Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
A propriedade onde estão as cinzas não é aberta ao público e a história de Welles não está incluída no imaginário coletivo de Ronda, mas quem quiser relembrar a relação entre o artista e a cidade pode visitar sua escultura, onde uma placa exibe a seguinte frase “Um homem não é de onde nasceu, mas de onde escolhe morrer..”2. Pode, ainda, andar sem pressa pelo “Passeo Orson Welles”, uma espécie de parque que fica bem próximo. Na mesma área, encontra-se a escultura a Ernerst Hemingway3. Um e outro passaram verões em Ronda, atraídos por sua beleza e pelas touradas. Um fez filmes, o outro escreveu, e ambos ficaram amigos do toureiro Antonio Ordoñez em cuja fazenda encontram-se as cinzas de Welles.
A experiência de Rilke foi mais solitária, mas nem por isso menos intensa. Desconhecido dos moradores, e hospedado em um hotel com poucos hóspedes, o poeta aproveitou o anonimato para passear livremente pela cidade e observar as montanhas da região que, segundo ele, “se abrem para entoar salmos por suas vertentes”4. Foi em Ronda que ele conseguiu vencer uma profunda crise artística e espiritual, em consequência da qual havia parado de escrever a série de poemas considerada pelos críticos como sua mais importante obra: “As Elegias de Duino” (Duinos Elegies).
Nos três meses que viveu em Ronda, de dezembro de 1912 a fevereiro de 1913, Rilke não apenas recuperou a inspiração e retomou a obra interrompida – começando a escrever a IV Elegia – como produziu outros textos, em prosa e verso, que foram reunidos no livro “En Ronda: cartas y poemas”, lançado, em comemoração ao centenário de sua passagem pela cidade.
Assim como Welles e Hemingway, Rilke também ganhou uma escultura em Ronda, mas a sua fica no jardim do hotel Reina Victoria, onde se hospedou. Por muito tempo, o hotel manteve, praticamente intacto, o quarto ocupado por Rilke, mas, depois de uma reforma, os objetos usados por ele passaram a ser expostos em uma área comum.
A comunhão entre Geografia e Arquitetura
Como se isso não bastasse, os dois lados separados pelo abismo são comunicáveis por meio de três pontes que marcam diferentes momentos históricos: a Velha, a Árabe e a Nova. Essa última, apesar do nome, existe há dois séculos, e, por sua monumentalidade, acabou se firmando como o principal símbolo de Ronda e um dos mais conhecidos da Andaluzia.
Uma história milenar
Até onde se sabe, quem primeiro habitou o local, no Século 6 antes de Cristo, foram os Celtas, que lhe deram o nome de Arunda. Depois vieram os gregos, que a chamaram de Runda, seguidos pelos Romanos e pelos Árabes, que permaneceram ali por cerca de sete séculos. A cidade foi reconquistada pelos reis católicos em 1485 e depois invadida por Napoleão.
Os árabes talvez sejam aqueles que deixaram influencias mais marcantes na paisagem urbana, a começar pelas ruas estreitas com casas caiadas, muito comuns em outros pontos da Andaluzia, especialmente nos chamados “Pueblos Blancos”5. Desse período, restaram algumas muralhas, inclusive as que cercavam a cidade com sua entrada principal conhecida como Puerta de Almocabar. Sobrevivem também os banhos árabes, construídos no século 13 e considerados os mais bem conservados da Espanha, com o sistema hidráulico praticamente intacto e as aberturas no teto para passagem de luz ainda bem delineadas em forma de estrela. Foi também do período de domínio árabe o
Palácio de Mondragón, usado como residência oficial pelo rei Abomelik e pelo governador Hamed el Zegrí, que hoje abriga o Museu de Ronda.
Do domínio católico, que de certa forma permanece até hoje, ficaram a Ponte Nova e as igrejas, entre as quais se destaca a de Santa Maria Maior – uma construção que mistura os estilos renascentista e gótico e levou 200 anos para ficar pronta.
bombeamento de água. Já no plano térreo, o palácio tem jardins assinados pelo arquiteto e paisagista francês Jean-Claude Forestier, o mesmo que construiu o Parque Maria Luisa, em Sevilha.
Ronda: das touradas ao bandoleirismo
A mais forte tradição de Ronda talvez seja a tourada – uma pratica hoje condenada por associações protetoras de animais por ter como clímax a morte do touro. A tauromaquia parece ter começado em Creta, na Grécia, durante a Antiguidade Clássica. O próprio nome vem do grego tauromachia ou combate com touros. Ainda assim, Ronda é tida por seus moradores como um dos berços das touradas.
Assim como ocorre com o Cangaço brasileiro, o Bandoleirismo Espanhol é cercado de mitos e lendas e seus integrantes são objeto das mais diversas interpretações, que vão desde a reprovação como ladrões, assassinos e salteadores, até o mito do ladrão do bem, que é visto como galã, justiceiro e homem valente.6
Notas
- 1 Rainer Maria Rilke nasceu em Praga, durante o império autro-hungaro, por isso é tido como austríaco, mas alguns referem-se a ale como um poeta alemão por ter escrito nesse idioma.
- 2 Inscrição completa em Espanhol: Un hombre no es de donde nace, pero donde elige morrir y Rinda fue la elegida. Quiso ser un rondeño más para siempre. Sus cenizas fueran depositadas aqui en el Recreo de San Cayetano. Ronda, 2013
- 3 As duas esculturas estão em um parque contíguo ao Passeo Orson Welles.
- 4 Citação completa em Espanhol: Aquí corre un aire fuerte y magnífico, las montañas se abren para entonar salmos por sus vertientes y, apilada sobre una meseta, se levanta una de las más antiguas y extrañas ciudades españolas. En Ronda: cartas y poemas.
- 5 Os Pueblos Blancos são 19 pequenas cidades da Andaluzia que guardam elementos da ocupação árabe e cujas construções são todas pintadas de branco. Aqui no blog, temos matérias sobre dois desses pueblos: Arcos de La Frontera e Algodonales.
- 6 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros lugares especiais da Espanha: Segóvia / Guadix / Sevilha / Alhambra / Córdoba / Cádiz
Ronda – Málaga – Andaluzia – Espanha – Europa
Fotos
Referências
Livros:
- As Elegias de Duino, Rainer Maria Rilke.
- Ronda: cartas y poemas Rainer Maria Rilke
Que ótimo… que saudades.
Fiquei curiosa, Sylvinha. Deu vontade de conhecer Ronda!
Beijão,
sonia pedrosa
Também fiquei! bjo
Vale a pena. É linda e agradável.
Gostei muito de saber destes lugares, não tão divulgados, cheios de belezas e de histórias.
Gostei demais.
Essa cidade deve ser linda! Vontade de conhecer! Quem sabe um dia! Ah!! Sul da Espanha maravilhosa!!
Mais um texto delicioso de ler, Sylvinha!
Ronda parece ser um pequeno paraíso na Andaluzia de tantas belezas a conhecer.
Bjs,
Val Cantanhede
É um deles. A Andaluzia tem inúmeros pequenos paraísos. Cada um mais interessante que o outro. Aqui no blog já tem matéria sobre alguns deles: Alhambra, Arcos de La Frontera, Algodonales, Cádiz, Guadix (em Granada).
Que bom, Maria Cristina. Toda semana tem matéria nova no blog. Acompanhe!
Vale a pena. Se for, aproveite para cohnecer outros lugares próximos como Cádiz e Jerez de La Frontera.
Difícil alguém não gostar.
Sylvia estou boquiaberta com a arquitetura de Ronda. Ela é realmente inspiradora, encantadora, linda.. os adjetivos que posso destinar a ela são muitos. Adorei conhecer Ronda através do seu post
A Andaluzia é toda linda. Tem várias matérias no blog sobre as cidades dessa região: Cádiz, Arcos de la Frontera, Algodonales, Alhambra, La Giralda de Sevilha…
Encantada com essa cidade do sul daEspanha. Realmente um “cenário romântico”. Já quero conhecer Ronda.
Ronda é linda, Angela, você vai gostar.
Surreal a história e o cenário de Ronda! Vou para a Espanha no fim do ano e fiquei com muita vontade de conhecer. Obrigada por compartilhar
Eu que agradeço pela leitura e pelo comentário. Espero que aproveite bastante!
Ronda é uma cidade que está nos meus planos para a próxima viagem à Espanha. Nossa filha mora em Madrid e vamos visitá-la todo ano e saímos para visitar outras cidades.
Ronda é linda. Caso vá até lá, aproveite para conhecer Jerez de La Frontera, é bem pertinho.
Estamos em Ronda, minha esposa e eu, enquanto escrevo este comentário. Ficaremos por duas semanas mais, como preâmbulo para um plano de fazer turismo de longo prazo por regiões interessantes do nosso interesse. Ronda é um lugar fantástico. Além de tudo que foi escrito, muito bem escrito, diga-se de passagem, a culinária é excelente (tem a popular rabada – de touro, dizem eles – e excelentes azeites e vinhos, muitas sorveterias, churros e, como não poderia faltar, o típico “jamón”. Setenil, Juzcar e outros Pueblos Blancos são muito muito bonitos. Em Pujerra, uma senhora muito amável de 90 anos de idade abriu a igreja para que a visitássemos.
A bem da verdade, é um dos pontos altos da região: pessoas muito amáveis, educadas e cordiais, e, acima de tudo, bem preparadas para receber os turistas.
Nada caro por aqui.
Venha preparado para andar muito, pois vale muito a pena descobrir o que cada cantinho reserva de bom.
Obrigada pela contribuição, Heitor. Bom saber que gostaram de Ronda. Aproveitem bastante. Se tiverem tempo, visitem Arcos de La Frontera e Cádiz aí pertinho. Antes de ir vocês podem ler as respectivas matèrias aqui no blog. Jerez de La Frontera também é um lugar incrível, mas sobre ela ainda não escrevi.