Esse assunto é fascinante e creio que cada vez mais deva tomar a atenção cotidiana das pessoas. astronomia, Geologia, Ecologia, Cosmologia etc tendem a ser ciências cada vez mais familiares aos jovens pois o futuro aponta para a vida fora do do planeta. Eu já estive por essa rambla mas não vi esses marcos. O Uruguai mais uma vez sai na frente com essa proposta educativa num equipamento urbano.
Pois é, Gilberto, pena que esteja parado. Mas quem sabe retomam? Obrigada pelo comentário. bj
Que projeto magnífico!Tomara que haja continuidade e que a rambla se torne referência na América Latina.
Bjs,
Val Cantanhede
Sim, tomara mesmo, mas está difícil. Já faz um tempo que pararam.
Excelente, Silvinha.
Como sempre.
Parabéns!
Valeu, Fafá, beijo
Sylvinha, quanta informação interessante!
Adorei saber.
Grande beijo!
sonia pedrosa
Que bom, Soninha! É interessante mesmo. Obrigada pelo comentário. Bj
Silvia adorei seu post sobre a história das Ramblas de Montevideu. Estive na cidade e confesso que realmente não reparei nesses marcos, mas amei seu post, muito interessante. Parabéns!
Obrigada, Hebe. Eu também nunca tinha ouvido falar. Descobri por acaso, passeando na rambla e fiquei encantada com o projeto que, infelizmente, parou no meio. Tomara que um dia seja retomado.
Que interessante, Sylvinha! Eu não lembro de ter visto esses marcos quando estive por lá. Quero ter outra chance para conferir tudo isso que você contou. Muito legal.
Você só vai perceber se andar pela Rambla. Os marcos ficam distantes um do outro, então náo é fácil identificar o conjunto se a pessoa não tiver uma informação prévia.
É tão bom ler o seu blog e descobrir coisas que provavelmente de outro modo nunca saberia. Adorei saber que a tira del tiempo y de la vida tem por base a teoria da evolução de Charles Darwin.
Que bom que gosta do blog. Se puder, compartilhe e ajude a divulgar heheh. A Tira del Tiempo é muito interessante. Se for a Montevidéu não deixe de procurar pelos menos alguns marcos.
Muito obrigada por este post tão o instrutivo. Amei conhecer Tira del Tiempo e a história da vida na rambla de Montevidéu.
Eu fiquei encantada quando me deparei, por acaso, com um dos ‘totens’ da Tira de Tiempo, ao andar pela Rambla de Montevidéu. E não sosseguei enquanto não descobri do que se tratava, qual era a proposta, a que instituição estava ligada.