Palácio Capanema: ícone da arquitetura modernista

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Atualizado em 30/04/2024 por Sylvia Leite

Fachada e jardim do Palacio Gustavo Capanema - Foto divulgação Iphan - BLOG LUGARES DE MEMORIADurante muitas décadas, o Palácio Capanema ou Palácio da Cultura passou despercebido da maioria dos brasileiros. Só veio a ganhar visibilidade nacional quando o governo resolveu inclui-lo na lista de prédios públicos que seriam colocados à venda, o que gerou uma enorme polêmica. Sua importância, no entanto, extrapola não apenas a cidade do Rio de Janeiro, onde está localizado, mas também o Brasil. Basta dizer em 1943, dois anos antes de ser inaugurado, já foi tido pelo Museu de Arte Moderna de Nova York – conhecido pela sigla MoMa –, como o edifício mais avançado do mundo em termos de construção. Além disso, é até hoje a obra brasileira mais m livros internacionais de Arquitetura por ter sido o ‘primeiro edifício monumental do mundo a aplicar diretamente os conceitos da Arquitetura Moderna de Le Corbusier.1

Jadim de Burle Marx no Palacio Gustavo Capanema - Foto divulgação Iphan - BLOG LUGARES DE MEMORIATrata-se do marco inicial da Arquitetura Modernista do país, entre outras razões por ter reunido, em sua equipe, aqueles que seriam os principais nomes dessa tendência arquitetônica e artística nos vinte anos seguintes. É marco, também, por ter servido como modelo e inspiração para as grandes obras que consagraram esses mesmos profissionais. Caso da Cidade Universitária da UFRJ, da Pampulha  de Brasília.

O edifício foi concebido com a consultoria do próprio Le Corbusier, que passou um mês no Rio de Janeiro para realizar o trabalho. Foi em cima de uma espécie de ‘rabisco’ do arquiteto franco suíço – apelidado de croqui-manifesto, por conter os princípios dessa nova arquitetura – que os arquitetos brasileiros desenvolveram o projetoJadim de Burle Marx no Palacio Gustavo Capanema - Foto divulgação Iphan - BLOG LUGARES DE MEMORIA final.

A equipe, liderada pelo jovem arquiteto Lucio Costa, teve como estagiário ninguém menos que Oscar Niemeyer. Participaram, ainda, do projeto, outros quatro importantes arquitetos modernistas: Carlos LeãoAffonso Eduardo ReidyErnani Vasconcellos e Jorge Machado Moreira, todos ex-alunos da Escola Nacional de Belas Artes – Enba. Os jardins ficaram por conta de Roberto Burle Marx, o mais conhecido paisagista do Brasil e os painéis de azulejo da fachada, foram pintados por Cândido Portinari.

Palácio Capanema ou prédio do MEC?

O nome Palácio Capanena não é familiar aos moradores do Rio de Janeiro, onde está localizado. Para os cariocas, o edifício é conhecido como prédio do MES – sigla do antigo Ministério da Educação e Saúde. Isso porque, na década de 1940, o Rio de Janeiro ainda era a capital federal e o prédio foi concebido para abrigar aquele Ministério.Painel de Portinari no Palacio Gustavo Capanema - Foto divulgação Iphan - BLOG LUGARES DE MEMORIA Há quem o chame, principalmente, de prédio do MEC que é a sigla do Ministério da Educação e Cultura, que o sucedeu.

O nome oficial é uma homenagem a Gustavo Capanema, o então ministro da Educação a quem coube conduzir a realização do prédio. Para escolher seus autores, foi realizado um concurso de anteprojetos, mas a proposta vencedora, dos arquitetos ecléticos Archimedes Memória e Francisque Couchet, foi considerada conservadora e não atendeu aos propósitos de modernização do ministro. O prêmio foi entregue aos vencedores, mas Capanema não quis usar o projeto e convidou Lúcio Costa para conceber uma nova proposta. Da negociação entre os dois, acabou resultando o convite a Le Corbusier.

Vista inferior do palácio Gustavo capanema com croquis de Corbusier - BLOG LUGARES DE MEMORIAO croqui-manifesto deixado pelo arquiteto franco-brasileiro, que previa um edifício horizontal de seis andares, foi seguido em grande parte pela equipe brasileira. Entre as propostas incorporadas ao projeto final, estão os pilotis de quase dez metros de altura, que deixam o piso térreo livre e integrado aos jardins, permitindo a livre passagem de pedestres e dando ao terreno uma característica de praça pública. O efeito é descrito pelo arquiteto e urbanista Carlos Fernando Andrade, em texto publicado na revista Vitruvius, como ‘a deliciosa confusão entre espaços públicos e privados, quando estes limites são sempre tão precisos e, ultimamente, gradeados’. 2

Ainda em sintonia com os conceitos modernistas de Le Corbusier, o Palácio Capanema foi um dos primeiros do mundo em sua dimensão a ter fachada envidraçada. Mas isso diz respeito à face Sul. Na fachada Norte, os arquitetos brasileiros usaram um recurso conhecido como brise-soleil –  ou quebra-sol – a fim de evitar aJardim com escultura Mulher sentada - Foto Iphan Divulgação - BLOG LUGARES DE MEMORIA incidência direta da luz solar, o que também ainda era pouco usado na época.

Mas houve, também, adaptações às necessidades do Ministério e à linguagem dos arquitetos locais. A alteração mais visível foi a verticalização do prédio que ganhou dez andares além dos seis já previstos e, de quebra, uma marquise com jardim suspenso assinado por Burle Marx, de onde se tem uma bela vista dos arredores. Segundo o historiador Yves Bruand, as mudanças introduzidas no projeto trouxeram ‘dinamismo e leveza ao conjunto, com forte integração entre Arquitetura, Paisagismo e Artes Plásticas’3.

Um edifício que mais parece museu

Dificilmente vamos encontrar, em qualquer parte do mundo, um edifício que tenha reunido – , tanto na construção como na decoração –, um time tão extenso de grandes arquitetos e artistas e um acervo tão importante de obrasEscultura Moça Reclnada - Site Iphan Divulgação - BLOG LUGARES DE MEMORIA de arte. Cândido Portinari, por exemplo, além dos painéis de azulejos já citados, produziu telas e afrescos, alguns dos quais ganharam razoável divulgação: a Série Elementos, composta pelas telas ‘Água’, ‘Terra’, ‘Fogo’ e ‘Ar’, expostos em 2019 no Museu Nacional de História, e os afrescos com temática econômica.

Entre as esculturas, tornaram-se mais conhecidas as obras ‘Mulher Sentada’, de Adriana Janacópulos, ‘Moça Reclinada’, de Celso Antonio, e  ‘Juventude’, de Bruno Giorgio – este último autor da famosa escultura Meteoro, que decora o lago do Ministério das Relações Exteriores, mais conhecido como Itamaraty.

Integram também o acervo do palácio Capanema, móveis desenhados por Niemeyer. E, para completar, temos a obra que jamais foi exposta: um painel de azulejos de Portinari com peixes estilizados. A razão de seu ineditismo é a suposta Azulejos com desenhos de peixes supostamente inspirados em rosto do ministro - Foto Divulgação - BLOG LUGARES DE MEMORIA semelhança dos peixes com o rosto do ministro Capanema levantada pela imprensa quando o prédio ainda estava em construção. A comparação fez o ministro censurar os azulejos e mandar que em seu lugar fossem colocados outros com desenhos de estrelar do mar.

Por tudo isso, o Palácio Capanema foi tombado, ainda na década de 1940, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e integra a lista de monumentos indicados para tornar-se Patrimônio Mundial da Humanidade (título concedido pela Unesco). E, pela mesma razão, a notícia de que poderia ser vendido mobilizou arquitetos, artistas e vários outros segmentos da sociedade.

Ainda não se tem certeza sobre o destino do prédio, mas, pelo menos em um aspecto, pode-se dizer que o tiro saiu pela culatra porque a ameaça de venda o tornou mais visível e, portanto, com maior chance de ser reconhecido e preservado.4

Notas

Fotos

  • Iphan / Divulgação e croqui de Le Corbusier

Livros

  • Dezoito graus: A biografia do palácio Capanema, de Lauro Cavalcanti
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17 Comentários
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Bia
Bia
3 anos atrás

Foi o artigo mais fidedigno sobre o Palácio Capanema que eu li nos últimos dias após a polêmica da venda do prédio. Parabéns, Silvinha!

Joaquim Sobral
Joaquim Sobral
3 anos atrás

Esse lugar faz parte importante da minha formação.
Passei muitos fins de semana assistindo festivais de cinema et palestras.
Quando vejo o que está acontecendo agora, me enche de tristeza…
Excelente texto, et muito bem escolhido para esse momento.
Parabéns Sylvinha.

Sabrina Albuquerque
Sabrina Albuquerque
3 anos atrás

Sou fascinada pela arquitetura modernista e o Palácio Capanema é um ícone desse período.

Robba
Robba
3 anos atrás

Eu particularmente adoro a arquitetura modernista e toda a sua história. Aqui em Barcelona tem muita coisa legal também pra conhecer e estudar sobre, me encanto a cada dia que passa. ainda não conheço o Palácio Capanema, mas quero conhecer em breve.

Sonia Pedrosa
3 anos atrás

Prédio lindiiiiiíssimo! Eu tinha aula de inglês de segunda a sexta, 7 da manhã, no Brasas, que fica pertinho daí e todos os dias eu passava por ele… ficava encantada com os azulejos, com o espaço…seu texto até me deu um aperto no peito, de saudade. Obrigada, Sylvinha, por esse momento.

Angela Martins
Angela Martins
3 anos atrás

A polêmica envolvendo o leilão desse marco da arquitetura moderna me deixou bastante curiosa. Adorei seu post sobre o Palácio Capanema.

Diego
3 anos atrás

Eu, como arquiteto, adoro esse estilo, ainda mais com os jardins de Burle Marx e esses ladrilhos azuis. Ainda não conheço de perto o Palácio Capanema, mas espero ve-lo em breve!

Deyse
Deyse
3 anos atrás

Edifício imponência detalhes arquitetônicos e ornamentais maravilhosos. Uma obra linda e clássica do modernismo. Amei !

Cecilia Turman
3 anos atrás

Nunca me esqueci did momentos que passei nestes jardins que humanizam o centro da cidade do Rio de Janeiro! Love it at the very first moment I entered this magic space! ❤️