Atualizado em 02/05/2024 por Sylvia Leite
Durante o fim do século 18 e o começo do século 19, o Cais do Valongo, no Centro do Rio de Janeiro, foi a porta de entrada de aproximadamente um milhão de africanos trazidos à força de seu continente para trabalhar na condição de escravizados. Em apenas 40 anos, recebeu um quarto do total de africanos que entraram no Brasil durante mais de três séculos de regime escravagista, tornando-se, com isso, o maior porto receptor de escravos do mundo. Hoje suas ruínas compõem um sítio arqueológico tombado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade e tornaram-se símbolo dos horrores da escravidão no Brasil.
Além do Cais do Valongo, onde era feito o desembarque, havia no seu entorno um verdadeiro complexo escravagista composto por um Lazareto, para onde eram levados os africanos que chegavam doentes, um cemitério – que na verdade era um depósito de corpos daqueles que padeciam ao fim da viagem ou logo após o desembarque, e trapiches onde os africanos que resistiam à travessia do Atlântico eram engordados e vendidos como se fossem animais.
O cais do Valongo não foi o primeiro porto de recepção de escravos do Rio de Janeiro. Antes de sua construção, os africanos escravizados desembarcavam na Praça do Peixe, atual Praça XV, e eram vendidos como mercadoria na Rua Direita – que passou a se chamar Rua 1º de Março – ambos localizados em pleno centro da cidade. Tudo era feito na presença de moradores e de visitantes, especialmente os estrangeiros.
Foi para evitar essa exposição que o complexo escravagista foi transferido, por Lei, para a região do Valongo nos últimos anos da década de 1700. Na primeira do século 19, com a chegada da Família Real, dobrou o tráfico de escravizados no Cais do Valongo, visando atender ao crescimento da população do Rio de Janeiro, que aumentou na mesma medida. Esse grande crescimento, aliado a outros fatores, contribuiu para imprimir importância histórica ao novo ancoradouro.
Cais do Valongo: patrimônio da Humanidade
O Cais do Valongo foi tombado pela Unesco – e incluído na Rota do Escravo por se tratar do único exemplar íntegro e autêntico, conhecido até o momento, da memória da diáspora africana não apenas no Brasil mas em toda a América. Além de ser local de chegada das embarcações vindas da África, era ponto de partida de navios que levavam os escravizados para outros países da América Latina. Antes mesmo do tombamento, o cais já havia sido incluído pela Unesco na Rota do Escravo – projeto voltado à preservação do patrimônio material e imaterial relacionado do tráfico de escravos no mundo.
A existência do Cais do Valongo foi revelada em 2011, durante as escavações que antecederam a revitalização da região portuária e construção do chamado “Porto Maravilha”, obras de preparação da cidade para as Olimpíadas de 2016. Na mesma época, foram encontrados também cachimbos, búzios, contas de colares, pulseiras, anéis de piaçava, peças de cerâmica e miniaturas que pertenceram a negros escravizados e estão expostas, pelo menos até novembro deste ano, no Museu da Cultura Afro, no Rio.
O Cais do Valongo deixou de receber africanos escravizados em 1831, quando, por pressão da Inglaterra, foi promulgada a Lei Feijó, que proibia o tráfico de escravizados negros da África para o Brasil e os traficantes passaram a usar portos clandestinos. Anos depois, foi deliberadamente aterrado com uma camada de terra de 60 centímetros, para a construção de um novo ancoradouro. O Cais da Imperatriz (foto), como foi posteriormente batizado, destinava-se ao desembarque, em 1842, da princesa Teresa Cristina que chegaria para se casar com Dom Pedro II. Há quem afirme que o aterro foi feito não apenas por necessidades técnicas, mas, principalmente, para apagar a memória do tráfico de escravizados. Além desse primeiro aterro houve outros que acabaram soterrando, também, o ancoradouro construído para receber a princesa Teresa Cristina.
Circuito da Herança Africana
O Cais do Valongo e o Cais da Imperatriz integram o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana criado pela Prefeitura do Rio. Fazem parte, também, desse circuito oficial, o Largo do Depósito, o Cemitério dos Pretos Novos, a Pedra do Sal, o Centro Cultural José Bonifácio e o Jardim Suspenso do Valongo.
O Largo do Depósito e o Cemitério dos Pretos novos estão diretamente relacionados com o Cais do Valongo. O largo, hoje conhecido como Praça dos estivadores, está localizado muito próximo ao cais e abrigou trapiches e armazéns, em sua maioria de comerciantes que financiavam o tráfico negreiro. O cemitério fica a algumas quadras dali e era o terreno onde se jogava os corpos dos africanos mortos durante a travessia do Atlântico ou logo após a chegada ao Rio de Janeiro. Foi descoberto durante a reforma de uma casa, no bairro da Gamboa. O local abriga hoje o Instituto Pretos Novos, onde funciona um laboratório de pesquisa arqueológica e um museu que conta a história da escravidão no Rio de Janeiro.
A Pedra do Sal, que um dia foi chamada de Pedra da Imperatriz, era o lugar onde chegavam os carregamentos e sal e depois tornou-se ponto de encontro de sambistas que trabalhavam como estivadores. O lugar foi frequentados por celebridades como Pixingunha, Donga e João da Baiana. Era povoada por negros, especialmente os que chegavam da Bahia, e concentrou quilombos urbanos e centros de candomblé. Na segunda metade do século 20, recebeu do compositor, cantor e pintor negro Heitor dos Prazeres, o apelido de Pequena África – nome que hoje se estende a toda essa região portuária.
O Centro Cultural José Bonifácio, instalado em um palacete renascentista onde funcionou a primeira escola pública da América Latina, foi criado com o objetivo de incentivar o estudo, a valorização e a divulgação da cultura afro-brasileira. Em seu prédio funcionam uma biblioteca regional especializada na temática africana e o Museu da História e da Cultura Afro-Brasileira – Muhcab, que ora exibe o conjunto de achados arqueológicos resgatados durante as escavações relacionadas construção do Porto Maravilha. Já o Jardim Suspenso do Valongo, integra o circuito não por ser, em si, uma referência histórica da presença negra na região, mas pela acusação de ter sido construído como forma de apagamento dessa cultura.
Um roteiro ainda mais completo foi elaborado pelo Instituto Pretos Novos e inclui vários pontos que não constam do circuito oficial (ver foto).
Cais do Valongo – Zona Portuária – Rio de Janeiro – Rio de Janeiro – Brasil – América do Sul
Fotos
- vvv
- Sylvia Leite
Participação escpecial
- Augusta Leite Campos
- Clara Leite de Rezende
Um tema da maior importância, vc trouxe à tona, Sylvinha. Todos esses museus e monumentos precisam ser falados e reconhecidos por todos, entrar na rota turística-cultural.
Com certeza. O Cais do Valongo e todo o circuito que relembra os horrores da escravidão precisam ser conhecidos por todos.
Que maravilha de matéria, quero muito conhecer esse lugar que faz parte da nossa história.
Obrigada por compartilhar.
Que bom que gostou. O Cais do Valongo precisa realmente ser visitado.
Grave et importante circuito que mostra nossa origem. Eu não tenho como, sendo “esbranquiçado,” não sentir vergonha…
Verdade, Joaquim. É uma história vergonhosa que precisa ser lembrada para que não se repita. E o reaparecimento do Cais do Valongo é fundamental para a preservação dessa memória.
A Pequena África merece um grande museu da escravidão. O Brasil foi responsável por receber a maior proporção dos escravos africanos que vieram para as Américas. Essa história não pode ser esquecida. Parabéns Sylvia por nos mostrar esse lugar palco de tanto horror que quiseram apagar de nossa memória.
Visitamos o Cais do Valongo juntas e você tem parte nesta matéria.
Parabéns , Sylvia . Texto e pesquisas maravilhosos. Adorei . Beijos
Valeu, Vera, obrigada pelo comentário generoso!!!
Esse período tenebroso da história do
Brasil nunca será apagado.
Infelizmente, ainda persistem no país os reflexos da escravidão, por vezes velados, mas na maioria dos casos explícitos, os preconceitos e a discriminação que sofre a população afro-brasileira.
Ótimo texto, Sylvinha!
Abraços
É isso. Obrigada pelo comentário e pela leitura assídua do blog. Abraços
Mais um lugar que descubro com você! Valeu! Vou conhecer qdo for ao Rio.
Vá mesmo. E depois de visitar o Cais do Valongo aproveite para conhecer o Instituto Pretos Novos que fica bem pertinho. Dá para ir caminhando.
Eu não conhecia a história do Cais do Valongo. Muito interessante as informações e ao mesmo tempo muito triste lembrar que até o século XIX essa prática ainda era legalizada.
Muito triste mesmo s história do Cais do Valongo.
Quero conhecer la
Vale a pena. E depois de visitar o Cais do Valongo, aproveite para conhecer também o Instituto Pretos Novos e os outros pontos do circuito que ficam na mesma região.
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Não entendi muito bem o que quis dizer, mas agradeço pelo cometário.
É essencial reconhecer a história do Cais do Valongo no Rio de Janeiro, símbolo dos horrores da escravidão. Suas ruínas, tombadas pela Unesco, são testemunhas silenciosas de um passado doloroso que não podemos esquecer. É um lembrete poderoso da luta pela justiça e igualdade.
Com certeza, Marcella, o Cais do Valongo precisa ser conhecido e lembrado para que sua história nunca se repita.