Atualizado em 04/02/2025 por Sylvia Leite
A Liberdade, no Centro de São Paulo, ficou conhecida como um reduto oriental devido à forte presença de japoneses, chineses e coreanos, tanto no comércio como na área residencial. Além disso, há uma crescente conscientização sobre a marca dos africanos na origem do bairro, pois a região foi habitada inicialmente por ex-escravizados. O que poucos sabem é que em seu ponto mais central, ao lado das referências asiáticas e africanas, encontra-se uma vila portuguesa.
São 51 casas geminadas, a maioria com dois andares, distribuídas ao longo de uma rua sinuosa, que oficialmente leva o nome de seu construtor – o português José Ferreira da Rocha – , mas acabou sendo apelidada de Vila (ou Vilinha) Portuguesa.
O construtor da Vila Portuguesa
José Ferreira da Rocha já era construtor antes de vir para o Brasil e, ao chegar a São Paulo, adquiriu um enorme terreno no bairro da Liberdade, onde hoje é a rua Fagundes, para erguer sua primeira casa. Em seguida, construiu uma nova moradia na atual Avenida Liberdade e decidiu alugar a primeira. Somente depois é que iniciou a construção das casas da rua que leva seu nome, hoje conhecida como Vila Portuguesa.
Junto às casas da vila, na vizinha rua Taguá, José Ferreira da Rocha construiu sobrados maiores – também para aluguel,- que existem até hoje. Já a casa da Avenida Liberdade, onde passou a viver com a família, foi demolida e o terreno abriga atualmente uma das unidades da FMU.
A Vila Portuguesa permanece praticamente intacta. Embora tenham inspiração inglesa, e reproduzam um modelo arquitetônico surgido na época vitoriana – em resposta às necessidades geradas pela Revolução Industrial -, as casas apresentam detalhes decorativos que as revestem de traços lusitanos – como é o caso dos azulejos portugueses aplicados nas fachadas – e poucas delas eliminaram essas referências.
Uma ilha de tranquilidade
Em contraste com o burburinho do bairro – hoje transformado em uma das grandes atrações turísticas da cidade -, a Vila Portuguesa está envolta em uma atmosfera de paz e tranquilidade. Por ali quase não passam carros, a não ser de moradores e de suas visitas. As calçadas permanecem a maior parte do tempo vazias. Os poucos pedestres são residentes ou curiosos.
“Vivemos em uma bolha” brinca a moradora Mariana Ferreira da Rocha Navarro, ressaltando que a Vila Portuguesa está localizada a apenas 1 km da Praça da Sé – um dos pontos mais movimentados de São Paulo – e tem a aparência de uma cidade do interior.
Mariana (foto) é bisneta do construtor das casas e sempre teve uma forte ligação com a vila. Viveu ali até os sete anos, quando a família decidiu mudar para um bairro vizinho, mas continuou frequentando o local porque sua avó morou ali a vida inteira.
Em 2015, depois de uma temporada de 10 anos em Barcelona, ela quis voltar às origens e agora não apenas mora na vila como está no montando ali uma loja de sua marca de roupas – a “Quina Mandra“, que significa ‘Que preguiça!’ em Catalão.
Além de Mariana, há poucos descendentes de José Ferreira da Rocha que ainda residem na Vila Portuguesa. Algumas casas já foram até vendidas, mas a maioria pertence a herdeiros que as usam da mesma forma que seu construtor – alugando para fazer ou complementar renda.
Centenária e cinematográfica
Desde que as primeiras casas foram construídas, cerca de cem anos atrás, a Vila já assumiu vários perfis. Segundo Mariana, os inquilinos de seu bisavô eram principalmente profissionais liberais com suas respectivas famílias. Depois, houve uma época – quando ela era criança – em que os inquilinos foram substituídos pelos próprios herdeiros.
Hoje, a população da vila é bastante variada. Ainda abriga famílias, mas há também jovens solteiros além de pensões e repúblicas. E em contraste com os descendentes de portugueses da infância de Mariana, hoje há moradores orientais que deixam isso claro nas fachadas de suas casas.
Mesmo sem ser muito conhecida, a Vila Portuguesa foi tombada pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo -, Concresp em 2012 e vem sendo usada em várias produções musicais e cinematográficas realizadas antes e depois do tombamento.
Um dos principais exemplos é o videoclipe de Luciana Melo (foto), com participação de Ed Mota, gravado em 2000, onde a vila é mostrada com bastante destaque. Entre os comerciais gravados na vila, encontram-se um da 99 Pay, que também exibe as fachadas das casas, e um da Coca-Cola na época das Olimpíadas do Rio de Janeiro.
Na televisão, a Vila Portuguesa apareceu em um seriado produzido, em 1985, pela Art Vídeo e exibido em duas etapas: a primeira na Rede Manchete e a segunda no SBT. Já no cinema, a Vila foi locação do filme “Perfume de Gardênia”, de Guilherme de Almeida Prado, na década de 1990. O filme mostra principalmente o interior de duas casas e uma delas é a residência da funcionária pública Keyla Iglesias – uma das moradoras mais antigas da vila.
À espera de patrocínio
Keyla foi criada na casa onde vive hoje (foto) e depois que constituiu família morou em outros dois sobrados, sempre como inquilina. Em toda sua vida, esteve fora da vila por apenas por dois anos. Precisou voltar para cuidar dos pais – que já se foram – e acabou permanecendo na casa deles.
Atualmente, ela é uma espécie de representante dos moradores da vila. A fim de viabilizar ações coletivas, Keyla criou um grupo de whatsapp, um perfil no Instagram e produziu um banner com informações sobre a vila. Não há nada formalizado, mas, por seu intermédio os moradores pedem contrapartidas a todos que utilizam a vila como cenário e o dinheiro é guardado na “caixinha da rua” para ser utilizado em serviços de manutenção e melhorias.
O sonho de Keyla é que, um dia, algum fabricante de tintas resolva adotar a Vila Portuguesa e custear a manutenção das fachadas para que possam se manter pintadinhas independentemente das condições financeiras dos moradores.
Vila Portuguesa – Liberdade – São Paulo – São Paulo – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1,3,5/6, 8) Sylvia Leite
- (2) Autor desconhecido - foto cedida pela família
- (4) Foto cedida por Mariana Ferreira da Richa Navarro
- (7) Still de videoclipe de Luciana Melo
Participação especial
Referências
- Instagram Vila Portuguesa
Legal poder conhecer esse lugar tao pitoresco de São Paulo!
A Vila Portuguesa é linda e muito tranquila. Vale a pena visitar.
Sempre morei no bairro da Liberdade e lembro me de uma propaganda de guaraná em que jovens cantavam e dançavam na vila, isto em 1977/78.
Você lembra em que época, Margaret? Segundo os moradores, foram gravados muitos comerciais na vila.
Muito interessante ver a preservação dos sobrados nessa “ilha de tranquilidade” na movimentada Liberdade.
Parabéns pela matéria, Sylvinha!
Abraços
Obrigada, Val! Realmente é muito bom ter essas casas preservadas!
A data do clipe está errada, tenho quase certeza. Essa música e clipe é bem antes de 2016 , deve ter sido gravado entre 2000 e 2001.
Nota-se pela diferença da Liberdade atualmente, bem como da Luciana e Ed Mota que estão muito mais jovens.
Achei interessante a matéria, pois sempre vou nessa vila, mas não conhecia a história do local
Chequei e realmente o ano é 2000. Não consegui descobrir o que provocou esse engano, mas o importante é que já corrigi. Obrigada pelo aviso!