Atualizado em 01/05/2024 por Sylvia Leite
A Arte Rupestre que costumamos conhecer em viagens geralmente nos é apresentada em espaços institucionalizados, que se tornaram famosos por concentrarem um grande número de desenhos e ou incisões. Na Fazenda Mundo Novo, localizada em Canindé de São Francisco, no Estado de Sergipe, a realidade é um pouco diferente. Em vez de uma grande concentração de imagens, o lugar reúne cinco pequenos sítios, próximos entre si, mas com temáticas diversas, tendo, a maioria deles, um número reduzido de grafismos. Além de tudo isso, os sítios estão dentro da área de um eco hotel e ainda são pouco conhecidos.
Os cinco sítios da Fazenda Mundo Novo foram catalogados pela Universidade Federal de Sergipe após os trabalhos de salvamento arqueológico que antecederam a construção de uma usina hidrelétrica na região, e que deram origem ao Museu de Antropologia de Xingó.
Essa riqueza antropológica encontrada na Fazenda Mundo Novo é tema de pesquisas, artigos, dissertações de mestrado na Universidade Federal de Sergipe. Entre as conclusões preliminares dos pesquisadores, está a impossibilidade de inserir o conjunto de imagens de cada um desses sítios em alguma tradição de Arte Rupestre já conhecida, embora essa identidade apareça em algumas figuras, quando analisadas isoladamente.
Em comum, a Arte Rupestre encontrada nos cinco sítios da Fazenda Mundo Novo têm a técnica de pintura, que pode ter sido feita com os dedos, com pincéis ou com crayons – nome pelo qual conhecemos um tipo de lápis, mas que originalmente de refere à rocha sólida. O pigmento utilizado nas pinturas teria sido, em sua maioria, de óxido de ferro, composto químico encontrado até hoje na região, que dá a coloração avermelhada.
Os sítios da Fazenda Mundo Novo
Embora sejam tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional – Iphan, os sítios estão sob a guarda do proprietário da fazenda, o veterinário José Augusto Lima, que tem orgulho da riqueza cultural de suas terras e faz questão de guiar os visitantes. Ele mesmo batizou os cinco sítios – quatro deles com os nomes de seus avós e o quinto em homenagem a Dom Helder Câmara – ex-arcebispo de Olinda e um dos fundadores da Conferênca Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, conhecido por suas pregações em favor dos pobres e da não-violência.
O Sítio Dom Helder, coincidência ou não, reúne figuras com os braços levantados, como se estivessem em um ritual ou cerimônia litúrgica. Esse é um dos sítios da Fazenda Mundo Novo que mais concentram imagens antropomorfas ou zooomorfas, ou seja, de seres humanos ou de animais. Na verdade, a maioria se mantém indefinida entre os dois grupos, pois apesar de terem aparência humana, as figuras apresentam apenas três dedos nos pés e nas mãos, ficando a pergunta se os autores dos desenhos desejaram representar serem humanos ou animais, ou, ainda, alguma figura mitológica resultante dessa mistura, como, por exemplo, um homem-pássaro.
Nesse sítio encontram-se, ao todo, 18 figuras, todas em vermelho, com tonalidades que variam do claro à cor de vinho. A variação, aliás, é uma característica importante no Sítio Dom Helder, pois além dessa diferença original de tons, os desenhos contam também com as mudanças de percepção resultantes da incidência de luz solar em cada hora do dia, pois trata-se de uma cavidade com abertura exposta ao tempo, que os arqueólogos chamam de pequeno abrigo por comportar de três a quatro pessoas.
A maioria dos outros sítios apresenta um grande percentual de figuras geométricas, mas cada um com suas próprias características. O conjunto que, segundo os arqueólogos, chama mais a atenção talvez seja o sítio Patrocina. Nele, há grandes corpos geometrizados com mais de um metro de comprimento, cercados por outras figuras , uma delas com aparência de um réptil. Já o Sítio João é composto exclusivamente por figuras geométricas que se organizam em forma de grades, barras e círculos. Assim como o sítio João, o Josefa também tem grande predomínio de figuras geométricas, mas isso ocorre de forma distinta.
O maior sitio arqueológico da Fazenda Mundo Novo foi batizado como Cândido e reúne três painéis distribuídos em dois abrigos. Segundo os pesquisadores que exploraram o local, trata-se do sítio que mais se diferencia do conjunto, entre outras razões pelo fato de ser o único que, pelos critérios antropológicos, pode ser chamado de gruta. Destaca-se também pelo fato de conter uma imagem com características humanas, pintada no teto, que mede mais de um metro e meio de comprimento além de ter, no seu entorno, figuras que se assemelham a representações do sol e da lua.
Outra característica particular do sítio Cândido é o fato de conter imagens sobrepostas. Isso, segundo os estudiosos, somado à variedade de signos existente nos três painéis, pode sugerir a presença, no local, de grupos distintos, em períodos diversos, e com diferentes códigos de comunicação. Essa suspeita é levantada também em relação ao conjunto de figuras dos cinco sítios tendo em vista a diversidade temática e estilística.
Um ponto de encontro histórico
O sítio Cândido seria ainda, segundo o proprietário da Fazenda Mundo Novo, palco de um encontro histórico entre os povos que imprimiram sua arte há milhares de anos e integrantes do Cangaço, que viveram na região na década de 1930. De acordo com José Augusto, Lampião e seu grupo foram muitas vezes abrigados nas terras da atual fazenda mundo Novo pelos seus antigos proprietários, chegando a dormir em seus abrigos ou grutas.
Dentro da fazenda há uma trilha que percorre vários pontos por onde onde os cangaceiros teriam passado ou mesmo se alojado durante essas estadias. O alto dos paredões era usado por sentinelas para vigiar a entrada da fazenda, o pequeno poço servia de banheira para Maria Bonita, Uma gruta batizada como Pedra do Abraço fazia as vezes de quarto para ela e Lampião e no sítio Cândido encontra-se uma pedra, localizada na entrada do abrigo maior, conhecida pelo nome de Dominó porque, segundo o proprietário da fazenda, servia como mesa de jogos dos cangaceiros.
E como se não bastassem os sítios de Arte Rupestre e a Trilha de Lampião, a Fazenda Mundo novo tem, ainda, mais de mil espécies de plantas catalogadas, das quais mais de 380 endêmicas, ou seja, que só existem no bioma Caatinga, a maioria dessas espécies com propriedades fitoterápicas. Uma das curiosidades da fazenda é o mandacaru centenário que não possui mais espinhos embora seja de uma espécie em que essas terminações pontiagudas podem medir até 20 centímetros.1
Notas
- 1 Leia, aqui no blog, outras matérias sobre a região do Baixo São Francisco: Museu de Antropologia de Xingó /Grota de Angico / Piranhas
- 2 Leia, também, matérias sobre outros lugares especiais do Nordeste: Pedra do Ingá / Ilumiara Jaúna / Lajedo de Pai Mateus
Fazenda Mundo Novo – Canindé de São Francisco – Sergipe – Brasil – América do Sul
Fotos
- Sylvia Leite
Reduções inseridas nas fotos:
- Suely Amancio Martinelli
Referências
- Apresentação de Pós-Doutorado da arqueóloga Suely Amancio Martinelli da UFS ao Centro Camuno di Studi Preistorici, da Itália
- Dissertação de Mestrado: A Linguagem Simbólica nas Pinturas Parietais da Fazenda Mundo Novo, de Vani Piaia Ghiggi, da Unversidade Federal de Sergipe (PDF)
- Particularidades e Similaridades do Registro Rupestre da Fazenda Mundo Novo em Canindé de São Francisco -Se, de Vanessa Santos Souza (PDF)
- Monografia:Documentação e Análise da Arte Rupestre do Sítio Dom Hélder na Fazenda Mundo Novo - Canindé do São Francisco, de Alba Rosane Salvador Moura Costa (PDF)
Sylvia, o lugar é lindo como todo o Xingó. A Mundo Novo está mapeada indicativamente no Mapa de Uso e Ocupaçao das Terras do Polo Turistico de Xingó e do Monumento Natural do Rio São Francisco, do qual sou responsável técnica. Pesquisa UFS/CAPES. Como faço pra lhe enviar em PDF?
Bom saber disso, Lílian. Pode mandar para o email do blog: [email protected]
Vale a pena conhecer mesmo esse patrimônio arqueológico.
Excelente matéria, Sylvinha!
Bjs
Obrigada, Val. Os sítios da Fazenda Mundo Novo são muito interessantes mesmo. Um patrimônio arqueológico.
Fascinante a descrição dos sítios com inscrições rupestres e a possibilidade de conhecermos nos hospedando na Fazenda Mundo Novo. Vou colocar na minha lista de lugares imperdíveis de serem visitados. Parabéns Sylvia pela apresentação desse texto.
Que bom que gostou, Gusta! A Faenda Mundo Novo é um lugar ‘imperdível’ mesmo.
Sylvia, tive o imenso prazer de conhecer a Fazenda/Pousada Mundo Novo em um período de três dias, durante o São João de 2023. O Sr Augusto Lima, seu propietário, nos recebeu durante uma expedição de canoagem polinésia na região dos Cânions do São Francisco. A hospedagem nos surpreendeu com a recepção calorosa e entusiasmada do Sr Augusto, que fez questão de nos mostrar os sítios arqueológicos , suas pinturas rupestres e as histórias de Lampião e Maria Bonita. O lugar é belíssimo, com uma caatinga preservada em cima dos Cânions do Rio São Francisco.
Já tinha lido esta matéria quando fui lá e retornei a ler. Agora dou um retorno da minha experiência.
Obrigado Sylvia por enriquecer o meu conhecimento do lugar.
Augusta
Que legal, Gusta. A Fazenda Mundo ZNovo é muito especial.
Uau… que riqueza…! Eu já estive por lá, mas vejo que preciso voltar, especialmente, depois de ter lido o seu post! Parabéns, Sylvinha!
Uma riqueza mesmo, Soninha. A Fazenda Mundo Novo é uma preciosidade e infelizmente pouca gente sabe de sua existência.
A Fazenda Mundo Novo parece um passeio muito interessante de se fazer. As inscrições rupestres soã interessantes.
Sim, Ana, os sítios arqueológicos da Fazenda Mundo Novo são bem interessantes.
Que incrível a Fazenda Mundo Novo! Fiquei muito interessada em visitar. Obrigada pela dica e por todos os detalhes sobre o local!
Eu que agradeço, Marcela. Pela leitura e pelo comentário. Os sítios arqueólogicos da Fazenda Mundo Novo são mesmo incríveis.