Atualizado em 29/04/2024 por Sylvia Leite
A Igreja de São Francisco ou Igrejinha da Pampulha, como é conhecida pelos moradores de Beagá (apelido da capital mineira), é considerada a obra-prima de um conjunto monumental inaugurado na década de 1940 e listado recentemente pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade. O prédio, projetado por Oscar Niemeyer , reúne pinturas de Candido Portinari, mosaicos de Paulo Werneck, baixos relevos de Alfredo Ceschiatti em meio ao paisagismo de Roberto Burle Marx . Mas, apesar dissotudo, levou cerca de catorze anos para ser aceito pela Cúria como lugar de celebrações da Igreja Católica.
Para o então arcebispo de Belo Horizonte, A rejeição teve aparentemente dois motivos: o fato de alguns daqueles serem comunistas e a sua ousadia estética – que teria escandalizado não apenas o arcebispo, mas também uma boa parte da população.
Ousadia na Igreja da Pampulha
A inovação estava por toda a parte, a começar pelo projeto que, em vez de nave e cúpula, como era costume nos templos católicos, previa uma estrutura contínua e ondulada em alusão às montanhas de Minas.
A proposta era inédita até mesmo em termos técnicos porque, segundo se conta, não havia exemplo anterior daquele tipo de abóbada parabólica em concreto, sem colunas de sustentação (pilotis), a não ser em armazéns. Por sorte, o profissional que faria os cálculos da obra – Joaquim Cardoso – além de calculista era também poeta e, encantado com o projeto, empenhou-se para viabilizar sua execução.
A polêmica em torno do vira-lata
Outro motivo de espanto está no painel do altar, pintado por Portinari. Além de representar São Francisco com uma roupa leve e de braços expostos – ao invés do hábito austero amarrado por um cordão – o artista substituiu a imagem do lobo – normalmente retratado ao lado do santo por ser um animal que tem a afeição dos seus conterrâneos de Assis – pela de um cachorro vira-lata, que é um animal estimado pelo povo brasileiro.
Foi também motivo de estranhamento o padrão do mosaico de Paulo Werneck que faz o revestimento eterno lateral da igreja. Todo em tons de azul e branco e com desenhos abstratos, também em formas curvas, o painel está muito distante da decoração tradicional de uma igreja na primeira metade do século 20.
As estações da Paixão de Cristo, pintadas por Portinari, talvez tenham sido a única referência cristã que não diferia de forma radical da estética esperada para um templo católico. Mas é claro que isso não foi suficiente para reverter a má impressão causada ao arcebispo da época. Assim, a famosa Igreja de São Francisco só foi consagrada em 1956, pelo seu sucessor, Dom João de Rezende Costa, na condição de capela.
Igreja da Pampulha – obra-prima do conjunto monumental
A Igreja de São Francisco foi o último prédio a ficar pronto no conjunto arquitetônico da Pampulha e é considerado o mais importante de todos. Além dele, Oscar Niemeyer projetou outros
três edifícios. Em um deles funcionava um cassino que foi fechado poucos anos depois em consequência da proibição do jogo pelo presidente Dutra. No local funciona hoje o Museu de Arte da Pampulha (MAP).
O segundo prédio, batizado como Casa do Baile, era um restaurante com pista de dança que foi muito frequentado pelos moradores de Belo Horizonte, mas acabou decaindo depois do fechamento do cassino e agora abriga o Centro de Referência de Urbanismo, Arquitetura e do Design, ligado à Fundação Municipal de Cultura da Prefeitura de Belo Horizonte.
O terceiro prédio é o Pampulha Iate Clube, famoso PIC, que continua com a mesma função dos primeiros tempos, mas perdeu sua identidade em consequência de ampliações que não levaram em conta o projeto inicial. O que une os quatro prédios, com objetivos e localizações diversas, são a Lagoa da Pampulha – criada artificialmente dentro do mesmo projeto – e os jardins de Burle Marx.
Um ensaio para Brasília
Há quem considere a Igreja de São Francisco e os outros prédios que compõem o conjunto monumental da Pampulha como uma espécie de ensaio daqueles jovens profissionais – na época com pouco mais de 30 anos – para o que fariam quase duas décadas depois em Brasília. Tanto a Pampulha como a capital do Distrito Federal foram encomendas do visionário Juscelinho Kubitscheck – no primeiro caso como prefeito de Belo Horizonte e no segundo como presidente da República.
A Niemeyer e ao calculista Joaquim Cardoso coube, em Brasília, os projetos de inúmeros prédios entre os quais se destacam o Congresso Nacional, os palácios do Planalto e da Alvorada, e a famosa Catedral.
Burle Marx, é autor do paisagismo do Eixo Monumental e da Super-quadra 308 Sul, que foi construída como quadra modelo e está tombada pelo Iphan desde 2009. Ele projetou ainda os jardins do Palácio do Itamaraty e o Teatro Nacional entre muitos outros.
A Alfredo Ceschiatti foram encomendadas diversas esculturas. As mais conhecidas talvez sejam “As banhistas“, no Palácio da Alvorada; “A Justiça“, no prédio do Supremo Tribunal Federal (STF); “Os anjos” e “Os evangelhistas”, na Catedral Metropolitana de Brasília.
Além de Brasília, outras cidades, do Brasil e do mundo passaram, nos dez ou quinze anos seguintes, a ostentar obras dos artistas que participaram da construção da Pampulha. Acredita-se, inclusive, que a Igreja de São Francisco tenha sido responsável pela projeção de Oscar Niemeyer pelo mundo afora.12
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre obras modernistas: Brasília, Athos Bulcão, Jenner Augusto, Portinari, Casa da Gávea
Igreja da Pampulha – Pampulha – Belo Horizonte – Minas Gerais – Brasil – América do Sul
Fotos
- Marcelo Prates Obs: A foto 5 (detalhe do mosaico de Paulo Werneck) faz parte do livro do Concurso Internacional de Fotografia Oscar Niemeyer 100 anos, editado em Portugal
Consultoria
- Carlos Roberto Leite de Rezende
Para saber mais
- Descubra outros lugares especiais da capital mineira no Roteiro de 2 dias em Belo Horizonte preparado pelo blog Etre Mochilae e Malinhas
https://www.entremochilasemalinhas.com/2021/09/roteiro-2-dias-belo-horizonte.html
Interessante como as grande obras espalhadas pelo mundo foram, primeiro, rejeitadas e só então, com o tempo, é que as pessoas caíram de amores por elas…
É impressionante mesmo, Soninha, esse medo do desconhecido. Obrigada pelo comentário. bjs
Não conheci ainda. Parabéns.
Você vai gostar, Silvio. E Beagá agora tem ótimos museus e centros culturais. É uma viagem que vale a pena.
Obrigada, Sidney. Bjs
Excelente matéria, Sylvinha! Que belo passeio pela Pampulha e pela originalidade dos grandes mestres que a projetaram.
Abraços
Val Cantanhede
Excelente matéria, Sylvinha!
Que belo passeio pela Pampulha e pela originalidade das obras dos grandes mestres que a projetada.
Abraços
Val Cantanhede
Não sabia desta refeição inicial à igrejinha da Pampulha.
Realmente é um belo passeio que não me canso de fazer rsrs.
Pois é. Inacreditável! Com quem falo? Da próxima vez deixe seu nome, ok? Abraço.
This blog post has left us feeling grateful and inspired
Thanks, Benjamim!