Catedral de Brasília: simbolismo cristão em formas modernistas

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Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite

Catedral de Brasília com espelho de água - Foto de Agência Brasil em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIAQuem visita a Catedral Metropolitana – Nossa Senhora Aparecida, mais conhecida como Catedral de Brasília, pode entender melhor a razão desse monumento religioso ser considerado a obra prima de Oscar Niemeyer e de ter lhe rendido o Prêmio Pritzker, considerado o “Nobel da Arquitetura”.

Além da beleza incontestável, a obra modernista abriga surpresas, visíveis e ocultas, que proporcionam ao visitante uma experiência inesquecível. Mas para que todo potencial da construção seja revelado, é preciso contar com a condução de um guia ou com informações prévias sobre suas curiosidades arquitetônicas.

As surpresas da Catedral de Brasília

A primeira surpresa, para quem não se informou previamente, é constatar que os seus dezesseis pilares brotam da água e são sustentados apenas por dois anéis que os unem – um em cima e outro embaixo – sem colunas ou paredes internas que possam lhes dar sustentação. A segunda e a terceira são ocultas e precisam ser descobertas ou informadas.

Uma delas é relativa à acústica: se você sussurra ao pé de um dos pilares, sua mensagem pode ser claramente ouvida por quem esteja ao pé do pilar oposto, o que é possibilitado pelo fenômeno da ressonância, alcançada por meio da simetria da construção. A outra diz respeito ao conforto no ambiente interno: ao contrário do que se possa imaginar, o espelho d’água que rodeia a catedral não tem propósito apenas estético. Sua principal função é refrigerar e amenizar o clima seco do Cerrado e isso se dá por meio de uma fresta de 50 centímetros entreEstrutura da igreja - Programa AutoCAD, Fonte Pessoa, 2002 - BLOG LUGARES DE MEMORIA os vidros da cobertura e o fundo do espelho.

Ao entrar na catedral, mais uma surpresa: o acesso é feito por uma rampa e, ao descê-la, nos damos conta de que a estrutura visível do lado de fora, que muitos tomam como as paredes do templo, são, na verdade, sua cúpula. A igreja propriamente dita está localizada abaixo do nível da rua e isso aumenta, ainda mais, o pé direito da construção.

Ao descermos mais um nível, chegamos à cripta da catedral – uma sala escura, com paredes revestidas de mármore negro, que nos convida ao recolhimento e à meditação. Nela estão as tumbas dos arcebispos de Brasília e uma cópia da famosa imagem negativa do Santo Sudário de Turim.

O vitral em diálogo com a luz

Os que tiverem tempo para explorar o monumento, ou tiverem disponibilidade de visitá-la mais de uma vez, descobrirão que as pinturas do seu vitral, em azul, verde, branco e marrom, mudam de tonalidade a depender da hora do dia. Trata-se de um dos maiores vitrais do mundo, com cinco mil peças que somam 2.5 mil metros quadrados de fibra de vidro e estão carregados de história. Os desenhos foram concebidos pela artista plástica Marianne Peretti, que na época já tinha 60 anos e acabou com sequelas devido ao Panorâmica_do_interior_da_Catedral_de_Brasília_- Foto de NatanArgente em Wikimidia - BLOG lUGARES DE MEMÓRIAdesgastante esforço físico.

A execução ficou a cargo do italiano radicado no Brasil, Emílio Zanon que também trabalhou em condições adversas em um país sem qualquer tradição na arte do vidro. Tanto que, apesar de haver atendido perfeitamente as exigências estéticas, demandou restauro precoce –  poucas décadas depois – devido a problemas como variação de temperatura entre as peças e utilização de material inadequado nas emendas.

A variação na intensidade da luz, seja por oscilações climáticas, seja pelo posicionamento do sol, ou, ainda, por incidência de iluminação artificial,  também modifica a percepção que temos das esculturas dos três arcanjos bíblicos – Miguel, Gabriel e Rafael -, de Alfredo Ceschiatti, que pendem do teto da catedral nos dando a impressão de que voam no céu. Esses arcanjos constituem apenas uma parte das obras arquitetônicas que compõem o monumento. Uma redoma de cristal, desenhada pelo próprio Niemeyer, guarda a imagem de Nossa Senhora Aparacida que é uma réplica da imagem original encontrada nas águas do Rio Paraíba e que hoje se encontra em sua basílica, no interior de São Paulo.

Ainda no interior do templo, encontra-se uma replica da Pietá de Michelângelo em tamanho natural.Vista noturna da igreja - Foto de Rodrigo de Almeida Marfan em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIA Já do lado de fora, o espetáculo fica por conta das esculturas do mesmo Alfredo Ceschiatti, com colaboração de Dante Croce, que representam os quatro evangelistas, ou seja, os autores dos quatro Evangelhos do Novo Testamento: Mateus, Marcos, Lucas e João.

Os três primeiros encontram-se do lado esquerdo da entrada da catedral, enquanto o quarto está posicionado do lado direito. Embora não haja registro sobre a intencionalidade dessa distribuição espacial, acredita-se que isso se deva ao fato dos três primeiros serem considerados autores dos Evangelhos Sinóticos, que recebem esse nome pela semelhança entre seus relatos, enquanto João é autor do Quarto Evangelho que que possui traços próprios e claramente distintos dos outros três.

Mãos postas em direção aos céus

Segundo Niemeyer, a forma da cúpula da Catedral de Brasília busca refletir “uma ideia religiosa, um momento de oração, por exemplo”, com suas “colunas curvas, que se elevam para o céu, como um gesto de reclamo e comunicação.”  Para alguns, Niemeyer quis se referir, com essas palavras, à postura dos cristãos ao rezar, com as mãos postas em prece, apontando para o céu. Mas, como é comum a qualquer obra de arte, há quem apresente pelo menos mais uma interpretação: a de que os pilares pontiagudos representariam a coroa de espinhos usada no martírio de Jesus Cristo.Os quatro sinos do campanário - Foto de Daderot em Wikimedia - BLOG LUGARES DE MEMORIA

A Catedral de Brasília difere também de outras igrejas no que diz respeito ao campanário, comumente localizado em torres que se comunicam com o prédio principal. No projeto de Niemeyer, os  sinos também encontram-se em uma torre, mas estão afastados do corpo da catedral. O mesmo ocorre com o batistério, construído posteriormente com paredes revestidas por azulejos de Athos Bulcão.

Marco histórico e relíquias

Apesar da aparência modernista, a Catedral de Brasília guarda elementos que remetem ao passado e fortalecem a tradição religiosa. Caso da cruz erguida para a celebração da primeira missa rezada no Distrito Federal, em 1957, ou seja, três anos antes da inauguração da nova capital. Além disso, duas relíquias foram colocadas no interior de outra cruz- a que vemos no topo da catedral. Trata-se de são guardadas duas relíquias: um fragmento da Cruz de Cristo e o crucifixo que era usado no peito pelo primeiro Arcebispo de BrasíliaDom José Newton de Almeida Baptista. Essa cruz, de 12 metros de altura, foi benta pelo Papa Paulo VI.

Vista externa e diurna da Catedral de Bras´lia - Foto de Claudio_Oliveira_Lima - BLOG LUGARES DE MEMORIAEm contraste com os desenhos abstratos do vitral e da própria construção, a Catedral de Brasília abriga obras de arte figurativas focadas em temas bíblicos. Além dos arcanjos e dos evangelistas já citados, e da réplica da Pietá de Michelangelo, há pelo menos mais duas importantes obras nessa linha.

A primeira, de autoria do artista plástico Di Cavalcanti, reúne 15 pinturas que retratam a Via Sacra, também chamada de Via Crucis – isto é: a caminhada de Jesus Cristo, carregando a própria cruz, em direção ao Monte Calvário, onde seria executado. O outro conjunto artístico é composto por 10 pinturas de Athos Bulcão que relembram passagens da vida da Virgem Maria.

Unidade na diversidade

É curioso constar todo esse requinte simbólico da Catedral de Brasília quando seu idealizador era tido como comunista, o que, pelo menos em tese, lhe coloca na condição de ateu. Mais que isso: embora os elementos simbólicos usados, tanto na estrutura da igreja, como em sua decoração, sejam legitimamente cristãos, a concepção arquitetônica nos faz lembrar Alhambra, a cidade construída pelos muçulmanos em Granada, comAérea da catedral à noite - Foto do Ministério da Cultura em Wikimidia - BLOG LUGARES DE MEMORIA inspiração Sufi, durante a ocupação Árabe e Amazigh (esta mais conhecida pelo nome de Bérber, que os amazighs consideram pejorativo por significar bárbaro), entre os séculos 8 e 15.

Uma das semelhanças com a concepção de Alhambra diz respeito à fusão, em um mesmo elemento, de funções estéticas e funcionais, como é o caso do espelho d’água que refresca e umidifica além de trazer leveza e graça para o edifício.

A outra se relaciona à exploração da luz, que faz a catedral mudar sua aparência a cada momento do dia. E, por fim, é interessante observarmos a relação oculta que os elementos da obra mantém com o 8, considerado o número do caminho espiritual, por meio de seus 16 pilares, dos seus quatro evangelistas, quatro anjos (além dos arcanjos pendurados, há a escultura de um Anjo da Guarda) e quatro sinos. 12

Notas

Para saber mais

Catedral de Brasília ou Catedral Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida – Brasília – Distrito Federal – Brasil – América do Sul

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8 Comentários
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Sonia Pedrosa
2 anos atrás

Sylvinha, como sempre, um belo texto para desvendar a história de um dos nossos monumentos mais caros. Eu, particularmente, acho Niemeyer um gênio, embora, encontre muitas críticas às obras dele quanto à funcionalidade. A catedral é linda, conheço, mas muitas dessas particularidades eu ignorava. Adorei saber. Agora, tenho mais munição para rebater os críticos de plantão.

Ma Elisa
Ma Elisa
2 anos atrás

Q estupendo racconto!!

sidneyjs
sidneyjs
2 anos atrás

O vitral realmente é algo muito especial. Tantos anos de Brasília entre idas e vindas trabalhando, jamais liguei as imagens aos quatro apóstolos. Parabens.

Maurício
Maurício
1 ano atrás

Esqueceram de falar sobre o simbolismo do campanário (o cálice, o sangue de Cristo) e o batistério (a hóstia, o pão, o corpo de Cristo).
Meu pai, tendo chegado em Brasília em 1976, contava aos visitantes a simbologia de todos os monumentos da então jovem cidade.