Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
Historicamente, viajantes de toda parte chegaram a Havana atraídos por suas praias de águas cristalinas, pela musicalidade contagiante dos cubanos, por sua dança sensual e pela atmosfera de magia que é comum a todas as ilhas. Houve um período em que o pequeno país do Caribe despertou a curiosidade de intelectuais e militantes de esquerda em relação ao regime instalado por Fidel Castro no início da década de 1960. Mas a capital cubana tem atrativos também, para os amantes da Literatura, que buscam, em seus quatro cantos, as marcas deixadas pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway.
Os pontos mais acessíveis dessa rota são os bares La Bodeguita del Medio e El Floridita – ambos localizados em Habana Vieja (Havana Velha em Português), o bairro histórico da cidade, onde Hemingway saboreava bebidas típicas centenárias. No primeiro, tomava mojito – um drink preparado com rum branco, limão, açúcar e hortelã que, segundo a lenda, teria sido criado pelo aventureiro inglês Francis Drake. No segundo, ele ia de daiquiri – também à base de rum branco, limão e açúcar, mas que, na versão criada nesse bar, leva também umas gotinhas de licor de Maraschino (licor de cereja).
Para não deixar dúvida sobre essas preferências, ele fez questão de registar de próprio punho: “My mojito in La Bodeguita, My daiquiri in El Floridita”. A frase foi emoldurada e hoje decora uma estante de La Bodeguita. No El Floridita, a atração visual é uma estátua de Hemingway em tamanho natural, forjada em bronze, e fixada sobre um banco em uma das pontas do balcão, dando a impressão de que o escritor permanece ali pronto para saborear o seu daikiri.
Primeira moradia em Havana
Tanto La Bodeguita del Medio como El Floridita estão localizados em Habana Vieja (Havana Velha em Português), o bairro histórico da cidade, listado pela Unesco, em 1982, como Patrimônio Mundial da Humanidade. Nele estão concentrados mais de 900 monumentos, entre mansões, igrejas e praças. E é na mesma Havana Velha que se encontra um dos lugares mais marcados pela memória do escritor: o hotel Ambos Mundos, onde ele se hospedou e depois viveu por muitos anos. Foi na sala desse hotel que ele começou a escrever o livro “Por Quem os Sinos Dobram“, inspirado na Guerra Civil Espanhola, que ele cobriu como repórter.
No prédio centenário, a memória do escritor está por toda parte, a começar pela entrada, onde uma placa do Consejo Nacional de Cultura já adianta a primeira informação: En este ‘Hotel Ambos Mundos’ vivio en la década de 1930 el novelista Ernest Hemingway.
No saguão, fotos emolduradas enfeitam as paredes. Os que conhecem, pelo menos um pouco, da vida e da obra do escritor, também enxergam lembranças no ambiente do café. Mas é no quarto 511 – usado por Hemingway como moradia – que as recordações tornam-se mais explícitas. O espaço foi transformado em um mini museu onde alguns objetos de uso pessoal ficam expostos permanentemente e exposições temáticas se sucedem.
Finca Vigia: o derradeiro refúgio
A cerca de 15 milhas dali, (pouco mais de 20 km), na vila operária de San Francisco de Paula, encontra-se a maior concentração de pertences do escritor, reunidos na casa que foi sua última morada cubana e hoje está transformada em museu. ‘La Finca Vigia’, como foi batizada por ele, é uma construção do século 19, projetada pelo arquiteto catalão Miguel Pascual y Baguer e localizada no alto de uma colina, de onde é possível enxergar o centro de Havana.
Nessa casa Hemingway viveu cerca de 22 anos. Nela, acumulou um enorme acervo de fotos, cartas e anotações – que começou a ser digitalizado há cerca de uma década – e escreveu alguns de seus livros mais famosos. Caso de “Por quem os sinos dobram”, que ele já havia iniciado no Hotel Ambos Mundos e de “O Velho e o Mar”, que lhe deu o Pulitzer de Ficção em 1953.
Foi também enquanto vivia em La Finca Vigia, em 1954, que o escritor estadunidense recebeu o Prêmio Nobel de Literatura “por seu domínio da arte da narrativa, mais recentemente demonstrada em “O Velho e o Mar”, e pela influência que exerceu no estilo contemporâneo”1. O livro conta a aventura de um pescador que consegue pegar um marlim de 700 quilos, mas a luta contra o próprio peixe e, depois, contra os tubarões, faz com que, ao chegar à praia, ele tenha apenas sua espinha.
Outro lugar que guarda a memória de Hemingway é a vila de pescadores Cojímar, de onde ele saia para para pescarias com seu barco Pilar e onde acabou fazendo muitas amizades. Nela foi criado um memorial que ostenta, ao centro, um busto seu forjado em bronze. Conta-se que os pescadores do vilarejo rasparam o metal de seus barcos para fazer a homenagem em uma época de grande restrição econômica.
Foi em Cojimar que viveu o capitão do barco e seu amigo pessoal Gregorio Fuentes – o homem que inspirou o personagem Santiago, do livro “O Velho e o Mar”. Gregório permaneceu lá até 2002, quando faleceu aos 101 anos, e costumava dizer que o ecritor continuava a viver nele.
Hemingway em Cuba
Foi a mesma paixão pela pescaria, expressa no livro premiado, que levou o escritor a Cuba pela primeira vez2, na companhia do amigo e companheiro de farra Joe Russell, que era dono do Sloppy Joe’s Bar. A partir daí ele não teria mais perdido – entre os meses de maio e julho – a temporada de pesca ao marlim ou espadarte – peixe em torno do qual se dá a narrativa de “O Velho e o Mar”. Foi também por causa da pesca que ele teve seu único contato com Fidel Castro, durante uma competição de pesca em que Fidel foi vencedor e ele era encarregado de entregar as condecorações, mas isso aconteceu tempos antes do dirigente cubano declarar-se comunista e iniciar o movimento que levou à revolução.
Entre bares, pescarias e sua máquina de escrever, Hemingway foi levando a vida até 1960 quando deixou Havana para sempre. Acredita-se que ele tenha viajado aos Estados Unidos pensando em voltar, mas a invasão à Baía dos Porcos teria impedido o seu retorno. Outros afirmam que o escritor partiu consciente de que não voltaria, pois estava atendendo a pressões do governo de seu país.
Seja qual for a verdade, o fato é que Hemingway viveu pouco fora de Cuba. Cerca de um ano depois de ter deixado Havana, ele pôs fim à sua história com um tiro de espigarda no céu da boca. A tragédia foi atribuída, principalmente, a uma depressão profunda. Décadas depois, seu filho Patrick Hemingway teria dito em entrevista a um jornal norte-americano que uma das razões da doença do pai teria sido o desgosto pelo afastamento de Cuba.3
Notas
- 1 Justificativa oficial da concessão do prêmio - site Nobel
- 2 Há quem diga que isso ocorreu em 1928, mas também há registros que localizam a viagem no início da década de 1930
- 3 Leia, aqui no blog, matérias sobre outras cidades ou sítios arqueológicos do Caribe: Tulum / Cartagena / Willemstad / Castelo de São Felipe de Barajas
Havana – Cuba – Caribe – América Central
Fotos
- (1) Jessica Knowlden Unsplash
- (2) Simon Berger em Unsplash
- (3) frejka por Pixabay
- (4) (autor não fornecido de forma legível)
- (5) skeeze por Pixabay
- (6) The Carol M. Highsmith Archive, Library of Congress, Prints and Photographs Division.
- (7) Domínio público
Referências
Livros:
- O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway
- Por Quem os Sinos Dobram, Ernest Hemingway
Excelente texto Sylvia! Desperta o desejo de conhecer Havana, beber Mojitos e reler Por quem os sinos dobram!
Bravo!
Que bom que gostou, Hugo. Havana é uma delícia. Não deixe de ir.
Valeu! Da próxima vez deixe seu nome
Muito bom texto, Sylvia. Frustrada por não ter feito o "circuito" Hemingway quando visitei Cuba, em 97. Estava havendo um festival de música que absorveu grande parte da estada lá. Com seu incentivo só voltando para o Mojito e o Daiquiri in loco.
A música cubana também é maravihosa. E além disso, é sempre bom ter motivo pra voltar.
Belíssima narrativa sobre Hemingway e a sua sedução por Cuba. Você é D+ . O Floredita até hoje tem, todos os dias, no final da tarde-boca da noite, um animado show de música cubana. Te amo. Beijos. Bosco Mendonca
Obrigada, Bosco! Bom ter notícias suas. Que bom que gostou da matéria. Volte sempre!
Sem dúvida, a melhor das postagem! Amo Cuba e tudo que concerne a Cuba! Artur Dantas Filho
Obrigada pelo comentário, Artur. Volte sempre.
Muito legal, Sylvinha. Cuba está na minha lista!
Beijo!
Vale a pena ir. Eu gostaria muito de voltar lá.
delicia relembrar esta minha viagem com seu post. Fui aos bares, tomei seus drikns e fui a sua casa que tinha a lapide de todos os seus gatos rsrs… adorei Cuba, lindas lembranças…
Bom saber que a matéria te trouxe boas lembranças. Volte sempre!
Tenho muita curiosidade de conhecer Havana. Adorei seu post. Fiquei sabendo de detalhes da biografia de Ernest Hemingway que me eram desconhecidos.
Que bom que gostou. Vai gostar mais ainda de Havana. É uma cidade paradisíaca.
Eu já fiz diversos roteiros inspirados em autores e livros ao redor do mundo e esse é um dos roteiros que está faltando na minha lista!! Incrível seu texto!
Que bom que gostou! Aqui no blog tem uma postagem sobre lugares que remetem à obra de Guimarães Rosa e outra sobre a Chácara Sapucaia, onde Mário de Andrade teria escrito Macunaíma. Acho que vai te interessr.
Não sabia que Ernest Hemingway tinha morado em Havana. Tinha conhecimento da temporada que ele morou em Key West. Cuba está em meus planos de viagem, não só Havana, mas algumas praias também.
Muita gente não sabe, Cynara.
Sou louca para conhecer Cuba, sobretudo Havana, que inspirou tantos artistas, como o Hemingway. Adoro a obra dele!
Cuba é um país lindo e Havana é fascinante. Você vai gostar.
Ah, Sylvia, sempre aprendendo com seus artigos! Embora não seja especialmente fã de Hemingway, desconhecia por completo essa relação dele com Cuba. E que triste final de vida! Provavelmente os dois fatos contribuíram para a depressão dele: a pressão dos EUA contra Cuba e saber que não voltaria mais à terra que tanto amava.
Pois é, muita gente desconhece a relação de Hemingway com Cuba.