Atualizado em 22/10/2024 por Sylvia Leite
O que primeiro impressiona no Instituto Ricardo Brennand é a grandiosidade do terreno e das construções: são mais de 77 mil metros quadrados de área construída, cercados por Mata Atlântica preservada, em um terreno de cerca de 180 hectares. Isso significa que os prédios do centro cultural ocupam um terreno maior que os de muitos parques urbanos brasileiros, entre os quais o Trianon, de São Paulo, que tem cerca de 48 mil metros quadrados. Já a área total do terreno é superior à do Parque Ibirapuera, que mede 158 hectares.
Ao entrarmos no complexo, nos chama a atenção um enorme prédio – o Museu Castelo São João. Nele está guardada uma coleção de armas brancas. Há, ainda, duas enormes construções dedicadas às artes plásticas: a Pinacoteca, que abriga mostras de longa duração com peças do acervo, e a Galeria, voltada para as exposições temporárias.
Os três prédios são inspirados no Gótico Tudor – o último estilo da arquitetura inglesa medieval, de origem galesa, batizado assim em alusão à dinastia que governava a Inglaterra no período de seu surgimento.
É curioso encontrarmos esse tipo de construção em um centro cultural brasileiro, localizado no bairro da Várzea, na periferia do Recife, mas, ao entrarmos nos prédios, descobrimos que sua arquitetura está de acordo com as coleções do acervo, composto por armas medievais e objetos de arte seiscentistas. E vale lembrar, ainda, que o criador do instituto é de origem inglesa.
Ricardo Brennand foi um empresário pernambucano – fabricante de vidro, aço, cerâmica, cimento, porcelana e açúcar -, falecido em 2020, vítima de Covid-19. Brennand era primo do artista plástico Francisco Brennand, cuja oficina encontra-se no mesmo bairro e, apesar de não ser artista como o primo, sempre foi admirador das artes e das armas, o que o levou a tornar-se um colecionador.
A história do Instituto Ricardo Brennand
Tudo começou – conforme registrou o próprio empresário no site do instituto -, quando, ainda criança, ele ganhou um canivete do pai: “O que seria um brinquedo para qualquer menino de minha idade veio a despertar em mim uma vocação de colecionador”. A primeira coleção foi a de armas brancas, que reúne hoje cerca de três mil peças, mas Ricardo Brennand acumulou também armas de fogo. As obras de arte, em sua maioria, foram adquiridas a partir do momento em que decidiu criar o centro cultural, embora já tivesse um acervo pessoal de peças trazidas das viagens que fez à Europa e à Ásia.
Após anos de dedicação aos negócios da família, Brennand decidiu vender as fábricas de cimento e investiu parte da cifra milionária obtida na operação, no projeto e na construção do instituto, que seria instalado nas terras do antigo Engenho São João. O nome Ricardo Brennand, diferente do que somos levados a pensar, não se trata de autorreferência, mas de uma homenagem ao tio homônimo que foi um grande incentivador das artes na família.
O primeiro passo foi erguer o castelo, pois ele não havia mais onde abrigar sua coleção de armas. Já a obra da Pinacoteca foi precipitada por uma exigência externa: Brennand deveria viabilizar um espaço em Pernambuco capaz de receber uma exposição do pintor holandês Albert Eckhout (1610-1665) que o Museu Nacional da Dinamarca – proprietário das obras – estava querendo fazer no Brasil. Era a primeira vez, em três séculos e meio, que aquelas obras iriam sair de sua sede.
Além de antecipar e acelerar a construção, o compromisso de receber as obras de Eckhout provocou mudanças no projeto da Pinacoteca e a exposição acabou marcando a inauguração do centro cultural, ocorrida em 2002. No ano seguinte, o Instituto Ricardo Brennand recebeu obras de outro holandês, Frans Post (1612-1680) mas desta vez o acervo era próprio e a exposição seria permanente. Para inaugurá-la, o centro cultural convidou a então rainha dos países baixos – Beatriz Guilhermina Armgard – e seus dois filhos Máxima Zorreguieta e Guilherme Alexandre (atual rei).
Depois vieram os prédios da Galeria e da Capela de Nossa Senhora das Graças. A Galeria foi construída para abrigar exposições temporárias e eventos de diversas naturezas, enquanto a capela teria sido um presente dado pelo empresário à sua esposa Graça Maria Monteiro Brennand, com quem teve oito filhos.
Raridades no acervo de armas
A coleção de armas brancas do Instituto Ricardo Brennand, que ocupa o Castelo São João, reúne cerca de três mil itens, incluindo 48 armaduras completas, que causam grande impacto aos visitantes. Nessa parte destacam-se três peças raras: um conjunto identificado como ‘Armaduras Maximiliana de Campo para cavalo e cavaleiro’ datada em torno de 1515, uma armadura para criança e uma armadura para cachorro.
Duas espadas também estão entre as peças mais significativas do museu. Elas pertenceram ao rei Faruk 1, do Egito – o último antes da proclamação da República daquele país. São laminadas em ouro e decoradas com pedras preciosas. A coleção inclui, ainda, algumas armas de fogo e as mais representativas dessa categoria talvez sejam dois fuzis que pertenceram à Família Real brasileira.
A maior coleção de Frans Post
Na área das Artes Plásticas, o principal mérito do Instituto Ricardo Brennand talvez seja o de possuir a maior coleção mundial de obras do pintor holandês Frans Post e a única a abranger todas as fases de sua trajetória artística.
O holandês Frans Post foi o primeiro a pintar a paisagem brasileira e as 15 telas que compõem o acervo do Instituto Ricardo Brennand representam 10 por cento de toda a sua produção pictórica.
Além dessas 15 obras, há gravuras produzidas por um grupo de pintores liderados por Jan van Brosterhuisen, a partir de ilustrações de Frans Post para o livro “Rerum per octennium in Brasilia et alibi nuper gestarum sub praefectura” de Caspar Barlaeus.
As duas coleções estão inseridas na exposição “Frans Post e o Brasil Holandês” que reúne, ainda, quatro tapeçarias criadas a partir de desenhos de Albert Eckhout, além de mapas, moedas e livros produzidos no século 17, durante o período em que Pernambuco foi governada por Maurício de Nassau e era considerada a Nova Holanda.
O acervo de artes visuais
As obras de Frans Post não são as únicas preciosidades do instituto na área das artes plásticas. A exposição “O Oitocentos brasileiro” reúne obras de artistas como Antonio Parreiras, Benedito Calixto, Emill Bauch, Rugendas, Telles Junior e Carlos Julião, entre outros.
O maior destaque dessa coleção talvez seja a obra “O Mercado de Escravos” de Jean Baptiste Debret, que retrata o ambiente em que africanos escravizados eram vendidos como mercadoria após desembarcarem no Porto do Valongo, no Rio de Janeiro. As cenas brasileiras – conhecidas como Brasilianas – , aliás, especialmente de centros urbanos como Rio de Janeiro e Recife, compõem grande parte do acervo de artes visuais do Instituto Ricardo Brennand. Mas há grande número, também, de pinturas de gênero de artistas europeus.
Inúmeras esculturas ocupam os espaços internos e externos, com destaque para um conjunto de Fernando Botero intitulado “A Dama e o Cavalo”, uma réplica da escultura David, de Michelângelo, e uma das 24 réplicas autorizadas pela Casa Rodin de Paris, da escultura “O Pensador”, de Auguste Rodin.
O circuito se completa com um núcleo de artes decorativas, mobiliário e tepeçaria que inclui, entre outras preciosidades, um par de candelabros franceses do século XIX e um órgão italiano em estilo barroco do século 17. O mobiliário é formado principalmente por peças europeias.
O Instituto Ricardo Brennand abriga, ainda, uma biblioteca que reúne mais de 60 mil itens, entre os quais estão 4.883 volumes da coleção de José Antônio Gonçalves de Melo, considerado o maior historiador do Brasil Holandês. Esse acervo estava na iminência de sair de Pernambuco e foi integralmente comprado por Ricardo Brennand.
Um pouco mais afastada e com horários de funcionamento diferenciados, está a capela de Nossa Senhora das Graças. O prédio foi projetado em estilo Gótico e decorado com diversas obras de arte.
O Instituto Ricardo Brennand
O IRB recebe mensalmente uma média de 7,5 mil visitantes e, por três vezes, – 2014, 2015, 2017-, obteve o título de Melhor Museu da América do Sul, pela premiação Travelers’ Choice Awards do site de viagens Trip Advisor.
Para conhecer satisfatoriamente o acervo e a arquitetura do Instituto Ricardo Brennand é preciso pelo menos um dia inteiro. Isso se deve não apenas à quantidade de obras, mas também ao fato das coleções estarem distribuídas em três grandes espaços, o que demanda um certo tempo de deslocamento e acesso. Sem falar nas esculturas da área externa que acabam configurando o jardim como mais um espaço de exposição.
Os que não têm muito tempo no Recife ou preferem visitas mais rápidas, podem programar um roteiro que inclua os dois museus da família – Instituto Ricardo Brennand e Oficina Brennand – um em cada turno.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, matérias sobre outros museus do Nordeste: Casa do Rio Vermelho / Museu do Sertão do artista Véio / Museu da Gente Sergipana / Memorial Leprosaria Canafístula
Instituto Ricardo Brennand – Várzea – Recife – Pernambuco – Brasil – América do Sul
Fotos
- (1) Portal da Copa/ME em Wikimedia
- (2,3,4,5,6,7,9) Sylvia Leite
- Domínio público Wikimedia
- Ilustração site Instituto Ricardo Brennand (link nas referências
Referências
Maravilha de texto, dando uma excelente ideia do que iremos encontrar no Instituto Brennand… Parabéns!
Obrigada, Hilda. Volte sempre.
Matéria excelente. Parabéns.
O IRB é um museu impressionante.
É mesmo, Renato. O IRB nos causa um grande impacto.
Excelente obra do Brennand!
Excelente mesmo, Sonale. Vale a pena conhecer o IRB.
Além da história e beleza das péças, o local tem um excelente charme .
E a área externa do Instituto Ricardo Brennan também é muito agradável.
Ja visitei e simplesmente maraviñhoso ver tudo isso
Concordo. O Instituto Ricardo Brennand é impressionante.
Bom dia aquela faca esculpida São Sebastião a qual tem uma esmeralda no cabo foi eu que fiz.
Abraço!
Geraldo Gomes
Itaju sp
Pode conferir lá esta gravado nela
Obrigada pela informação, Geraldo. E parabéns pelo trabalho.