Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite
Gigante adormecido é o nome pelo qual se conhece uma formação rochosa da Serra da Mantiqueira. A pedra lembra a imagem de um homem deitado e dá identidade à paisagem rural de Joanópolis, no interior de São Paulo. Por causa disso, o município é as vezes chamado de Terra do Gigante. Mas sua alcunha mais popular é Terra do Lobisomem pois é esse ser mítico que habita o imaginário de seus moradores.
O mito vem de longe, embora só tenha alcançado fama na década de 1980, quando foi divulgado pela estudante da Escola de Folclore de São Paulo, Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima, que descende de uma família local. No início, os moradores não gostaram de ter o nome da cidade associado a uma assombração, mas alguns fatos externos contribuíram para que eles não apenas aceitassem que Joanópolis fosse relacionada ao Lobisomem, como passassem a assumi-lo como uma espécie de ícone da cidade.
O primeiro fato a amenizar a resistência dos joanopolenses em relação à publicidade de seu mito teria sido o sucesso alcançado pelo clip Thriller, de Micheal Jackson, que gira em torno do personagem, e foi lançado em 1983 – ano em que a pesquisa ganhou visibilidade nacional. Mas a aceitação só teria se consolidado no final da década seguinte, quando uma rede de fast food gravou um comercial na cidade explorando o tema de um ponto de vista bastante positivo e usando moradores como figurantes.
Seis anos depois do comercial, Joanópolis ganhou a Associação de Criadores de Lobisomens – uma instituição cultural que tem o objetivo de perpetuar o mito, colhendo relatos e apresentando histórias a moradores e turistas. O nome da associação pode causar estraneza mas, segundo seu presidente, o historiador Valter Cassalho, tem uma razão muito concreta: “cada vez que a gente conta um ‘causo’ de lobisomem, ouve cinco de volta, então nos transformamos em criadores”.
A cartada final teria vindo somente em 2004, quando a pesquisa de Maria do Rosário foi publicada em livro. A partir daí Joanópolis se assumiu como ‘Terra do Lobisomem” ou “Capital do Lobisomem” e o personagem mítico transformou-se em um ser onipresente. Sua imagem está pintada em fachadas de casas comerciais e caracterizada em bonecos de todos os tipos e tamanhos. Seu nome batiza produtos, como um licor azul denominado Sangue de Lobisomem, e está impresso em camisetas e até em cuecas com dizeres provocativos.
Da Grécia a Joanópolis
Para quem não sabe, o Lobisomem é uma figura mitológica, originária da Grécia, que em decorrência de um castigo divino transforma-se em lobo nas noites de lua cheia e, durante o encantamento, suga o sangue de suas vítimas. Para os gregos, é Licantropo, mas foi conhecido por outros nomes nas mais diversas civilizações. Na mitologia Guarani, por exemplo, é chamado de Luison.
Acredita-se que a lenda do Lobisomem – assim como a do Vampiro – seja inspirada simbolicamente em uma doença genética, denominada porfiria, provocada pela deficiência de uma enzima do sangue – o que justificaria a busca pelo sangue humano. Algumas formas dessa doença deixam o paciente sensível à luz solar e podem provocar o nascimento de pelos, o que poderia ser relacionado, respectivamente, com o fato do Lobisomem só surgir à noite e ter a aparência de lobo.
Em Joanópolis, presume-se que as lendas em torno da aparição do Lobisomem sejam decorrentes do fato de o município estar localizado próximo a regiões onde há ocorrência de lobos guarás. Como o lobo não faz parte da fauna local, sua visão nos terrenos vizinhos teria estimulado o imaginário dos nativos, que, conhecendo o mito europeu difundido no folclore nacional, e não sabendo identificar aquele animal que avistam de longe, o teriam classificado como Lobisomem.
O lobisomem do bem
Mas, ao contrário do lobisomem do folclore europeu e mesmo de outras partes do Brasil, que bebe o sangue de suas vítimas e, em alguns casos, come também a carne, o de Joanópolis é caracterizado como uma assombração boazinha que não vai além de assustar crianças e correr atrás de coelhos e galinhas.
Talvez isso se deva ao fato de alguns moradores acreditarem que os lobisomens fazem parte da comunidade. Seriam vizinhos ou pessoas que frequentam os ambientes sociais e sobre as quais costuma-se dizer coisas do tipo: “Fulano de tal é Lobisomem. É boa pessoa, só é Lobisomem”.
Joanópolis histórica
Conhecer a “Terra do Lobisomem” e ouvir seus ‘causos’ já é motivo suficiente para justificar uma visita a Joanópolis, mas isso é apenas o começo porque a cidade tem muitas outras narrativas, a maior parte delas verídica. A origem da cidade a partir de um ponto de descanso de Bandeirantes, a fundação do primeiro povoado no dia de São João Batista e o mastro erguido em homenagem ao santo no terreno onde, a partir de 1910, seria construída a Igreja Matriz são algumas das histórias contadas por guias locais. Entre as principais curiosidades encontra-se o pão PRP – uma guloseima com sabor de erva-doce, batizada em homenagem ao Partido Republicano Paulista. É que, ainda no Império, e durante a República Velha, quando os partidos eram estaduais, havia, em Joanópolis, uma disputa acirrada entre o PRP e o PC (Partido Constitucionalista). Conta-se que o criador desse pão foi o padeiro Paulo Meira, partidário do PRP, que o teria batizado com ese nome para que não fosse comido pelos adversários.
Enquanto durou o PRP, o pão era servido nas reuniões partidárias, mas, já naquela época, podia ser encontrado na Padaria Central, de Benevenuto Zampoli, onde Paulo Meira trabalhava. Hoje, o PRP virou uma categoria em Joanópolis, algo como pão francês ou pão de forma, e pode ser encontrado, também, em outras padaraias.
Uma das memórias mais fortes que se guarda no município é da Revolução de 30. Joanópolis não foi cenário de combates, mas, como está localizada na divisa com Minas Gerais, fez parte da linha de defesa e abrigou trincheiras e acampamentos. É que a Revolução de 30 – para quem perdeu essa aula na escola – teve como um dos principais estopins uma desavença entre São Paulo e Minas Gerais causada pela quebra do que se chamava na época de Política do Café com Leite, que consistia na alternância de presidentes paulistas e mineiros. A crise foi instalada quando o presidente Café Filho (paulista) indicou como seu sucessor outro paulista, tomando a vez dos mineiros. Mas isso é outra história.
Nos três meses que durou o conflito, jovens soldados de outros municípios montaram guarda nas trincheiras e a cidade se mobilizou em torno deles, especialmente as mulheres, que passaram a fazer sopa para esquentá-los durante as madrugadas frias. O curioso é que essas trincheiras ainda existem, podem ser visitadas e, pelo menos uma, está inteiramente preservada.
Nessa época, Joanópolis era uma cidade próspera e sua elite era formada pelos cafeicultores. Com a chamada Crise do Café, a economia local entrou em decadência e, apesar de outras atividades terem entrado em cena, como gado leiteiro, milho e feijão, para citar apenas algumas, não houve mais um retorno às condições anteriores.
O gigante adormecido
A semelhança da serra com um homem deitado dá o mote para mais uma simbologia: a do município florescente que entrou em decadência com a crise do café, mas ainda pode despertar movido por outra atividade que, segundo algumas apostas, pode ser o turismo.
A divulgação da cidade como Terra do Lobisomem proporcionou a Joanópolis uma visibilidade nacional que acabou sendo revertida em impulso para o turismo. Seu passado político e econômico também contribui para o portfólio local. Mas o que tem consolidado o município como Estância Turística tem sido seus atrativos naturais.
O próprio ‘gigante’ é um importante ponto de visitação, pois de seu topo é possível admirar uma paisagem de 360° que inclui cidades de São Paulo, como Atibaia, Jacareí e Bragança Paulista, e de Minas, como Extrema e Monte Verde. O município conta, ainda, com uma represa e várias cachoeiras, algumas já famosas entre os amantes de do ecoturismo, como é o caso da Cachoeira dos Pretos – uma queda d’água de 154 metros de altura, considerada a segunda maior de São Paulo e uma das maiores do Brasil. Para explorar todo esse potencial, não faltam trilhas e passeios de jeep. Além disso, a região tem sido muito explorada pelos praticantes de esportes náuticos e aéreos.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, sobre outras cidades do interior de São Paulo: Paranapiacaba / Brodowski / Campos do Jordão / Taubaté / Araraquara
Joanópolis – Serra da Mantiqueira – São Paulo – Brasil – América do Sul
Consultoria
- William Oliveira - Site Terra do Gigante
Fotos
Referências
- Site Terra do Gigante
- Site da Prefeitura de Joanópolis
- Facebook da Padaria Central
Para saber mais
- Também na Serra da Mantiqueira, você pode visitar a estância Hidromineral Águas de São Pedro. Veja no blog Fefa pelo Mundo
- Leia, ainda, a postagem O que fazer em Santo Antônio do Pinhal, Serra da Mantiqueira, do blog Entre Mochilas e Malinhas
Sylvinha, seus textos são ótimos e nos fazem muito bem! São alentadores! Parabéns e obrigada!
Eu que agradeço, pela leitura e pelo comentário generoso. Bom saber que você gosta.
Que ma ra vi l ha!
Valeu! Beijo
Essas lendas podem alavancar o turismo de qualquer cidade. Fiquei super interessada em conhecer, Sylvinha!
Verdade, Soninha. E, como se isso não bastasse, o lugar é muito bonito.
Que ma ra vi l ha!
Que bom que gostou! Volta sempre.
Sylvia, bem legal conhecer um pouco mais sobre joanopolis! Não sabia que era a terra do gigante, lindo o lugar
Pois é, acho que a cidade ficou mais conhecida pelo lobisomem do que pelo gigante, mas os dois são interessantes. Que bom que gostou. Volte sempre!!!
Eu estive uma vez em Joanópolis a muito tempo atrás mas tenho vagas lembranças, adorei rever algumas coisas, como a história do lobisomem que lembrava muito vagamente. Quero voltar lá um dia, adorei o texto e deve ter muita coisa ainda que eu possa conhecer da terra do gigante! Abraços e gostei muito de ler o texto!
Que bom que gostou. Volte empre. Toda quinta tem matéria nova por aqui.
Nunca tinha ouvido falar de Joanópolis e adorei as curiosidades que você apresentou em seu artigo. Em especial, claro sobre o lobisomem. Sem dúvida, um grande atrativo para conhecer essa cidade.
Joanópolis tem muitas atrações naturais e históricas. vale a pena.
Não conhecia Joanópolis, achei o lugar muito legal e adorei a lenda do lobisomem bonzinho. Fiquei curiosa em conhecer a terra do gigante.
Recomendo, mas é melhor esperar o fim da pandemia.
Confesso que nunca tinha ouvido falar de Joanópolis: terra do gigante e do lobisomem. A ideia de criar uma associação na cidade foi muito inteligente. Incentiva a cultura, o folclore e o turismo.
É verdade, Cintia. Foi uma ótima ideia criar a associação. Obrgada pelo comentário.
Que interessante! Só conhecia Joanópolis por sua beleza e cultura mas agora fiquei intrigada para visitar a terra do lobisomem!! Adorei a partilha 🙂